J O R NA DA S C I E N T Í F I C A S D O N I S A N Núcleo Interdepartamental de Segurança Alimentar e Nutricional 2008/2009 J O R NA DA S C I E N T Í F I C A S D O N I S A N Núcleo Interdepartamental de Segurança Alimentar e Nutricional 2008/2009 c o ordenaç ão José Augusto de A . C . Taddei Kelly de Jesus Viana Maria Sylvia de Souz a Vitalle Copyright © 2013 Editora Manole Ltda., por meio de contrato de coedição com a Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo (FAP-Unifesp). logotipos Copyright © Núcleo Interdepartamental de Segurança Alimentar e Nutricional (Nisan) Copyright © Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Copyright © Fundação de Apoio à Unifesp (FAP) Minha Editora é um selo editorial Manole editor gestor editora produção editorial Walter Luiz Coutinho Karin Gutz Inglez Tamiris Prystaj, Juliana Morais e Cristiana Gonzaga S. Corrêa projeto gráfico diagramação e revisão capa Daniel Justi Departamento Editorial da Editora Manole Departamento de Arte da Editora Manole imagens da capa Unifesp e Stock Exchange ilustrações André E. Stefanini dados internacionais de catalogação na publicação (cip) (câmara brasileira do livro, sp, brasil) Jornadas científicas do NISAN : Núcleo Interdepartamental de Segurança Alimentar e Nutricional 2008/2009/ coordenação José Augusto de A. C. Taddei, Kelly Viana, Maria Sylvia S. Vitalle . -- Barueri, SP : Minha Editora, 2013. Bibliografia ISBN 978-85-7868-081-7 1. Alimentação escolar 2. Alimentos - Tabelas de composição 3. Antropometria 4. Educação 5. Hábitos alimentares 6. Nutrição 7. Obesidade em crianças e adolescentes 8. Publicidade - Alimentos 9. Segurança alimentar I. Taddei, José Augusto de A. C.. II. Viana, Kelly. III. Vitalle, Maria Sylvia S. 13-02697 CDD-613.2 índices para catálogo sistemático: 1. Segurança alimentar e nutricional : Promoção da saúde 613.2 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. A Editora Manole é filiada à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. 1a edição – 2013 Editor a M anole Ltda . Avenida Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel.: (11) 4196-6000 – Fax: (11) 4196-6021 www.manole.com.br | [email protected] Impresso no Brasil | Printed in Brazil Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. São de responsabilidade dos coordenadores e autores as informações contidas nesta obra. MEMBROS D O NISAN 20 0 8 /2 0 09 José Augusto de A . C . Taddei Coordenador do Núcleo Interdepartamental de Segurança Alimentar e Nutricional (Nisan). Professor-associado da Disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Myrian Spinol a Naja s Vice-coordenadora no Nisan. Professora-assistente da Disciplina Geriatria e Gerontologia do Departamento de Medicina da Unifesp. Ana Cristina Freita s de Vilhena Abr ão Tesoureira do Nisan. Professora Adjunta da Disciplina Enfermagem Obstétrica do Departamento de Enfermagem e Coordenadora do Centro de Incentivo e Apoio ao Aleitamento Materno (Ciaam) da Unifesp. Ana Lúcia Medeiros de Souz a Nutricionista do Setor de Política, Planejamento e Gestão em Saúde do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. A n i ta S a c h s Professora Adjunta da Disciplina Nutrição do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. C o n c e i ç ã o Vi e i r a da S i lva Professora-associada do Departamento de Enfermagem da Unifesp. VI JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Gisel a M aria Bernarde s S olymos Diretora de Projetos do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren) – Núcleo Salus Paulista (Salus), órgão suplementar da Unifesp. Gl aur a Cé sar Pedroso Médica do Programa Docente-assistencial do Embu (Pida-Embu) da Disciplina Pediatria Geral e Comunitária do Departamento de Pediatria da Unifesp. K elly de Je sus Viana Secretária do Nisan. Nutricionista. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela Unifesp. M auro Batista de Mor ais Livre-docente da Disciplina Gastroenterologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Unifesp. Meide Silva Anç ão Professor-associado do Departamento de Informática em Saúde e Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação da Unifesp. Nil c e Pi va Ada mi Professora Titular da Disciplina Enfermagem de Saúde Pública e Administração aplicada à Enfermagem do Departamento de Enfermagem e Diretora do Departamento de Assuntos Comunitários da Unifesp. Cristina Pereir a Gaglianone Professora Doutora do Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde (Cedess) e Representante do Curso de Nutrição da Unifesp – Campus Baixada Santista. MEMBROS DO NISAN VII M aria Sylvia de S ouz a Vitalle Chefe do Setor de Medicina do Adolescente do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp. Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Unifesp. Membro da International Association for Adolescent Health (IAAH). Vice-presidente do Departamento de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). Sar ah Warkentin Secretária do Nisan. Nutricionista. Mestranda em Ciências. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela Unifesp. E X M E M B R O S D O N I S A N R o sa n a Fi o r i n i P u c c i n i Ex-coordenadora Fundadora do Nisan. Professora Titular da Disciplina Pediatria Geral e Comunitária do Departamento de Pediatria da Unifesp. L u c i l a A m a r a l C a r n e i r o Vi a n n a Ex-vice-coordenadora Fundadora do Nisan. Professora Titular da Disciplina Enfermagem em Saúde Pública e Administração Aplicada à Enfermagem do Departamento de Enfermagem e Chefe de Gabinete da Reitoria da Unifesp. Eun i c e A k i ya m a Ex-secretária do Nisan. Secretária do Gabinete da Reitoria da Unifesp. O l g a M a r i a S i lv é r i o A m a n c i o Professora Adjunta do Laboratório de Pesquisa da Disciplina Nutrologia do Departamento de Pediatria da Unifesp. VIII JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Nild o Alve s Batista Coordenador do Cedess e Coordenador Acadêmico da Unifesp – Campus Baixada Santista. S ofi a B e atr i z M ac h a d o d e M e n d o n ç a Médica Sanitarista, Antropóloga e Coordenadora da Formação de Recursos Humanos do Projeto Xingu da Unidade de Saúde e Meio Ambiente do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. J o se fi n a A pa r e c i da P e l l e gr i n i B r a g a Professora Adjunta, Doutora e Chefe do Setor de Hematologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Disciplina Especialidades Pediátricas da Unifesp. M ariana de Novae s Oli veir a Ex-secretária do Nisan. AU TO R E S A nna Helena Pedreir a de Freita s Nutricionista. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria da EPM-Unifesp. Ca mil a M aria de Mel o Especialista em Fisiologia do Exercício pela Unifesp. Mestre em Ciências dos Alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP). Cl audia Ridel Juz wiak Professora-adjunta do Curso de Nutrição do Departamento de Ciências do Movimento Humano da Unifesp – Campus Baixada Santista. Cl audio Leo ne Professor Titular do Departamento de Saúde Materno-infantil da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Doutor e Professor Livre-docente em Pediatria Preventiva e Social pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP. Cl óvis de Barros Filho Professor Livre-docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Eliana Bistriche Giuntini Doutora em Nutrição Humana Aplicada pela USP. X JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Eliz abete Wenz el de Mene z e s Nutricionista. Mestre e Doutora em Ciências dos Alimentos pela USP. Professora-associada do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF/USP. Fernanda Cobaya shi Nutricionista. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela EPM-Unifesp. Doutora em Ciências pela Unifesp. Pesquisadora Colaboradora de Nutrição da USP. Fernand o A . B . Colugnati Pesquisador-associado do Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação (IPTI). Pós-doutorando do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (DPCT-IG-Unicamp). Fr anco M aria L ajol o Doutor em Ciências dos Alimentos pela USP. Professor Titular do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF/USP. Giovana Long o-Silva Nutricionista. Especialista em Nutrição em Saúde Pública pela Unifesp. Mestre em Ciências pela Unifesp. Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria da EPM-Unifesp. Gl aur a Cé sar Pedroso Médica. Pediatra da EPM-Unifesp. Doutora em Ciências pela Unifesp. Membro do Departamento de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). AU TORE S XI Greisse Viero da Silva Le al Nutricionista. Mestre em Saúde Pública pela FSP/USP. Doutoranda em Nutrição em Saúde Pública da FSP/USP. Helio Vannucchi Professor Titular da Divisão de Nutrologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP/ USP). João Lope s Guim ar ãe s Júnior Promotor de Justiça do Consumidor do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). José Augusto de A . C . Taddei (co ordenaç ão) Professor-associado da Disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Unifesp. K elly de Je sus Viana (co ordenaç ão) Nutricionista. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela EPM-Unifesp. L u c i a n a da S i lva S a m pa i o J o r ge Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela EPM-Unifesp. Mestre em Ciências, com Área de Concentração em Saúde Coletiva, pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Tutora da Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (Enpacs). Nutricionista do Programa Saúde da Criança da Secretaria de Saúde do Município de Osasco/São Paulo. Membro da International Baby Food Action Network – Brasil (IBFAN-Brasil). XII JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 L u c i a n a R o sa d e S o u z a Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. M arcos S c haper d os Santos Junior Médico do Projeto Xingu da Unidade de Saúde e Meio Ambiente do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. M aria Sylvia de S ouz a Vitalle (co ordenaç ão) Chefe do Setor de Medicina do Adolescente do Departamento de Pediatria da EPM-Unifesp. Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Unifesp. Membro da International Association for Adolescent Health (IAAH). Vice-presidente do Departamento de Adolescência da SPSP. M artin Fabius Al cover de Barros Consultor e Pesquisador de Ética. M aysa Helena de Ag uiar Tol oni Nutricionista. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela EPM-Unifesp. Mestre em Ciências pela Unifesp. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria da EPM-Unifesp. Rita M aria Monteiro G oul art Nutricionista. Doutora em Saúde Pública pela FSP/USP. Docente do Curso de Graduação em Nutrição e do Mestrado em Ciências do Envelhecimento da Universidade São Judas Tadeu (USJT). AU TORE S XIII Sandr a M aria Lim a Ribeiro Nutricionista. Mestre em Ciências dos Alimentos pela FCF/USP. Doutora em Nutrição Humana Aplicada pela USP. Pós-doutora pelo Human Nutrition Research Center on Aging da Tufts University, Boston. Livre-docente pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Professora-associada da Disciplina de Nutrição e Envelhecimento do Curso de Gerontologia da USP. Sar ah Warkentin Nutricionista. Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil pela EPM-Unifesp. Mestranda em Pediatria e Ciências aplicadas à Pediatria da Unifesp. Professora Titular da Disciplina Educação Nutricional do Departamento de Nutrição da Universidade Paulista (Unip). S onia Tuc undu va Philippi Doutora em Nutrição em Saúde Pública pela FSP/USP. Professora-associada da Disciplina Dietética e Avaliação do Consumo Alimentar de Populações do Departamento de Nutrição da FSP/USP. Walter Belik Professor Titular do Instituto de Economia e Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Unicamp. A P R E S E N TAÇ ÃO Esta terceira coletânea apresenta quinze textos que compuseram quatro jornadas do Núcleo Interdepartamental de Segurança Alimentar e Nutricional (Nisan) nos anos de 2008 e 2009, seguindo a mesma proposta de promover a reflexão e a discussão de temas relevantes para a Segurança Alimentar e Nutricional. Na primeira jornada, são abordados temas relacionados à antropometria, principal instrumento para a vigilância nutricional de populações com maiores riscos de desvios nutricionais. Nos primeiros três capítulos, a antropometria é abordada em situações de risco biológico, como na infância, na gravidez e na velhice. Nos capítulos 4 e 5, discute-se sobre a antropometria de populações indígenas e quilombolas, dois grupos que se caracterizam por apresentar maiores riscos socioeconômicos para a insegurança alimentar. A segunda jornada traz novas abordagens para os temas “propaganda de alimentos e obesidade na infância e na adolescência”, questões já tratadas no primeiro fascículo dessa coletânea. Os primeiros dois capítulos descrevem ações que procuram educar formadores de opinião XVI JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 e a população em geral para a escolha mais consciente de alimentos, apresentando o Portal Estilo de Vida Saudável e o Semáforo Nutricional, com suas vantagens e limitações. Nos dois capítulos seguintes, são apresentadas reflexões sobre os efeitos da propaganda de alimentos no consumo alimentar infantil e sobre regulamentação versus autorregulamentação da propaganda de alimentos dirigida a crianças e adolescentes. Na terceira jornada, discute-se a utilização da técnica da gota seca como avanço tecnológico que facilita o diagnóstico populacional de carências nutricionais específicas em inquéritos nacionais, informação relevante para a segurança alimentar e nutricional. Os outros dois capítulos que compõem a terceira jornada tratam de temas relacionados às tabelas de composição de alimentos e ao cálculo informatizado de dietas, instrumentos indispensáveis na construção de sistemas de vigilância nutricional para o país. Já a quarta jornada, composta pelos três capítulos finais desta coletânea, trata da alimentação na escola como instrumento de promoção de saúde e difusão de conhecimentos sobre dietas saudáveis, apresentando também, em uma abordagem macroeconômica, as dificuldades desses programas na América Latina ao longo das últimas décadas. Profª Drª Eleonora Menicucci de Oliveira Pró-reitora de Extensão (Unifesp) Profª Drª Conceição Vieira da Silva Ohara Pró-reitora de Extensão (Unifesp) SUMÁRIO I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S : A PL I C AÇ ÃO E M D I F E R E N T E S G RU P O S E TÁ R I O S / E T N I A S 19 de out ubro de 2 0 07 An fi te atr o Le m o s To r r e s – U n ife sp Curvas de crescimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cl audio Leone Antropometria na gravidez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Luciana da Silva Sampaio Jorge Rita Maria Monteiro Goul art Avaliação do estado nutricional de idosos: antropometria . . . . . . . . . . . Sandr a Maria Lima Ribeiro Camil a Maria de Melo XVIII JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Consequências de um encontro: a insegurança alimentar das populações indígenas brasileiras e a relação de contato com a sociedade nacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Marcos Schaper dos Santos Junior Antropometria de crianças quilombolas de a anos de idade . . . . . . . . José Augusto de A . C. Taddei Fernando A . B. Colugnati Fernanda Cobayashi I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA D E NA I N FÂ N C I A E NA A D O L E S C Ê N C I A 2 6 d e m ar ç o d e 2 0 08 Te atr o M ar c o s L in d en b er g – U n ife sp A epidemia da obesidade e a publicidade de alimentos . . . . . . . . . . . . José Augusto de A . C. Taddei Giovana Longo-Silva Maysa Helena de Aguiar Toloni Portal Estilo de Vida Saudável: uma ferramenta para o controle das doenças crônicas não transmissíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Kelly de Jesus Viana Sar ah Warkentin Anna Helena Pedreir a de Freitas José Augusto de A . C. Taddei A mídia e a alimentação infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Clóvis de Barros Filho Martin Fabius Alcover de Barros SUMÁRIO XIX Regulamentação versus autorregulamentação . . . . . . . . . . . . . . . . . João Lopes Guimar ães Júnior I J O R NA DA S O B R E TA B E L A S D E C O MP O S I Ç ÃO D E A L I ME N TO S E C Á L C U L O I N F O R M AT I Z A D O D E D I E TA S 2 9 d e o u t ub r o d e 2 0 08 Te atr o M ar c o s L in d en b er g – U n ife sp Determinação do nível de hemoglobina utilizando a técnica da gota seca em papel de filtro – Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS, ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Helio Vannucchi Tabela Brasileira de Composição de Alimentos da Universidade de São Paulo (TBCA-USP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Eliana Bistriche Giuntini Eliz abete Wenzel de Menezes Fr anco Maria Lajolo Virtual Nutri Plus: programa para apoio às decisões nutricionais . . . . . . Sonia Tucunduva Philippi Greisse Viero da Silva Leal I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A E S E G U R A N ÇA A L I ME N TA R E N U T R I C I O NA L 2 7 d e o u t ub r o d e 2 0 0 9 Te atr o M ar c o s L in d en b er g – U n ife sp A alimentação escolar como oportunidade de promoção da saúde . . . . . Gl aur a César Pedroso XX JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Educação alimentar e nutricional na escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cl audia Ridel Juzwiak Programas de alimentação escolar: instrumentos de promoção da segurança alimentar e nutricional na América Latina. . . . . . . . . . . Walter Belik Luciana Rosa de Souz a Os PDFs dos volumes anteriores estão disponíveis no site do NISAN-Unifesp: http://www.unifesp.br/nucleos/nisan/index.php I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S : A PL I C AÇ ÃO E M D I F E R E N T E S G RU P O S E TÁ R I O S / E T N I A S 19 de out ubro de 2 0 07 A nfi te atr o L e m o s To r r e s – Un i fe sp C U RVA S D E C R E S C I M E N TO Cl audio Leone I N T R O D U Ç ÃO Curvas de crescimento é a denominação habitualmente dada aos gráficos de crescimento f ísico de crianças e adolescentes que são utilizados na rotina assistencial dos serviços de saúde que normalmente atendem a clientes dessas faixas etárias. As curvas nada mais são do que a representação gráfica das variações de medidas corporais (peso, estatura, circunferência craniana, índice de massa corporal [IMC], entre outras) tidas como normais e que são habitualmente observadas entre os indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade. Além disso, os gráficos descrevem, também especificamente para cada sexo, a tendência de evolução desses parâmetros antropométricos ao longo do tempo, isto é, em função da idade.1 F I NA L I DA D E DA S C U RVA S D E C R E S C I M E N TO Os gráficos de crescimento são utilizados no atendimento de crianças e adolescentes com algumas finalidades básicas: 4 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 • analisar a normalidade ou não de seu processo de crescimento; • contribuir para o diagnóstico de seu estado nutricional; • acompanhar sua evolução. Para tanto, as medidas de peso, estatura, etc. da criança ou do adolescente são comparadas às de seus pares, para verificar em que posição suas medidas se situam em relação à faixa de variação de valores admitidos como normais para seu grupo de sexo e idade. Após inicialmente localizar sua posição no gráfico, passa-se a acompanhar sua evolução com a idade para verificar se segue a tendência de crescimento das crianças de porte f ísico semelhante ou se dela se afasta, para mais ou para menos, indicando uma velocidade de crescimento superior ou inferior à do grupo.1 Sendo o crescimento um processo determinado por um amplo leque de fatores, entre os quais se destaca por sua importância a nutrição, eventuais alterações dos parâmetros antropométricos ou do processo de crescimento acabam sendo informações úteis para a elaboração de diagnósticos de desvios nutricionais que, eventualmente, podem vir a ocorrer. E L A B O R AÇ ÃO D O S G R Á F I C O S D E C R E S C I M E N TO O conhecimento prévio de como são (ou foram) elaboradas as curvas de crescimento é um ponto importante para que a interpretação dos resultados obtidos nas avaliações de parâmetros antropométricos possa ser feita de maneira adequada.2 Os gráficos de crescimento são (ou deveriam ser) elaborados a partir de estudos de levantamento de dados de amostras de grupos populacionais. Geralmente, as amostras utilizadas são representativas de populações específicas, como cidades, regiões e países, cujos resultados não podem ser generalizados de maneira indiscriminada. Em algumas situações, não raras, por limitações de recursos ou por dificuldades operacionais intransponíveis, os pesquisadores acabam tendo de recorrer a uma amostra de conveniência. Esse tipo de amostra, I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 5 possível de ser obtida naquelas circunstâncias, geralmente representa apenas e exclusivamente o próprio grupo de indivíduos avaliado, mas pode ser utilizado como referencial. Entretanto, deve-se ter em mente que sua utilização de maneira mais generalizada precisa ser feita com cuidado, pois pode produzir algumas distorções importantes no momento de avaliar uma criança ou um adolescente proveniente de outra população. Abstraindo da questão da amostra, as pesquisas de crescimento que se destinam à elaboração de curvas referenciais podem ser realizadas na forma de estudos longitudinais ou transversais. Os estudos longitudinais acompanham o mesmo grupo de crianças (que se mantêm saudável) do nascimento até os 20 anos de idade, reavaliando suas medidas corporais após intervalos de tempo preestabelecidos. Por acompanhar sempre a mesma amostra de indivíduos, os estudos resultam em curvas de crescimento bastante homogêneas, inclusive com uma dispersão menos ampla de valores ao redor das denominadas medidas de tendência central, como a média ou a mediana. Como consequência, os estudos longitudinais avaliam bem a velocidade de crescimento, mas refletem menos a variabilidade populacional dos parâmetros antropométricos em cada idade, pois, durante o acompanhamento, as características de vida e de ambiente tendem a ser mais constantes ou a sofrer mudanças bastante semelhantes entre os sujeitos que compõem a amostra. O maior inconveniente dos estudos longitudinais é o longo tempo de seguimento necessário para produzir a curva de crescimento completa. Além de gerar um custo muito elevado, esse tipo de estudo predispõe a um número relativamente elevado de perdas e abandonos do seguimento, com possíveis repercussões negativas sobre os resultados finais, cuja magnitude nem sempre pode ser avaliada. Por sua vez, os estudos transversais são realizados de maneira a medir em um sistema do tipo mutirão, como se fosse tudo em um mesmo dia, um grande número de amostras de indivíduos saudáveis, 6 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 agrupados por sexo e idade. Assim, diferentemente do longitudinal, o estudo transversal reúne um conjunto de sujeitos diferentes para cada grupo de sexo e idade avaliado. Exatamente por não serem os mesmos indivíduos mensurados em cada amostra, os resultados mostram maior dispersão de valores ao redor da média, mais compatível com as variações das características ambientais normalmente existentes. Contudo, essa menor homogeneidade dos dados realmente observados produz curvas de tendência de crescimento diferentes das resultantes de estudos de acompanhamento longitudinal. Após a coleta, os dados são tratados de maneira semelhante, inclusive os transversais (como se tivessem sido obtidos em um estudo longitudinal). Os valores são submetidos a uma interpolação matemática de maneira a desenvolver modelos e equações que permitam estimar os valores para as idades compreendidas no intervalo existente entre dois momentos (idades) em que as medidas foram realizadas. Finalmente, os gráficos com as curvas de crescimento são elaborados com os dados obtidos a partir das equações de interpolação. Todos os valores para todas as idades são recalculados de modo a estimar os valores que melhor se ajustem aos realmente observados nas idades em que as medidas foram efetuadas. Esses procedimentos servem também para suavizar as irregularidades produzidas pelas diferenças de variações existentes intra e entre as amostras de medidas, de modo a produzir curvas bastante regulares e estáveis, mesmo para os estudos transversais. O objetivo é que as curvas reproduzam com bastante aproximação a distribuição e a tendência de evolução dos valores das medidas corporais de indivíduos normais de diferentes portes f ísicos, desde os mais miúdos, quase microssômicos, até os maiores em cada idade. Para que os resultados sejam precisos, independentemente de seu grau de representatividade universal, é preciso que os estudos tenham muito cuidado com os aspectos ligados à metodologia de mensuração utilizada. Além de um rigoroso treinamento das equipes de I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 7 mensuradores responsáveis pela coleta de dados em campo, é necessário que os estudos mantenham também constante supervisão e aferições periódicas das equipes, bem como a verificação sistemática da consistência dos dados coletados. Uma coleta de dados imprecisa, com medidas não confiáveis, invalida qualquer tentativa de elaborar curvas referenciais de crescimento. Cabe salientar, conforme o que já foi considerado nos aspectos relativos à amostra, que esses estudos resultam em um retrato momentâneo do padrão de crescimento dos indivíduos avaliados, que eventualmente poderá ser utilizado, não como padrão, mas como referencial de crescimento com o qual outros indivíduos ou populações poderão ser comparados. Após o processamento, os resultados são disponibilizados sob a forma de gráficos (curvas) de crescimento, mais práticos para a utilização no dia a dia, principalmente na prática clínica, ou na forma de tabelas, em que os valores estimados são apresentados de maneira a permitirem uma avaliação mais precisa do crescimento, sendo extremamente úteis nos casos de avaliação e/ou acompanhamento do tratamento de doenças específicas do crescimento.2 PERCENTIS E ES CORES Z Nos gráficos ou tabelas, os valores podem ser apresentados de duas maneiras diferentes: classificados em percentis ou em escores z. P ercentis A classificação em percentis nada mais é do que a representação de maneira hierarquizada, crescente, inicialmente dos valores observados e, posteriormente, dos valores estimados matematicamente. A Figura 1 ilustra a distribuição do que seria uma amostra real de dados antropométricos. Se os indivíduos fossem alinhados horizontalmente do menor para o maior (peso, estatura, circunferência craniana, etc.) e os que apresentassem valores muito semelhantes fossem 8 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 colocados verticalmente um atrás do outro, seria possível obter uma figura em forma de sino, simétrica quanto à distribuição dos valores. Esse formato da figura é denominado Curva de Gauss ou Curva Normal, modelo que permite definir os valores daquele parâmetro antropométrico que delimitam determinadas porcentagens (proporções) da amostra e que são denominados percentis. Essa distribuição também pode ser assumida quando se utilizam os valores estimados matematicamente. FIGURA 1 Distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para figurar uma possível distribuição em percentis. Percentis Tamanho da amostra (n) = 56 9 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S Na Figura 2, observa-se que é possível calcular a média de qualquer medida corporal entre os dois indivíduos alinhados centralmente e assim determinar um valor (representado pela linha vertical pontilhada) que separa a amostra em dois grupos de igual tamanho, correspondentes a 50 da amostra cada. Esse valor recebe a denominação de mediana ou percentil 50 e pode ser calculado para qualquer amostra de indivíduos de mesmo sexo e idade. FIGURA 2 Distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para demonstrar o posicionamento do percentil 50 do grupo. Percentis Percentil 50 n = 56 10 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Assim, se uma criança, por exemplo, tiver estatura igual a esse valor do percentil 50, significa que metade das crianças de mesmo sexo e idade é mais baixa do que ela e que a outra metade tem estatura maior. Na Figura 3, supondo que represente 60 indivíduos de uma amostra ordenada hierarquicamente pelo peso, observa-se que é possível determinar o valor que delimita os seis indivíduos mais pesados (10 da amostra), no extremo direito da figura, ou os três mais magros (5 da amostra), no extremo esquerdo da figura. Esses são os valores, calculados a partir da amostra, correspondentes aos percentis 90 e 5, respectivamente. FIGURA 3 Distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para demonstrar o posicionamento dos percentis 5 e 90, além da mediana do grupo. Percentis Percentil 5 Percentil 50 Percentil 90 n = 56 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 11 Deve-se salientar que, desse modo, é possível determinar quantos pontos de corte forem necessários, como o ponto que separa os 15 mais baixos (percentil 15), os 25 mais altos (percentil 75), os 5 mais gordos (percentil 95) ou, ainda, os 3 mais magros (percentil 3), e assim por diante. A classificação em percentis, intuitivamente, traz consigo a noção de risco, pois, como se observa pela Figura 3, quanto mais próximo dos extremos da distribuição for o valor observado em uma criança ou adolescente, menos frequentes são os indivíduos normais portadores daquele valor. Está claro que isso não significa que o valor é obrigatoriamente anormal, mas indica que, apesar de a medida ter probabilidade de ser normal, esta é pequena. E score s z A classificação dos valores observados ou estimados em escores z é uma forma de localizar o quão distante da média (ou da mediana) de seu grupo de idade e sexo se situa a medida de uma criança. Obviamente, isso vale para qualquer parâmetro antropométrico, seja de peso, de estatura, de IMC, etc., e seu afastamento da média é medido em desvios padrão acima ou abaixo dela. Assim como a média ou a mediana representam o valor central de um conjunto de valores de qualquer ordem, antropométricos, inclusive, pode-se dizer que o desvio padrão representa, em termos, a dispersão desses valores ao redor da média (ou mediana) do grupo. Portanto, as amostras de dados de crescimento têm médias e medianas, bem como desvios padrão distintos e específicos, de acordo com o grupo de idade e sexo. A partir da média ou mediana e do desvio padrão, é possível calcular o escore z de uma criança ou de um adolescente. Para tanto, qualquer que seja o parâmetro antropométrico considerado, basta subtrair o valor da média (ou mediana), correspondente a seu grupo de idade e sexo, do valor que a criança ou o adolescente apresenta. A seguir, divide-se a diferença (positiva, se a criança for maior do que a média, ou negativa, 12 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 se ela for menor) pelo valor do desvio padrão também específico do grupo. O Quadro 1 exemplifica o cálculo de um escore z do peso de uma criança de 5 anos de idade. Q UA D R O 1 Exemplo de cálculo de escore z Sexo: masculino Idade: 5 anos Peso: 17 kg Média de peso deste grupo de idade do sexo masculino: 18,3 kg Desvio padrão deste grupo de idade do sexo masculino: 2,4 kg Portanto, o escore z = (17 – 18,3)/2,4 = –1,3/2,4 = 0,54 Embora por analogia com a distribuição por percentis, é facilmente compreensível que quanto mais afastado da média, em escores z, for um valor antropométrico observado, menor será sua probabilidade de ser normal. Seu risco é mais dif ícil de ser intuitivamente percebido do que quando se utiliza a classificação em percentis. A percepção exata do risco pode demandar cálculos adicionais ou a avaliação aproximada que se pode obter utilizando uma Curva de Gauss em que percentis e escores z estejam representados, como mostra a Figura 4, na qual a Curva exibe a correspondência entre alguns valores de escore z e de percentis. Graficamente, a Curva de Gauss permite, ainda, mesmo que de maneira aproximada, avaliar a frequência com que determinado escore z é observado na população, como se pode ver na Figura 5, bem como a proporção da população que se situa acima ou abaixo de determinado escore z. 13 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S FIGURA 4 Representação gráfica da distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para demonstrar o posicionamento de alguns valores de escore z em relação à média, bem como os percentis correspondentes. Curva de Gauss Frequência do valor na população normal 20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% -3 Z p0,13 -2 Z p2,28 Z: escore z (desvios padrão) p: percentil correspondente ao escore z -1 Z p15,8 0 p50 +1 Z p84,2 +2 Z p97,72 +3 Z p99,87 (mediana) Nas Figuras 6 e 7, verifica-se que enquanto o escore z de +1 (um desvio padrão acima da média) e o escore z de -1 (um desvio padrão abaixo da média) ocorrem na população normal com a mesma frequência, eles delimitam proporções completamente diferentes de indivíduos normais. Por se tratar de um modelo matemático, aritmeticamente tratável, o escore z é melhor do que as classificações em percentis para ser utilizado em pesquisas cujo objetivo é comparar, além de prevalências, 14 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 FIGURA 5 Distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para demonstrar a frequência populacional com que os escores z +1 e - 1 são observados. Curva de Gauss Frequência do valor na população normal 20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% -3 Z p0,13 -2 Z p2,28 Z: escore z (desvios padrão) p: percentil correspondente ao escore z -1 Z p15,8 0 p50 +1 Z p84,2 +2 Z p97,72 +3 Z p99,87 (mediana) distribuições de parâmetros antropométricos entre diferentes populações ou comunidades ou sua evolução em uma mesma população ao longo do tempo. C U RVA S D E C R E S C I M E N TO DA O R G A N I Z AÇ ÃO M U N D I A L DA S AÚ D E Há mais de 50 anos, as curvas de crescimento têm sido utilizadas para avaliar rotineiramente o crescimento e o estado nutricional de crianças e, anos depois, também de adolescentes. Embora algumas dessas curvas tenham sido criadas para avaliar populações de países ou de regiões 15 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S FIGURA 6 Distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para demonstrar a proporção da população que se situa abaixo de escore z +1. Curva de Gauss Frequência do valor na população normal 20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% -3 Z p0,13 -2 Z p2,28 Z: escore z (desvios padrão) p: percentil correspondente ao escore z -1 Z p15,8 0 p50 +1 Z p84,2 +2 Z p97,72 +3 Z p99,87 (mediana) específicas, profissionais de outros países também passaram a utilizá-las, já que não contavam com dados de suas próprias populações. O referencial provavelmente mais famoso e internacionalmente muito utilizado é o das denominadas Curvas de Tanner, publicadas em 19663,4, que tinham como base dados de crescimento de crianças e adolescentes ingleses. Posteriormente, surgiram outras curvas, como a do National Center for Health Statistics (NCHS), dos Estados Unidos, a qual, desde 19775, quando foi criada, passou a ser muito utilizada internacionalmente, principalmente para crianças de até 5 anos de idade, até por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nessa ocasião, a OMS recomendava que países que não tivessem curvas de sua 16 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 FIGURA 7 Distribuição de uma amostra de indivíduos saudáveis de mesmo sexo e idade, hierarquizada por um parâmetro antropométrico, para demonstrar a proporção da população que se situa abaixo de escore z -1. Curva de Gauss Frequência do valor na população normal 20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% -3 Z p0,13 -2 Z p2,28 Z: escore z (desvios padrão) p: percentil correspondente ao escore z -1 Z p15,8 0 p50 +1 Z p84,2 +2 Z p97,78 +3 Z p99,87 (mediana) própria população utilizassem as do NCHS, em função da grande carga de trabalho e dos altos custos que a realização de um referencial próprio demandaria, particularmente aos países em desenvolvimento. Nessa época, a OMS começou a reunir Comitês de Peritos para que criassem critérios que permitiriam a utilização das curvas em diferentes países. Mais ou menos na mesma época, no Brasil, foi realizado um estudo sobre o crescimento de crianças e adolescentes da cidade de Santo André/SP que, após alguns anos, foi apresentado sob a forma gráfica de curvas de crescimento. Essas curvas, denominadas Curvas de Crescimento de Santo André Classe IV, eram embasadas nos dados das crianças e dos I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 17 adolescentes de maior nível socioeconômico daquela cidade e tiveram ampla utilização no meio médico, particularmente entre os pediatras. Também na década de 1970, surgiu a Curva Cubana de Crescimento, que foi realizada em uma amostra representativa de crianças e adolescentes cubanos, com os melhores cuidados metodológicos possíveis na época, sob a coordenação do professor Jordan, de Cuba, e com a assessoria do professor Tanner, de Londres. Entretanto, a curva cubana acabou não extravasando os limites de seu próprio país, apesar, inclusive, dos esforços do próprio Tanner, obviamente como decorrência dos problemas políticos que Cuba enfrentou naqueles anos. Em 2000, em decorrência de problemas que vinham sendo relatados com frequência quando da utilização da Curva do NCHS, o Center for Diseases Control (CDC) lançou um novo conjunto de tabelas e gráficos de crescimento.6 Essas novas curvas, denominadas CDC 2000, na verdade correspondem ao aproveitamento de dados das curvas anteriores do NCHS (1977), mas substituindo os valores das crianças de menores idades pelos de uma nova amostra de crianças de baixa idade, mais recente e mais representativa da população do país como um todo.7,8 Como novidade, ao lado das curvas habituais de peso, comprimento ou estatura, circunferência craniana e do braço, o CDC acrescentou uma curva de IMC para indivíduos de 2 a 19 anos de idade. Além das tabelas e dos respectivos gráficos, o CDC também disponibilizou, para uso livre, um programa que permite realizar a classificação de parâmetros antropométricos, tanto individualmente quanto em grupos de crianças e/ou adolescentes. Esse programa está disponível como um dos módulos, denominado Nutrition, do programa Epi Info, versão 3.5.1, ainda distribuído gratuitamente pelo CDC (wwwn.cdc.gov/epiinfo/script/ translations.aspx) em diversas línguas, inclusive português. A curva do CDC continua sendo utilizada até hoje por muitos profissionais, incluindo pesquisadores, principalmente nos Estados Unidos. 18 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 C U R VA S D E C R E S C I M E N TO DA O M S : 2 0 0 6 E 2 0 0 7 Um conjunto de peritos convocados pela própria OMS conseguiu demonstrar para a Organização, no início da década de 1990, que um grupo significativo de crianças vinha apresentando, no primeiro ano de vida, uma tendência de crescimento muito diferente da representada nas curvas do NCHS, até então recomendadas pela própria OMS. Tratava-se de dados de grupos de crianças saudáveis recebendo aleitamento materno de maneira adequada, cujo crescimento vinha sendo acompanhado por pesquisadores de diversos centros de investigação, todos de reconhecida competência no campo do crescimento humano.9 Esses dados de crescimento convenceram a direção e os demais funcionários da OMS quanto à necessidade de se mobilizarem recursos próprios e também outras fontes que viabilizassem a realização de um novo estudo de crescimento. As premissas do estudo incluíam a obtenção de uma amostra multicêntrica internacional, a utilização de metodologias e instrumentos atualizados, a realização de um treinamento e uma supervisão muito cuidadosos do pessoal encarregado da coleta dos dados e a revisão do modelo utilizado no processamento e análise dos dados. As amostras dos diversos centros deveriam atender a um padrão adequado, de acordo com o preconizado pela OMS, de aleitamento materno, além de serem compostas por crianças saudáveis de ambientes e estratos socioeconômicos suficientes para permitir que houvesse um padrão de crescimento otimizado. Metodologicamente, decidiu-se por um estudo misto: com uma primeira parte longitudinal que acompanhasse crianças de 0 a 24 meses de vida, realizando mensurações a intervalos próximos, adequados à grande intensidade e rapidez que a evolução do crescimento tem nessa idade, e uma segunda parte transversal, com grupos de idade distribuídos em intervalos de 3 meses, entre 18 e 60 meses de idade, que foram avaliados. I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 19 Em relação ao aleitamento materno, a decisão foi de que todas as crianças do estudo longitudinal deveriam ter recebido aleitamento materno exclusivo ou preferencial até os 4 meses de idade. Após esse período, o aleitamento materno deveria ser mantido pelo menos até 1 ano de vida. Entretanto, para a parte transversal do estudo, exigiu-se apenas que todas as crianças incluídas nas amostras tivessem recebido no mínimo 3 meses de aleitamento materno. Certamente, em ambas as partes do estudo, contou-se com uma dieta adequada complementando o aleitamento ou iniciada após o início do desmame. Como detalhe a mais, para serem incluídas na amostra, as crianças deveriam ser filhas de mães não fumantes, em decorrência das conhecidas consequências que esse hábito materno tem sobre o crescimento da criança. O objetivo da OMS era produzir um referencial de crescimento adequado metodologicamente, que pudesse servir internacionalmente para avaliar e acompanhar o crescimento de crianças de 0 a 5 anos de idade, período da vida em que a criança apresenta sua maior vulnerabilidade diante de agravos de qualquer ordem. Simultaneamente, a OMS também decidiu realizar o estudo de marcos de desenvolvimento neuropsicomotor das crianças até 1 ano de idade, de maneira a confeccionar um referencial que permitisse o acompanhamento também de seu desenvolvimento na rotina de atendimento que essas crianças recebem na base do sistema de saúde. Visando a uma racionalização dos elevados custos que um estudo desse porte demandaria, a OMS selecionou para participar do estudo centros que, de acordo com seus critérios, já apresentavam experiência prévia na realização de pesquisas de campo, preferencialmente envolvendo o acompanhamento de crianças. Os grupos escolhidos para integrar a amostra foram os das seguintes cidades: Pelotas (RS, Brasil), Acra (Gana), Nova Déli (Índia), Davis (Califórnia, Estados Unidos), Mascate (Omã) e Oslo (Noruega). 20 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 No estudo longitudinal foram processados e analisados todos os dados, até os da idade de 24 meses, para realizar a estimativa de valores de crescimento apenas até os 18 meses, objetivando garantir melhor ajuste dos valores estimados com os valores reais e, ao mesmo tempo, obter maior suavização das curvas. Nesse processo, todas as crianças cujo peso para estatura estava acima de escores z +3 ou abaixo de -3 foram eliminadas da amostra. Após essa etapa, foi feita uma interpolação com os valores da parte transversal do estudo para gerar as tabelas e os gráficos finais do referencial. Na amostra da parte transversal do estudo, durante o processamento dos dados, foram eliminadas todas as crianças de 2 a 5 anos que se situavam acima de +2 desvios padrão, somente acima, o que significa provocar um emagrecimento das curvas de percentis ou de escore z da porção superior do gráfico de referência. A pesquisa em si, considerando as fases de campo e análise, durou 6 anos. A OMS tornou públicos os resultados em 2006, liberando os direitos autorais para a livre utilização, enquanto a equipe que coordenou a realização do estudo concordou com a internacionalização de sua utilização como referencial de crescimento e desenvolvimento.10,11 Inicialmente, na ocasião do lançamento das curvas, denominadas Curvas de Crescimento OMS 2006, foram disponibilizadas as tabelas e os gráficos, por sexo, até a idade de 60 meses, de comprimento ou estatura, peso, IMC, circunferência braquial, circunferência craniana, dobra tricipital e dobra subescapular acompanhada dos gráficos de peso por comprimento ou por estatura, para ambos os sexos, e do referencial dos marcos de desenvolvimento. Pouco tempo depois, a OMS disponibilizou também o programa WHO Anthro para efetuar a transformação dos valores observados em percentil ou em escore z de crianças dessa faixa etária, individualmente ou, no caso de estudos populacionais, em grupos. Mais recentemente, também foram divulgadas as tabelas de velocidade de ganho de I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 21 comprimento e de peso por sexo. Todos esses referenciais e o programa podem ser encontrados no site: http://www.who.int/childgrowth/en/, sendo sua utilização totalmente livre. C U R VA S D E C R E S C I M E N TO O M S , 2 0 0 7 Em 2007, a OMS lançou um novo conjunto de tabelas e curvas para servir como referencial de crescimento, agora para crianças de 5 a 9 anos e adolescentes de 10 a 19 anos de idade, que pudesse complementar as curvas de 2006. Na verdade, as Curvas OMS 2007 são uma reconstrução das curvas de 1977 do NCHS, na época já recomendadas pela OMS. Nesse processo, os dados de 1977 foram fundidos com os dados das crianças de 18 a 71 meses de idade da amostra utilizada na Curva OMS 2006. Depois disso, empregando a mesma metodologia estatística de suavização adotada para a confecção das curvas do ano anterior (2006), novos dados foram estimados para as tabelas e os gráficos de referência de crescimento que foram criados para os escolares e os adolescentes. O objetivo desses procedimentos era obter, particularmente para o IMC, gráficos que, no extremo inferior de idade, tivessem uma boa concordância com os valores das crianças de 59 meses de idade da curva de 2006, e que, no limite superior, nos adolescentes de 19 anos, os valores da curva fossem semelhantes aos pontos de corte (cut off) propostos para adultos. Para isso, além do que já foi referido, também na confecção destas curvas foram excluídos os dados do NCHS de crianças e adolescentes muito pesados, que apresentavam valores extremamente distanciados da mediana de seu grupo de sexo e idade. Como resultado, as diferenças de IMC para a idade entre as duas curvas, ao redor dos 5 anos, não ultrapassam 100 g/m2, enquanto, aos 19 anos, os valores de escore z +1 de IMC são 0,4 kg/m2 maiores para o sexo masculino do que o ponto de corte de adultos – não há diferença no feminino. Do mesmo modo, para o escore z +2, os valores para 22 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 ambos os sexos aos 19 anos foram de 29,7 kg/m2, muito próximos dos 30 kg/m2 definidos como ponto de corte para a obesidade em adultos.12,13 Assim, em 2007, a OMS lançou para livre utilização as tabelas e curvas de: • peso para idade e sexo, para crianças de 5 a 9 anos de idade; • estatura para idade e sexo, de 5 a 19 anos; • IMC para idade e sexo, de 5 a 19 anos. Não foram criados referenciais para outros parâmetros antropométricos. Especificamente para o peso, o referencial termina aos 10 anos de idade, pois a variabilidade da medida, em decorrência do estágio de desenvolvimento puberal em que o indivíduo se encontra, é muito grande, o que acarreta grande dificuldade em sua interpretação. No entender dos peritos da OMS, a avaliação da adequação do peso nos adolescentes é melhor se correlacionada à estatura, exatamente como é o caso do IMC. Junto dos gráficos, a OMS disponibilizou também para uso livre o programa WHO Anthro Plus, para cálculo de percentil ou escore z desses três parâmetros, utilizável tanto em indivíduos isoladamente quanto para grupos populacionais. Tabelas, gráficos e programas da OMS 2007 podem ser livremente acessados no site: http://www.who.int/growthref/en/. A NÁ L I S E C R Í T I C A DA U T I L I Z AÇ ÃO DA S C U R VA S DA O M S D E 2 0 0 6 E 2 0 0 7 Em consequência de todos esses fatos, particularmente no que tange ao aspecto multirracial da amostra estudada e aos cuidados metodológicos adotados, as curvas da OMS 2006 e 2007 podem ser consideradas um bom referencial de crescimento para utilização nos países que não possuem referenciais próprios. I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 23 As características das crianças e dos adolescentes avaliados permitem supor que eles apresentam um bom padrão de crescimento que, portanto, pode servir como referencial (não como padrão) de crescimento para outras crianças e adolescentes. A troca de um referencial só pode ser consequência do fato de o novo descrever outros valores de crescimento, possivelmente considerados melhores. Entretanto, é preciso algum cuidado no momento em que se implanta a utilização de novas curvas de referência, o que obrigatoriamente implica a reclassificação das crianças quanto a seu diagnóstico de crescimento e/ou de risco nutricional. Esse fato se reveste de particular relevância no caso das crianças que estão nos limites superiores ou inferiores da amplitude de variação aceitável para determinado parâmetro antropométrico, que quase certamente, com a utilização de novo referencial, poderão deixar de ser normais ou, ao contrário, tornarem-se normais.14 Para superar essa dificuldade, é necessário analisar criticamente os diferentes parâmetros antropométricos do novo referencial, particularmente na sua utilização prática frente a indivíduos que estão em diferentes momentos de crescimento.8 Nesse sentido, vale a pena iniciar a análise pela Curva OMS 2006. O primeiro aspecto a se considerar são os valores de nascimento, que não se aplicam de maneira indiscriminada a todo e qualquer recém-nascido. Como mostra a Figura 8, mesmo se tratando de recém-nascidos considerados a termo, deve-se considerar a idade gestacional. No caso do IMC, que de certa forma espelha a evolução conjunta de peso e comprimento segundo a idade gestacional, verifica-se na mesma Figura 8 que os percentis 50, 3 e 97, estimados a partir de uma amostra de recém-nascido a termo, com idades gestacionais de 37 a 42 semanas incompletas, não correspondem aos da OMS. Embora possa parecer óbvio, é preciso ter em mente que os valores da OMS não foram calculados para serem avaliados pela idade gestacional.15 24 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 FIGURA 8 Comparação dos valores de IMC correspondentes aos percentis 3, 50 e 97, estimados a partir de uma amostra de recém-nascidos do Berçário Anexo à Maternidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, todos a termo, porém com distintas idades gestacionais, com os valores de IM C IMC dos mesmos percentis propostos pela OMS 2006 para recém-nascido. 17 16 p97 15 14 p50 13 12 p3 11 10 37 38 40 39 Idade gestacional (semanas) 41 42 Brock et al., 2008. OMS, 2006 Como se observa pela Figura 8, as discrepâncias se modificam conforme o percentil e a idade gestacional considerada, sendo que os valores menos diferentes são os das 37 semanas para os percentis 3 e 50, e os das 42 semanas de idade gestacional no caso do percentil 97. Desse modo, como era de se esperar, entende-se que é impossível, na prática, comparar os parâmetros antropométricos no momento do nascimento com a curva OMS 2006, mesmo que se trate de um parto a termo. 25 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S A Figura 9 descreve a evolução dos valores de peso e de comprimento e estatura correspondentes aos percentis 3, 50 e 97 da Curva OMS 2006, agora transformados em percentis utilizando como referencial o CDC 2000. As maiores diferenças correspondem ao percentil 50 e são muito mais amplas para a curva do peso. Se ambos os referenciais demonstrassem um comportamento semelhante de tendência de crescimento, poderiam ser observadas diferenças que, no entanto, tenderiam a ser mais constantes e não variariam tanto conforme a idade. FIGURA 9 Evolução dos percentis 3, 50 e 97 de peso e comprimento/estatura até os 5 anos de idade, em meninos, comparando os valores da OMS 2006 com o referencial do CDC 2000. Percentil 97 69 50 Peso 25 OMS Comprimento 3 0 6 12 18 24 30 36 Idade (meses) 42 48 54 60 CDC 26 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 No caso do peso, observa-se que o valor da OMS do percentil 50 no nascimento é muito menor, correspondendo ao percentil 34 do CDC. A seguir, nos primeiros 3 a 4 meses, o peso (pela OMS) aumenta muito mais intensamente, com o percentil 50 chegando quase ao percentil 70 do CDC. Daí em diante, há uma redução progressiva da velocidade de ganho de peso em relação à curva do CDC, que perdura até os 18 meses, fazendo que a mediana de peso da curva da OMS acabe correspondendo ao percentil 25 do CDC. A partir dos 18 meses, ocorre uma recuperação do ganho de peso que faz que aos 36 meses o valor do percentil 50 se torne praticamente idêntico nas duas curvas, o que persiste até os 5 anos. No caso do comprimento e da estatura, observa-se uma flutuação de valores de mesma tendência, embora de muito menor amplitude. Especificamente, o percentil 50 de comprimento e estatura, como mostra a Figura 9, apesar das flutuações, permanece o tempo todo em valores superiores aos do CDC, parecendo indicar que não foi afetado pelas flutuações observadas no ganho de peso e que, portanto, esse poderia ser um padrão fisiológico de evolução ponderal. Nos percentis extremos (3 e 97), o comportamento é muito semelhante, embora com variações de valores de muito menor amplitude. O comportamento das meninas é praticamente idêntico ao dos meninos em todas as idades, respeitadas as diferenças de valores normalmente decorrentes do sexo.16 Quanto à circunferência craniana, o mesmo tipo de comparação feita para peso e estatura mostra um comportamento completamente diferente entre as duas curvas, com os valores da mediana (escore z 0) da OMS 2006 sempre bastante inferiores aos do escore z e da curva do CDC. A maior diferença (0,5 escore z) é a observada ao nascimento, e se reduz progressivamente até os 8 meses de vida, quando passa a flutuar em valores muito mais próximos do CDC, mas sempre abaixo deste, até os 24 meses de vida (Figura 10). Além de eventuais aspectos metodológicos, como tipo de amostra, estudo longitudinal, técnicas de mensuração, entre outros, não parece haver outra explicação. 27 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S FIGURA 10 Evolução do percentil 50 da circunferência craniana em meninas, comparando os valores da OMS 2006 com o referencial do CDC 2000. z +0,5 (p 69,1) z0 (p 50) z -0,5 (p 30,9) z -1 (p 15,8) 0 2 4 6 8 10 CDC 12 14 16 OMS 18 20 22 24 Idade (meses) Quanto à transição entre OMS 2006 e 2007, o que, como citado anteriormente, foi uma preocupação metodológica dos pesquisadores, as Figuras 11 e 12 mostram que, de fato, aos 60 meses, o ajuste foi bastante bom. Quando se comparam valores de crianças brasileiras de creches públicas e filantrópicas, com idades entre 3,5 e 7 anos incompletos, com essa parte dos dois referenciais, 2006 e 2007, o que se observa no caso do crescimento em estatura (Figura 11) é que muda a tendência de sua evolução. Inicialmente próxima, mas sempre abaixo do referencial dos 38 aos 60 meses que, ainda que próxima, passa a ser acima da mediana entre 60 e 83 meses de idade. Nesse aspecto, o valor central (percentil 50) e os percentis 5 e 95 têm comportamentos praticamente idênticos.17 28 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 FIGURA 11 Evolução da estatura de meninas de 38 a 84 meses de idade, de pré-escolas filantrópicas e públicas, comparada aos valores das Curvas OMS 2006 e 2007. 140 135 p95 130 Estatura (cm) 125 p50 120 115 p5 110 105 100 95 OMS 90 85 80 36 42 48 54 60 66 72 78 84 Idade (meses) Leone et al., 2009. A evolução do crescimento do peso não é igual à da estatura. Nos percentis 5, 50 e 95, a curva de tendência de ganho de peso dos pré-escolares está sempre acima do referencial entre 38 e 84 meses de idade. O que se pode dizer, e que é semelhante ao comportamento da estatura, é que a partir dos 60 meses a curva das crianças tende a se afastar da do referencial, em direção a valores de percentis mais elevados. No percentil 5, essa tendência se inicia mais tardiamente, enquanto no percentil 95 a diferença de peso se acentua progressivamente logo após os 60 meses, chegando a uma diferença de 5 kg a mais, entre 83 e 84 meses, em relação ao percentil 95 do referencial. Essa amostra de pré-escolares, comparada às Curvas da OMS, corresponde a dois estudos de desenho transversal, foi avaliada há mais 29 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S de 5 anos e engloba mais de 2.800 crianças que na ocasião frequentavam pré-escolas públicas ou filantrópicas. Como consequência, é possível supor que a diferença de 5 kg observada no percentil 95 seja causada mais pelo emagrecimento realizado na amostra da OMS, decorrente da não inclusão dos outliers (crianças cujo peso estava muito acima da mediana), do que exclusivamente da transição nutricional que já se observava também no Brasil. O referencial da OMS 2007, para escolares e adolescentes, pela maneira como foi elaborado, praticamente não tem diferenças no que FIGURA 12 Evolução do peso de meninos de 38 a 84 meses de idade, de pré-escolas filantrópicas e públicas, comparada aos valores das Curvas OMS 2006 e 2007. 35 M p 95 30 Peso (kg) 25 p 50 p5 20 15 OMS 10 36 42 48 54 60 66 72 78 84 Idade (meses) Leone et al., 2009. 30 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 tange à estatura, revelando uma tendência de crescimento quase idêntica à do CDC. Na Figura 13, observam-se algumas diferenças nos valores estimados em determinadas idades, que, no entanto, em valores absolutos são de pequena monta e não chegam a influenciar significativamente a utilização que pode ser feita das curvas para avaliar e acompanhar o crescimento de crianças escolares e de adolescentes. FIGURA 13 Comparação dos valores de crescimento em estatura para o sexo feminino, propostos pelas curvas OMS 2007 e CDC 2000 para escolares e adolescentes. 190 180 p 97 Estatura (cm) 170 p 50 160 p3 150 140 130 120 OMS 110 105 CDC/NCHS 6 7 8 9 10 11 12 13 Idade (anos) 14 15 16 17 18 19 31 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S No entanto, quanto à variação do IMC e sua evolução até o início da idade adulta, as modificações feitas na amostra utilizada para os cálculos, excluindo os outliers mais obesos, resultaram em grandes diferenças nos valores de referência dos percentis mais elevados. A Figura 14 mostra que, para o sexo feminino, o valor de IMC do percentil 97 da curva OMS, para os 19 anos, é aproximadamente de 29 kg/m2 – muito menor do que o proposto pelo referencial do CDC de 2000, que se situava praticamente em 34 kg/m2, uma diferença nada desprezível de quase 5 kg. FIGURA 14 Comparação dos valores de crescimento do IMC para o sexo feminino, propostos pelas curvas OMS 2007 e CDC 2000 para escolares e adolescentes. 34 32 Índice de massa corpórea 30 p 97 28 26 24 22 p 50 20 18 p3 16 14 OMS CDC/NCHS 12 6 7 8 9 10 11 12 13 Idade (anos) 14 15 16 17 18 19 32 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Todas essas características dos referenciais propostos pela OMS em 2006 e 2007 redundarão em alterações nas avaliações, especialmente de estado nutricional, das crianças e principalmente dos adolescentes. As modificações ocorridas nos valores limítrofes da curva certamente resultarão em uma maior sensibilidade para a detecção de situações de excesso de peso e, principalmente, de obesidade e de magreza (desnutrição) ao lado de uma maior especificidade, no caso dos menores de 5 anos, para detecção de baixa estatura. Embora essas características sejam bastante coerentes com a epidemia de obesidade18 e a importante redução da desnutrição que se observa atualmente no Brasil, é importante ter em mente que a adoção das novas curvas, já preconizada pelo Ministério da Saúde, resultará em duas importantes modificações. A primeira, no plano coletivo, será uma redução da prevalência de baixa estatura associada a um grande aumento na prevalência de sobrepeso e, principalmente, de obesidade. Isso significa que mudanças não desprezíveis devem ocorrer nas políticas de atenção às crianças e aos adolescentes, de modo a absorver o aumento de demanda decorrente da maior prevalência de casos com peso excessivo. A segunda, no plano individual, será o aumento de casos falsos-positivos para peso excessivo, consequência do aumento da sensibilidade, o que significa que os profissionais de saúde devem ter mais cuidado na elaboração do diagnóstico nutricional. Os dados antropométricos nunca devem ser valorizados em demasia de maneira isolada, evitando, assim, a aposição excessiva de rótulos de “gordo” em indivíduos que podem ser normais e, ao mesmo tempo, deixando de realizar intervenções desnecessárias que, além de seu custo, no mínimo, resultam sempre em algum desconforto para o indivíduo. Por causa da grande variedade de parâmetros antropométricos propostos pelas novas curvas da OMS, não é impossível imaginar que outras distorções e consequências possam vir a ser observadas, o que, no entanto, só poderá ser detectado a partir de estudos realizados quando de sua utilização na rotina. I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 33 Como conclusão, cabe salientar que, diante dos cuidados metodológicos que envolveram a realização da curva de 2006, não há como se posicionar de maneira absoluta contra sua utilização, particularmente nos países que não dispõem de referenciais próprios.19 No campo da pesquisa científica, também não há por que se opor à sua utilização. Aliás, a utilização de um mesmo referencial é condição sine qua non para que determinadas comparações de crescimento e de prevalências possam ser realizadas entre diferentes grupos de indivíduos ou de populações. Assim, não há razões, no momento presente, para não se adotar um referencial metodologicamente bem elaborado e que disponibilize maior variedade de parâmetros antropométricos. Finalmente, é importante enfatizar que qualquer referencial pode ser útil, desde que tenha sido elaborado da maneira mais adequada possível, que seus defeitos e suas virtudes sejam conhecidos e, ao mesmo tempo, que os resultados sejam interpretados de maneira cuidadosa e crítica. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. WHO Expert Committee. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. WHO technical report series: 854. Geneve: World Health Organization, 1995. 2. Hauspie RC, Cameron N, Molinari L (eds.). Methods in Human Growth Research. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. 3. Tanner JM, Whitehouse RH, Takeishi M. Standards from birth to maturity for height, weight, height velocity and weight velocity: British children, 1965, part 1. Arch Dis Child 1966; 41:454-71. 4. 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Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr 2002; 75:971-7. 19. World Health Organization. Child growth standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr 2006; (Suppl.)450:76-85. A N T R O P O M E T R I A NA G R AV I D E Z Luciana da Silva Sampaio Jorge Rita Maria Monteiro Goul art I N T R O D U Ç ÃO O processo gravídico é reconhecido como o período de maior vulnerabilidade biológica do ciclo reprodutivo da mulher, em razão das alterações fisiológicas nele presentes. As mudanças são necessárias para regular o metabolismo materno, promover o crescimento fetal e preparar a mulher para o trabalho de parto, o nascimento e a lactação.1-3 Para que a gravidez transcorra com segurança, preservando a saúde da mãe e de seu bebê, são necessários cuidados da própria gestante, do parceiro, da família e, especialmente, dos profissionais de saúde.4 A assistência pré-natal é uma ação básica de saúde da mulher durante a gravidez, que tem como objetivos acolher a gestante desde o início – período de mudanças f ísicas e emocionais – e prevenir, diagnosticar e tratar problemas que possam ocorrer, visando a promover sua saúde e a da criança. Essa ação deve ser realizada em toda a rede pública de saúde do país.4,5 38 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 O acompanhamento mensal é fundamental para a avaliação do crescimento fetal e de intercorrências clínicas, prevenindo e minimizando possíveis danos à saúde das mães e das crianças. Em geral, mulheres que recebem cuidados de pré-natal desde o primeiro trimestre têm melhores resultados gestacionais.6 Parte da vulnerabilidade biológica da mulher decorre do fato de a gestação ser um período anabólico que requer uma quantidade extra de energia e nutrientes para garantir o crescimento e a manutenção do feto e da placenta, a formação de novos tecidos maternos e a maior carga de trabalho metabólico e basal.3 Com o aumento da demanda fetal de nutrientes, além do aumento na ingestão calórica, os mecanismos que propiciam o alcance das necessidades nutricionais elevadas incluem a redução do gasto energético na síntese de lipídios e proteínas e na estocagem de gordura materna, por meio de um aumento na eficiência metabólica da utilização de energia e/ou uma diminuição das atividades f ísicas.7 Vários fatores estão associados aos resultados obstétricos, como idade materna, intervalo interpartal, paridade, infecções, atividade física, patologias (hipertensão e diabetes), estado nutricional, tabagismo, uso excessivo de álcool, condições socioeconômicas, uso excessivo de cafeína, etc.4 Entre esses fatores, o estado nutricional materno nesse período tem dupla relevância, pois influi na saúde materna, podendo ser um dos atores causais de mortalidade materna, complicações na gravidez e no parto (necessidade de parto cirúrgico) e estado nutricional após o parto, como também na saúde do concepto, que, em razão da dependência da mãe para seu crescimento e desenvolvimento, sofre influência em seu peso ao nascer, prematuridade, mortalidade e morbidade neonatal.3,8-11 Engstrom12 define estado nutricional [...] No plano individual ou biológico, como resultante do equilíbrio entre o suprimento de nutrientes (consumo/ingestão alimentar) e o gasto ou a necessidade energética do organismo. Este se refere à I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 39 utilização dos alimentos pelo organismo para suprir suas necessidades nutricionais; portanto, relaciona-se com o estado de saúde do indivíduo e com a capacidade do organismo em utilizar (absorver, metabolizar) adequadamente os nutrientes da dieta. Apesar de existir consenso de que o estado nutricional da gestante é fundamental para sua saúde e do bebê e que, nos países não industrializados, essas mulheres representam um grupo vulnerável nutricionalmente, o Brasil está entre os países que não dispõem de estudos nacionais que demonstrem o perfil de estado nutricional de gestantes.13 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003, que avaliou o perfil nutricional da população brasileira e o padrão de consumo alimentar. Entre as mulheres adultas, encontrou-se cerca de 5 de desnutrição e 13 de obesidade. Na faixa de 20 a 24 anos de idade, a prevalência de desnutrição encontrada foi de 12,2, e 18,4 de excesso de peso. Na faixa de 35 a 44 anos, o excesso de peso atingiu cerca de 41. A comparação entre os dados dessa pesquisa com as de anos anteriores encontrou uma tendência ao declínio da prevalência de desnutrição e aumento do excesso de peso entre as mulheres, com maior aumento entre mulheres de famílias com rendimento mensal de até meio salário mínimo per capita.14 Assim, grande parcela das mulheres adultas em idade fértil de baixo nível socioeconômico está exposta a alterações nutricionais, principalmente ao excesso de peso, o que as coloca em situação de risco no caso de uma gestação. Nessa mesma publicação, foi realizada uma avaliação evolutiva do perfil antropométrico-nutricional entre os dados obtidos no Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF, 1974-1975) com os dados dessa pesquisa. Os resultados mostraram que ocorreu um declínio contínuo dos déficits ponderais em ambos os sexos: aumentaram contínua e intensamente as prevalências de excesso de peso e obesidade entre os homens e o excesso de peso entre as mulheres continuou aumentando apenas na 40 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 região Nordeste, entre famílias com renda mensal de até meio salário mínimo per capita – nas classes de maior renda, essa prevalência se estabilizou ou mesmo declinou.14 Os poucos resultados disponíveis sobre perfil nutricional de gestantes brasileiras foram produzidos por estudos em algumas regiões ou estados, como o estudo realizado por Pereira15, que, avaliando o estado nutricional de cerca de 20 mil gestantes, de vários municípios do estado de São Paulo, em dia de campanha de vacinação, encontrou 28 de baixo peso e 38 de sobrepeso/obesidade, com uso do critério de Rosso.16 Estudo de coorte realizado por Nucci et al.17, avaliando o estado nutricional de 5.564 gestantes usuárias de programa de pré-natal do Sistema Único de Saúde (SUS), em seis capitais brasileiras, entre os anos de 1991 e 1995, identificou 5,7 de baixo peso e 25 de sobrepeso/obesidade, com uso de índice de massa corporal (IMC) e critério da Organização Mundial da Saúde (OMS), com IMC menor que 18,5 kg/m2 como ponto de corte para baixo. Historicamente, desde o início do século XX, o ganho ponderal foi relatado como indicador do estado nutricional materno e como possível preditor do crescimento fetal, em virtude de observações de que ganhos maiores de peso durante a gestação resultavam em aumentos na média de peso ao nascer. A partir desses achados, foram criadas recomendações acerca do ganho de peso gestacional ideal. Essas recomendações, ainda voltadas para o benef ício sobre a saúde apenas do feto, geraram investigações que descreviam, além das variáveis fetais (crescimento fetal e peso ao nascer), as variáveis maternas (peso pré-gestacional, estatura).2,18 A partir de então, o peso pré-gestacional foi destacado como um importante parâmetro, estimando-se que, para obter um ótimo crescimento fetal, as gestantes cuja relação do peso pré-gestacional para estatura fosse considerada inadequada necessitariam de um ganho de peso maior durante a gestação, sustentando a proposta de aumento de peso diferenciado segundo o estado nutricional pré-gestacional.18 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 41 No primeiro trimestre gestacional, o aumento de peso deve-se a alterações no corpo feminino, que incluem aumento do útero e das mamas, expansão do volume sanguíneo, líquido amniótico e desenvolvimento da placenta. No segundo e no terceiro trimestres, o aumento de peso deve-se ao acúmulo de reservas nutricionais maternas para a lactação e o crescimento fetal.18 O baixo peso materno durante a gestação está associado à maior suscetibilidade a infecções, como as do trato respiratório e urinário, que podem trazer repercussões desfavoráveis, como anemia e perda de peso, contribuindo para o agravamento de seu estado nutricional.12 Mulheres que iniciam a gravidez com baixo peso e/ou apresentam ganho de peso inadequado têm maior risco de o bebê apresentar retardo de crescimento intrauterino (RCIU), prematuridade e baixo peso ao nascer (BPN).1 Um dos fatores que têm mais impacto na determinação do peso ao nascer é o estado nutricional materno pré-gestacional, além do baixo ganho de peso durante a gravidez.7,13 No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 199619, o BPN ocorreu em 10,2 das crianças, valor semelhante ao da década anterior.10 O BPN está associado a diversas condições prejudiciais, e os riscos de mortalidade neonatal e infantil e de morbidade na infância aumentam à medida que diminui o peso de nascimento.7,20 A obesidade durante a gravidez está associada a diabete melito, pré-eclâmpsia, trabalho de parto prematuro, hemorragias pós-parto, partos por cesária, infecções, macrossomia fetal, baixos escores de Apgar e obesidade na infância, indicação de que as consequências são prejudiciais tanto para a mãe como para o filho.1,17,21-24 Allen et al.25, em estudo que investigou as relações entre a nutrição e os resultados da gravidez, com dados de gestantes do Egito, México e Quênia, verificaram que mulheres com IMC pré-gestacional baixo ganhavam mais peso durante a gestação e perdiam mais peso no período pós-parto e que o contrário ocorria com as mulheres que apresentavam 42 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 IMC pré-gestacional alto: ganho de peso menor na gestação e perda de peso menor no pós-parto. Estudo realizado por School26, com o objetivo de examinar a influência do ganho de peso gestacional na retenção de peso pós-parto e os resultados da gravidez, verificou que mulheres com ganho de peso excessivo entre a 20ª e a 30ª semana de gestação apresentavam maior retenção de peso pós-parto, que correspondia a cerca de 5 a 7 do peso pré-gestacional das mulheres. V I G I L Â N C I A N U T R I C I O NA L D E G E S TA N T E S A avaliação do estado nutricional e o monitoramento do peso na gestação são cuidados preconizados pelo Ministério da Saúde4,27, por meio da antropometria. Esse método é recomendado mundialmente, por ser não invasivo, de baixo custo, exigir pouca tecnologia e ser de fácil aplicação.4,7 A avaliação nutricional nesse período diferencia-se pelo fato de dever refletir não apenas um único indivíduo, mas sim a mulher e, indiretamente, o crescimento do feto.7 As medidas antropométricas realizadas no início da gravidez visam a avaliar o estado nutricional da mulher e predizer como deverá ser a evolução para atender às suas demandas fisiológicas durante a gestação. As medidas realizadas durante a gestação têm como propósito avaliar a evolução do ganho de peso e identificar as mulheres que se beneficiariam com intervenções nutricionais.7 O Ministério da Saúde4 preconiza que todas as gestantes devem ter seu estado nutricional avaliado durante a gestação, como parte integrante da rotina do pré-natal. Nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Saúde da Família do SUS, a realização e a incorporação da avaliação nutricional e do monitoramento do ganho de peso das gestantes na rotina do serviço de atendimento de pré-natal indicam a valorização do seu estado nutricional como um importante fator que interfere na saúde da mãe e do bebê.12,13 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 43 Segundo Engstrom12, valorizar o estado nutricional das gestantes como um dos fatores determinantes de sua saúde e de seu bebê, bem como ter um olhar atento, diferenciado e cuidadoso para esses problemas, observando seu estado nutricional e seu ganho de peso, é ter atitude de vigilância e promover a vigilância nutricional. De acordo com a OMS e a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) pode ser definido como [...] sistema de coleta, processamento e análise contínuos de dados de uma população, possibilitando um diagnóstico atualizado da situação nutricional, suas tendências temporais e, também, dos fatores de sua determinação. Contribui para que se conheçam a natureza e a magnitude dos problemas de nutrição, caracterizando grupos sociais de risco e dando subsídios para a formulação de políticas, estabelecimento de programas e intervenções.28,29 No Brasil, em 1990, a Vigilância Nutricional foi regulamentada como campo de atuação do SUS, por meio da Lei Orgânica n. 8080/90, e reconhecida como atribuição do sistema de saúde.30 Além disso, a publicação da Norma Operacional Básica (NOB/96)31 e da Norma Operacional de Assistência à Saúde (Noas/01)32 reforça a responsabilidade municipal na execução de um Sisvan. Em 1999, mais um avanço foi dado pelo Ministério da Saúde, ao instituir a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), com o propósito de estabelecer diretrizes e responsabilidades de diversos setores na garantia da segurança alimentar e nutricional. A PNAN preconiza que o Sisvan deve ser realizado prioritariamente com o grupo materno-infantil e realizar o mapeamento de endemias carenciais, compreendendo uma descrição contínua e a predição de tendências, caracterizando áreas geográficas, segmentos sociais e biológicos de risco.27 44 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Dentro do SUS, a Vigilância Nutricional como um sistema contínuo de coleta, análise e processamento de dados pode colaborar para apontar as diferenças do perfil nutricional de uma população de determinada localidade, a partir de informações obtidas na rotina de atendimento, com baixo custo e boas condições operacionais, sendo fonte potencial de informações para orientação de condutas individuais, triagem para programas de intervenção e planejamento de ações coletivas. Pode, ainda, promover a intersetorialidade na resolução de problemas, apontando e discutindo com outros setores.33 H I S TÓ R I C O D O S M É TO D O S D E AVA L I AÇ ÃO N U T R I C I O NA L D E G E S TA N T E S É amplo o debate sobre a escolha de indicadores para avaliação nutricional da gestante. Um estudo multicêntrico realizado em 25 grupos de populações de todo o mundo, em colaboração com a OMS, analisou a antropometria materna e os resultados da gravidez, utilizando dados de 1959 a 1989, correspondentes a aproximadamente 110.000 mulheres, cujos dados antropométricos foram repetidos até o final da gravidez. A OMS7, com base nos resultados desse estudo multicêntrico e também em uma revisão de literatura realizada pelo Institute of Medicine (IOM) e uma publicação da Opas, elaborou recomendações internacionais sobre a escolha desses indicadores. O uso de uma combinação de indicadores, como altura materna e peso durante a gestação, ou IMC pré-gestacional e aumento de peso, provavelmente proporcionam a alternativa mais eficiente em determinadas situações, como melhor orientar os recursos financeiros, materiais e humanos. Para os propósitos de vigilância nutricional, um único indicador seria mais apropriado, para facilitar o processo.7 Atualmente, o IMC, embora não avalie a composição corporal do indivíduo, tem tido sua aplicação fundamentada pela alta correlação que mantém com a gordura corporal, pelas dificuldades na obtenção de outras medidas do tecido adiposo, pela facilidade de cálculo, por não necessitar I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 45 de um padrão de referência e por refletir uma estimativa das reservas maternas.20 Também tem tido forte associação com risco de doenças crônicas não transmissíveis e, por ser o mesmo indicador usado para adultos, reduz a necessidade de capacitação da equipe de saúde para uso do método.34 Várias tentativas têm sido realizadas para se encontrar uma solução científica e operacionalmente satisfatória para a avaliação do estado nutricional da gestante, sendo que nas últimas quatro décadas muitos esforços têm sido centralizados nos métodos antropométricos como instrumento de avaliação da condição nutricional da gestante. Na América Latina, um grupo de especialistas do Instituto de Nutrição do Centro-América e Panamá (Incap), em 1961, elaborou um modelo gráfico que considerava as diferenças de estatura materna e o aumento de peso segundo a idade gestacional, demarcando limites inferiores e superiores de normalidade. Apesar de não considerar o estado nutricional pré-gestacional e as diferenças que deveriam ser observadas entre o ganho de peso de mulheres obesas e desnutridas, foi amplamente utilizado em países da América Central.11 Em 1977, um grupo de pesquisadores em São Paulo propôs e testou uma modificação no modelo gráfico do Incap, utilizando o peso pré-gestacional, além do peso durante a gestação, e relacionando-o com o peso ao nascer do recém-nascido. Verificaram que o peso inicial da gestante tem relação direta com o peso do recém-nascido e que a mulher deve ser orientada para que tenha um ganho adequado de seu peso pré-gestacional.36 Tratava-se, no entanto, de um modelo conceitual definido por consenso e com pontos de corte estabelecidos por convenção, sem a necessária validação.11 Rosso16 propôs uma curva de referência baseada em cálculos do aumento proporcional de peso, supondo que o aumento ponderal total deveria ser de 20 do peso ideal esperado para altura antes da gravidez, pois esse ganho asseguraria o máximo crescimento do feto. O instrumento gráfico proposto utilizava o percentual de adequação do peso esperado para altura, conforme a idade gestacional. 46 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Em 1986, Fescina realizou um estudo no Centro Latinoamericano de Perinatologia (Clap), no Uruguai, sobre aumento de peso durante a gravidez, com o objetivo de elaborar uma tabela para saber em qualquer momento se o peso está adequado para a idade gestacional nas mulheres que desconhecem seu peso pré-gestacional. Os resultados mostraram um aumento de peso linear da 13ª até a 36ª semana e um aumento maior no segundo trimestre. O autor concluiu que esse índice é sensível e adequado para todos os níveis de atenção que acompanhem populações de baixo nível cultural, em que o desconhecimento de peso pré-gestacional é muito significativo. No Brasil, em 1987, o Ministério da Saúde adotou e recomendou a Curva de Rosso para avaliação e monitoramento do estado nutricional da gestante na rede pública de saúde, em caráter preliminar.11 O IOM, por intermédio da Academia Americana de Ciências (AAC), elaborou um guia para implementação de um método de avaliação do estado nutricional materno na prática clínica, com instruções para situações nas quais o peso pré-gestacional é conhecido, propondo a classificação do estado nutricional pré-gestacional em categorias do IMC, definidas pelo grupo de especialistas por meio da conversão do índice de peso ideal para estatura, com base no padrão de referência do Metropolitan Life Insurance Company. Os pontos de corte para desnutrição e obesidade equivalem a 90 e 120 da adequação, respectivamente. Também recomenda o acompanhamento do ganho ponderal materno, em função do estado nutricional prévio ou de ingresso no pré-natal.1 Atalah et al.9, baseando-se nos dados do Sistema Nacional de Serviços de Salud (SNSS) do Chile, que demonstram ter havido redução da prevalência de desnutrição em gestantes e aumento significativo de obesidade entre 1987 e 1993, constataram que a prevalência de gestantes desnutridas contrastava com a baixa proporção de mulheres desnutridas em idade fértil e que a proporção de baixo peso ao nascer, como indicativo indireto do estado nutricional materno, estava baixa, e sugeriram que o uso do método de Rosso para avaliação nutricional das gestantes no país poderia estar I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 47 contribuindo para superestimar a desnutrição nas gestantes e estimular um aumento de peso maior que o necessário. Como consequência, isso determinaria maior gasto do setor de saúde com maior número de consultas e inscrições em programas de suplementação alimentar. Esses mesmos autores, então, realizaram um estudo para avaliar a concordância de diagnóstico nutricional obtido entre a Curva de Rosso, a tabela do Departamento de Nutrição da Faculdade de Medicina do Chile e o IMC no início e no fim da gestação. Verificaram que menos da metade das gestantes consideradas desnutridas pela Curva de Rosso na primeira consulta do pré-natal era realmente desnutrida segundo o IMC, e essa discordância se acentuou ainda mais no final da gravidez.9 Segundo a OMS7, o instrumento proposto por Rosso16 tem validade discutível, em razão do ponto de corte que superestima a desnutrição entre as gestantes e propõe expectativa não realista de ganho de peso para as gestantes desnutridas. De acordo com Coelho11, o uso extensivo da Curva de Rosso no Brasil mostrou uma discordância em termos epidemiológicos entre a situação nutricional de gestantes e o estado nutricional de mulheres em idade reprodutiva, avaliadas por IMC, considerando desnutridas de 35 a 45 das gestantes e 6 das mulheres em idade fértil. Atalah et al.9 propuseram um novo gráfico de avaliação do estado nutricional da gestante baseando-se no IMC por idade gestacional, considerando que o ganho de peso deve ser diferenciado de acordo com o estado nutricional prévio. Estudo para validação do instrumento foi realizado em uma coorte de gestantes chilenas, comparando resultados de IMC com medidas de composição corporal como pregas cutâneas e perímetro braquial. No Brasil, até 2000, o Ministério da Saúde preconizava a utilização da Curva de Rosso. Nesse mesmo ano, houve reformulação no Cartão da Gestante e incorporou-se ao Manual de Assistência Pré-natal o modelo da curva de Clap35, que avalia aumento de peso durante a gestação de acordo com a idade gestacional.12 Isso resultou em controvérsias por parte dos estudiosos, em virtude da pequena casuística do método, de fundamentar-se em 48 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 relações corporais de mulheres não gestantes de tabelas de dados da década de 1950 e da necessidade de informação do peso pré-gestacional.11 Em 2002, o Ministério da Saúde propôs realizar a avaliação nutricional inicial, por meio de IMC pré-gestacional, utilizando a classificação e a recomendação do IOM e o gráfico recomendado pelo Clap, para acompanhamento do ganho ponderal. Quando o peso pré-gestacional é desconhecido, deve-se avaliar e acompanhar o ganho de peso semanal, utilizando de forma complementar a tabela de peso esperado para a altura segundo idade gestacional confeccionada pelo Ministério da Saúde, baseada no gráfico de Atalah.34 Estudo realizado por Cordelini20 aplicou e avaliou os métodos propostos por Atalah et al.34 e pelo IOM1, em um serviço público de pré-natal de baixo risco no município de São Paulo, no qual verificou que a proposta do IOM demonstrou melhor aplicabilidade na prática clínica, porém na dependência da acurácia do peso pré-gestacional informado e com complexidade de preenchimento. O método de Atalah apresentou melhor aplicabilidade na avaliação do estado nutricional inicial e facilidade no preenchimento, mas pouca confiabilidade no acompanhamento individual, sendo mais indicado para avaliação de tendências populacionais. Abrams et al.37, em razão da frequente controvérsia no meio científico acerca de recomendações sobre ganho de peso gestacional e crítica ao critério recomendado pelo IOM, realizaram estudo de revisão sistemática de literatura sobre resultados maternos e fetais que segue as recomendações do IOM de ganho de peso em mulheres com peso pré-gestacional normal. Concluíram que essas recomendações de ganho de peso do IOM estão associadas aos melhores resultados para mãe e filho. Atualmente, a maioria dos órgãos científicos internacionais recomenda o uso do critério proposto pelo IOM38, utilizando IMC pré-gestacional e subsequente ganho de peso por categoria de estado nutricional pré-gestacional, por reconhecer que essas recomendações representam menor risco de baixo peso ao nascer e de retenção de peso materno pós-parto.1,7,39,40 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 49 A gerência de Programas de Saúde da Mulher41, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, em parceria com o Instituto de Nutrição Annes Dias, após estudo das alternativas de instrumentos para avaliação nutricional de gestantes e consulta a especialistas, optou por adotar o instrumento e os critérios desenvolvidos e recomendados pelo IOM1 combinados aos instrumentos propostos por Atalah et al.34 Isso traz como vantagens: • a utilização do mesmo índice antropométrico; • ambos utilizam IMC na classificação do estado nutricional prévio e/ou durante a gestação, independentemente da idade gestacional de ingresso no pré-natal; • desnecessidade de conhecer o peso pré-gestacional para avaliar o estado nutricional e recomendar o ganho de peso adequado; • facilidade de uso e utilidade no acompanhamento clínico. Além disso, segue a recomendação do Ministério da Saúde de combinar IMC e aumento de peso durante a gestação e se mostra coerente com a realidade brasileira de ingresso no pré-natal a partir do segundo trimestre, na maioria das gestantes. Em junho de 2004, o Ministério da Saúde publicou um documento de orientações básicas para realização do sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional nos serviços de saúde, por meio do qual recomenda que as gestantes tenham seu estado nutricional inicial avaliado utilizando o IMC por idade gestacional na primeira consulta de pré-natal, seguindo o critério de Atalah et al.34 Então, em função do estado nutricional avaliado, deve ser estimado seu ganho de peso trimestral e total esperado até o final da gestação, seguindo o critério do IOM.42 Em 2006, o Ministério da Saúde publicou um novo Manual Técnico de Pré-Natal e Puerpério43, no qual também recomenda a utilização desse método combinando o de Atalah e o do IOM para avaliação nutricional da gestante e acompanhamento de seu ganho de peso, o que confirma a coerência do uso dessa metodologia. 50 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 AVA L I AÇ ÃO N U T R I C I O NA L DA G E S TA N T E E G A N H O D E P E S O G E S TAC I O NA L A avaliação e o acompanhamento do estado nutricional da gestante e o ganho de peso durante a gestação têm como objetivos: identificar as gestantes em risco nutricional (baixo peso, sobrepeso ou obesidade) no início da gestação, detectar as gestantes com ganho de peso insuficiente ou excessivo para a idade gestacional e realizar orientação adequada para cada caso, com atenção para promoção do bom estado nutricional materno, condições para o parto e peso do recém-nascido. Té c n i c a par a a t om ada d e m e d i da s d e pe s o e e stat ur a O peso deve ser aferido em todas as consultas de pré-natal. A estatura da gestante adulta (idade > 19 anos) deve ser aferida apenas na primeira consulta e a da gestante adolescente pelo menos trimestralmente. Recomenda-se a utilização da balança eletrônica ou mecânica, certificando-se se está em bom funcionamento e calibrada. O cuidado com as técnicas de medição e a aferição regular dos equipamentos garantem a qualidade das medidas coletadas. Os procedimentos para a tomada de peso e estatura estão descritos na publicação Vigilância Alimentar e Nutricional – Sisvan: orientações básicas para a coleta, processamento, análise de dados e informação em serviços de saúde do Ministério da Saúde.46 Orientaçõe s pa r a o diagnóstico e o acompanha mento d o e stad o nu tricional da ge stante As orientações para o diagnóstico e o acompanhamento do estado nutricional da gestante estão descritas detalhadamente na publicação Vigilância Alimentar e Nutricional – Sisvan: orientações básicas para a coleta, processamento, análise de dados e informação em serviços de saúde, disponível no site: www.saude.gov.br. O Ministério da Saúde recomenda a utilização de dois instrumentos: o critério de classificação do estado nutricional inicial e ganho de peso conforme IOM e a Curva de Atalah, descritos a seguir. 51 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S Classificação do estado nutricional O IOM propôs uma avaliação do estado nutricional materno e uma recomendação de ganho de peso gestacional, na qual as faixas de ganho de peso indicadas são diferenciadas conforme o IMC pré-gestacional (Tabela 1). TA B E L A 1 Ganho de peso recomendado durante a gestação, segundo o estado nutricional inicial E S TA D O GANHO DE PES O G A N H O D E P E S O KG GANHO DE PES O N U T R I C I O NA L KG TO TA L N O S E M A NA L M É D I O N O KG TO TA L NA INICIAL IMC 1º T R I M E S T R E 2º E N O 3º T R I M E S T R E G E S TAÇ ÃO Baixo peso (BP) 2,3 0,5 12,5 a 18 Adequado (A) 1,6 0,4 11,5 a 16 Sobrepeso (S) 0,9 0,3 7 a 11,5 0,3 7 Obesidade (O) – Fonte: IOM.38 Procedimentos para classificar o estado nutricional da gestante, segundo o IOM: • inicialmente, calcular e interpretar o IMC pré-gestacional; • calcular o ganho de peso gestacional até a data da consulta e avaliar a adequação, segundo a faixa de ganho de peso recomendada e a idade gestacional, para as categorias do IMC pré-gestacional; • estabelecer o ganho de peso semanal e total recomendado até o final da gestação, segundo a idade gestacional. Curva de Atalah Segundo o Ministério da Saúde, a avaliação continuada permite comparar a evolução do ganho de peso durante a gestação de forma a verificar se 52 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 esse ganho está adequado em função do estado nutricional da gestante no início do pré-natal. Para tanto, recomenda-se o uso da Curva de Atalah et al.34, na qual se acompanha a curva de IMC, segundo a semana gestacional (ascendente, horizontal, descendente) (Figura 1). FIGURA 1 Gráfico de acompanhamento nutricional da gestante. IMC conforme a semana de gestação 40 39,5 39 38,5 38 37,5 37 36,5 36 35,5 35 34,5 34 33,5 33 32,5 32 31,5 31 30,5 30 29,5 29 28,5 28 27,5 27 26,5 26 25,5 25 24,5 24 23,5 23 22,5 22 21,5 21 20,5 20 19,5 19 18,5 18 17,5 17 O S A BP 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 Semana de gestação BP Baixo peso A Adequado Fonte: Atalah et al.34 e Ministério da Saúde.42 S Sobrepeso O Obesidade 40 39,5 39 38,5 38 37,5 37 36,5 36 35,5 35 34,5 34 33,5 33 32,5 32 31,5 31 30,5 30 29,5 29 28,5 28 27,5 27 26,5 26 25,5 25 24,5 24 23,5 23 22,5 22 21,5 21 20,5 20 19,5 19 18,5 18 17,5 17 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 53 Deve-se realizar o acompanhamento do estado nutricional utilizando o gráfico da Figura 1 de IMC por semana gestacional, que é composto por um eixo horizontal com os valores de semana gestacional e um eixo vertical com os valores de IMC [peso(kg)/altura2(m)]. O gráfico apresenta o desenho de três curvas, que delimitam as quatro faixas para classificação do estado nutricional: baixo peso (BP), adequado (A), sobrepeso (S) e obesidade (O). C O N S I D E R AÇ Õ E S F I NA I S Neste capítulo, discutiu-se a importância do estado nutricional durante a gravidez considerando a saúde da gestante e da criança, a necessidade de realizar a vigilância do estado nutricional durante a gestação e a evolução dos critérios para o diagnóstico do estado nutricional da gestante. A avaliação do estado nutricional da gestante fornece informações importantes para a prevenção e o controle de agravos à saúde e à nutrição, sendo, portando, imprescindível na assistência pré-natal. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Suitor CW. Perspectives on Nutrition during Pregnancy. Part I – Weight Gain. Part II – Nutrient Supplements. J Am Diet Assoc 1991; 91(1):96-8. 2. Worthington-Roberts BS. Nutrição durante a gravidez e lactação. In: Mahan LK, Arlin MT. 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Avaliação de um conjunto de curvas de ganho de peso de gestantes no diagnóstico da desnutrição materna e fetal. Rev Paul Pediatr 1983; 1(4):13-20. 9. Atalah ES, Castillo CL, Gomez CL, Mateluna AA, Urteaga CR, Castro RS et al. Malnutrición de la embarazada: um problema sobrestimado? Rev Med Chile 1995; 123:1531-8. 10. Sarni RS, Schoeps D, Kochi C, Mathias CV, Oliveira CRP, Vuono IM et al. Avaliação da condição nutricional das gestantes no município de Santo André, utilizando o gráfico de Rosso. Rev Bras Cresc Desenv Hum 1999; 9(1):1-8. 11. Coelho KS, Souza AI, Batista Filho M. Avaliação antropométrica da gestante: visão retrospectiva e prospectiva. Rev Bras Saude Matern Infant 2002; 2(1):57-61. 12. Engstrom EM (org.). SISVAN: instrumento para o combate aos distúrbios nutricionais em serviços de saúde: o diagnóstico nutricional. 2.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002a. 13. Castro IRR. Vigilância Alimentar e Nutricional: limitações e interfaces com a rede de saúde. 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Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde. Rio de Janeiro: Bemfam/Macro International, 1997. 20. Cordelini S. Índices antropométricos durante a gestação: um estudo de aplicabilidade. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002. 21. Hodgson MI, Tilton Z, Donoso E, Arteaga A, Rosso P. Obesidad y riesgo obstetrico em uma población chilena. Rev Chil Nutr 1986; 14 (3):200-5. 22. American College of Obstetricians and Gynecologists. Nutrition during pregnancy. Technical Bulletin Number 179. Int J Gynecol Obstet 1993; 43:67-74. 23. Robinovich JT, Rubio EL, Sáez JC, Ramirez MI. Influencia del peso corporal em el embarazo y resultado perinatal. Rev Chil Obstet Ginecol 1995; 60(3):151-67. 24. American Dietetic Association. Position of the American Dietetic Association: nutrition and lifestyle for a healthy pregnancy outcome. J Am Diet Assoc 2002; 102(10):1479-90. 25. Allen LH, Lungaho MS, Shaheen M, Harrison GG, Neumann C, Kirksey A. 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Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e 56 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 19 de setembro de 1990. 31. Brasil. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (SUS), de 6 de novembro de 1996. Dispõe sobre a redefinição das responsabilidades dos Estados, do Distrito Federal e da União, e dos municípios. Diário Oficial. Brasília, 6 de novembro de 1996. 32. Brasil. Norma Operacional de Assistência à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), de 26 de janeiro de 2001. Dispõe sobre a ampliação das responsabilidades dos municípios na atenção Básica, definição do processo de regionalização, atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios. Diário Oficial, Brasília, 26 de janeiro de 2001. n. 95. 33. Engstrom EM (org.). SISVAN: instrumento para o combate aos distúrbios nutricionais em serviços de saúde: o diagnóstico coletivo. 2.ed. 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AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE IDOSOS: ANTROPOMETRIA Sandr a Maria Lima Ribeiro Camil a Maria de Melo I N T R O D U Ç ÃO Dados recentes do censo populacional brasileiro1 apontam, no decorrer dos anos, um aumento da esperança de vida ao nascer, assim como do número de indivíduos idosos. Esses dados indicam claramente o envelhecimento da população, similar ao que tem ocorrido nas demais regiões do mundo, e despertam a necessidade de se compreender o envelhecimento sob suas diferentes dimensões.2 O termo “envelhecimento” envolve modificações f ísicas, fisiológicas, metabólicas e psicológicas. É um processo que ocorre lenta e gradualmente e que varia muito de um indivíduo para outro.3 Com o envelhecimento, várias funções fisiológicas e metabólicas são alteradas e acabam por refletir no estado nutricional do indivíduo e, portanto, em sua saúde como um todo. De forma geral, podem ocorrer alterações na composição corporal, no metabolismo ósseo, na fisiologia bucal, nos órgãos dos sentidos, nas concentrações de nutrientes no plasma e nos tecidos, na secreção de enzimas e hormônios, entre outros.3-6 60 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Com o passar dos anos, ocorre, nas mucosas do tubo digestivo, uma diminuição dos movimentos de contração e motilidade, causando, consequentemente, constipação e prejuízos à absorção intestinal. Ocorre, ainda, redução das secreções gástricas (hipocloridria), o que pode colaborar com infecções bacterianas da mucosa, comprometendo os processos digestivos, especialmente de vitamina B12, tiamina e ferro. A perda dentária e as doenças da gengiva são também comuns, e as cáries não tratadas podem resultar em periodontites. Nem sempre se consegue que a utilização de próteses dentárias seja um processo eficiente e, frequentemente, o indivíduo passa a limitar o consumo de determinados alimentos.7,8 Fatores psicológicos, como depressão por perda de entes queridos ou a institucionalização, podem estar relacionados com a ingestão de alimentos e, consequentemente, com o estado nutricional. Todos esses fatores relacionados apontam a necessidade de um constante monitoramento das condições de saúde do idoso. Para tanto, e pensando principalmente na prática clínica, a adoção de indicadores, métodos e técnicas apropriados é de fundamental importância. Como indicador do estado de saúde, pode-se citar a massa corporal. Além disso, a análise da composição da massa corporal reflete de forma importante a maior parte das alterações fisiológicas e metabólicas decorrentes do processo de envelhecimento. A medida das dimensões corporais, antropometria, permite o monitoramento do metabolismo de energia e macronutrientes, apontando, assim, estratégias de intervenção. Dessa forma, este capítulo pretende apontar as principais alterações na composição corporal, bem como as formas mais apropriadas para avaliação. M O D I F I C AÇ Õ E S NA M A S S A , NA E S T R U T U R A E NA C O M P O S I Ç ÃO C O R P O R A L Todas as modificações metabólicas do envelhecimento resultam, de forma geral, em alterações da massa corporal. Um estudo conduzido junto à população italiana, o Italian Longitudinal Study on Aging (ILSI), 61 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S apontou que, por volta dos 60 anos de idade, se inicia um processo de ganho de massa corporal que se inverte com o passar do tempo, ou seja, há uma tendência à diminuição, especialmente a partir de 75 anos.9 O Projeto Saúde e Bem-estar do Idoso (Sabe), estudo multicêntrico realizado na América Latina, incluindo o Brasil, mostra dados similares ao estudo italiano, com diminuição em variáveis antropométricas nas idades avançadas.10,11 São, portanto, dois momentos distintos e que devem ser monitorados. A medida da massa corporal, com a utilização de balanças, é simples e útil no monitoramento dessas mudanças. Além disso, no processo de investigação do estado nutricional, é importante questionar o histórico de peso para avaliar perda ou ganho significativo recente. Ao se avaliar a massa corporal do idoso, deve-se também levar em consideração que ele, muitas vezes, se encontra impossibilitado de se locomover, como é o caso de idosos internados ou institucionalizados. Balanças adaptadas ao leito ou plataformas de balanças adaptadas à cadeira de rodas são boas opções, porém bastante caras. Por isso, foram desenvolvidas fórmulas preditivas para essas situações. As fórmulas propostas por Chumlea et al.12 são citadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)13 e apresentadas na Tabela 1. TA B E L A 1 Equações preditivas da estatura e do peso corporal de idosos ou indivíduos sem possibilidade de serem medidos em pé F Ó R M U L A S P R E D I T I VA S DA E S TAT U R A Sexo Raça Equação (altura = ) HOMENS R2 Não hispânicos 78,31 + (1,94 × altura do joelho) – 0,69 brancos (0,14 × idade) Não hispânicos 79,69 + (1,85 × altura do joelho) – 0,7 afrodescendentes (0,14 × idade) México-americanos 82,77 + (1,83 × altura do joelho) – 0,66 Erro-padrão 3,74 3,81 3,69 (0,16 × idade) (continua) 62 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 (continuação) MULHERES Não hispânicas 82,21 + (1,85 × altura do joelho) – 0,64 brancas (0,21 × idade) Não hispânicas 89,58 + (1,61 × altura do joelho) – 0,63 afrodescendentes (0,17 × idade) México-americanas 84,25 + (1,82 × altura do joelho) – 0,65 3,98 3,83 3,78 (0,26 × idade) F Ó R M U L A S P R E D I T I VA S D O P E S O C O R P O R A L HOMENS (0,98 × CP) + (1,16 × altura do joelho) + (1,73 × CMB) + (0,37 × DCSE) – 81,69 MULHERES (1,27 × CP) + (0,87 × altura do joelho) + (0,98 × CMB) + (0,4 × DCSE) – 62,35 CP: circunferência da panturrilha; CMB: circunferência muscular do braço; DCSE: dobra cutânea subescapular. Fonte: Chumlea et al., 1998.12 Investigando especificamente quais componentes da massa corporal são alterados, é comum se observar uma redução da massa corporal magra, a qual é constituída pelas massas musculares esquelética e lisa, pela massa óssea e também pela água corporal. A perda acelerada de massa muscular pode, em alguns casos, resultar em alteração na estrutura e na composição do músculo esquelético, com infiltração de gordura e tecido conectivo na massa muscular, o que é denominado sarcopenia. Essa redução pode ser decorrente de fatores como sedentarismo, alteração na síntese e secreção de hormônios, má alimentação, estresse oxidativo, aumento da atividade de citocinas, entre outros.14,15 A sarcopenia pode resultar em diminuição da autonomia, maior risco de quedas com sequelas e, portanto, menor qualidade de vida. Cabe destacar que, embora a perda de massa muscular seja um processo normal do envelhecimento, a sarcopenia deve ser evitada.16,17 A sarcopenia consiste, de certa forma, na substituição de massa proteica por gordura I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 63 no músculo; por isso, esse processo pode ser ocultado em medidas antropométricas simples. Apenas diagnósticos por imagem, como ressonância magnética (RM), tomografia computadorizada (TC) ou mesmo o Dexa (dual-energy X-ray absorptiometry) são capazes de detectar com precisão a perda e as alterações estruturais na massa magra. O estabelecimento de medidas antropométricas para avaliação do estado muscular em idosos tem sido objeto de diferentes estudos. Várias publicações buscaram estabelecer referências de medidas antropométricas para idosos. Burr e Phillips18 avaliaram, em três áreas do País de Gales, indivíduos a partir de 75 até mais de 80 anos de idade, incluindo na amostra indivíduos hospitalizados. Para determinação do estado nutricional proteico por indicadores antropométricos, os autores optaram pelas medidas de circunferência muscular do braço e área muscular do braço. Embora bastante criticado tanto pelo tamanho total da amostra como pela inclusão de idosos não saudáveis, o estudo foi por muito tempo adotado como referência para avaliação de idosos. Outros estudos buscaram uma referência para idosos, principalmente nos Estados Unidos, mas nenhum era isento de limitações como tamanho da amostra, etnicidade, representatividade nacional, entre outros.19-22 Mais recentemente, a partir de dados do National Health and Nutrition Examination Surveys III (NHANES III), foram avaliados 5.700 indivíduos acima de 60 anos de idade.23 As Tabelas 2 e 3 apresentam os dados de índice de massa corporal (IMC), circunferência do braço, dobra cutânea tricipital e circunferência muscular do braço a partir desse estudo. Cabe lembrar, ainda, que o comitê de especialistas da OMS recomenda que, em países onde não existam estudos locais, os dados do NHANES III sejam utilizados.24 64 TA B E L A 2 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Avaliação da NHANES III (1988-1994) em homens de 60 anos de idade ou mais GRUPO N E TÁ R I O MÉDIA ± P E R C E N T I S S E L E C I O NA D O S DP P10 P15 P25 P50 P75 P85 P90 IMC 60 a 69 1.175 27,3 ± 0,18 21,9 23,1 24,4 27,1 30,0 31,7 32,8 70 a 79 875 26,7 ± 0,21 21,5 22,3 23,8 26,1 29,3 30,7 31,7 > 80 699 25,0 ± 0,22 19,8 21,1 22,4 25,0 27,1 28,7 29,5 6 0 a 69 1.126 32,8 ± 0,15 28,4 29,2 30,6 32,7 35,2 36,2 37,0 70 a 79 832 31,5 ± 0,17 27,5 28,2 29,3 31,3 33,4 35,1 36,1 > 80 642 29,05 ± 0,19 25,5 26,2 27,3 29,5 31,5 32,6 33,3 6 0 a 69 1.122 14,2 ± 0,25 7,7 8,5 10,1 12,7 17,1 20,2 23,1 70 a 79 825 13,4 ± 0,28 7,3 7,9 9,0 12,4 16,0 18,8 20,6 > 80 641 12,0 ± 0,28 6,6 7,6 8,7 11,2 13,8 16,2 18,0 6 0 a 69 1.119 28,3 ± 0,13 24,9 25,6 26,7 28,4 30,0 30,9 31,4 70 a 79 824 27,3 ± 0,14 24,4 24,8 25,6 27,2 28,9 30 30,5 > 80 639 25,7 ± 0,16 22,6 23,2 24,0 25,7 27,5 28,2 28,8 CB DCT CMB IMC: índice de massa corporal; CB: circunferência do braço; DCT: dobra cutânea tricipital; CMB: circunferência muscular do braço; DP: desvio padrão. Fonte: adaptada de Kuczmarski et al., 2000.23 65 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S TA B E L A 3 Avaliação do NHANES III (1988-1994) em mulheres de 60 anos de idade ou mais GRUPO N MÉDIA ± DP E TÁ R I O P E R C E N T I S S E L E C I O NA D O S P10 P15 P25 P50 P75 P85 P90 IMC 6 0 a 69 1.172 27,6 ± 0,27 20,9 21,8 23,5 26,6 30,8 33,6 35,7 70 a 79 985 26,9 ± 0,28 20,7 21,4 22,6 25,9 29,9 32,1 34,5 > 80 788 25,2 ± 0,26 19,3 20,3 21,7 25,0 28,4 30,0 31,4 6 0 a 69 1.122 31,7 ± 0,21 26,2 26,9 28,3 31,2 34,3 36,5 38,3 70 a 79 914 30,5 ± 0,23 25,4 26,1 27,4 30,1 33,1 35,1 36,7 > 80 712 28,5 ± 0,25 23,0 23,8 25,5 28,4 31,5 33,2 34,0 6 0 a 69 1.090 24,2 ± 0,37 14,5 15,9 18,2 24,1 29,7 32,9 34,9 70 a 79 902 22,3 ± 0,39 12,5 14 16,4 21,8 27,7 30,6 32,1 > 80 705 18,6 ± 0,42 9,3 11,1 13,1 18,1 23,3 26,4 28,9 6 0 a 69 1.090 23,8 ± 0,12 20,6 21,1 21,9 23,5 25,4 26,6 27,4 70 a 79 898 23,4 ± 0,14 20,3 20,8 21,6 23,0 24,8 26,3 27,0 > 80 703 22,7 ± 0,16 19,3 20,0 20,9 22,6 24,5 25,4 26,0 CB DCT CMB IMC: índice de massa corporal; CB: circunferência do braço; DCT: dobra cutânea tricipital; CMB: circunferência muscular do braço; DP: desvio padrão. Fonte: adaptada de Kuczmarski et al., 2000.23 Considerando-se que a perda de massa muscular se concentra principalmente em membros inferiores, tem havido uma tendência em apontar a circunferência da panturrilha como uma medida antropométrica sensível da massa muscular.13 Nesse contexto, Rolland et al.25, em estudo realizado na França, compararam as medidas da circunferência da panturrilha com um diagnóstico por imagem (Dexa) em 1.458 indivíduos saudáveis acima de 70 anos de idade, sem histórico de fraturas. Os autores 66 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 concluíram que a circunferência da panturrilha, embora não possa ser usada como diagnóstico da sarcopenia, fornece informações importantes sobre incapacidades relativas à musculatura e à função f ísica. Esses mesmos autores apontaram que uma medida de circunferência da panturrilha menor que 31 cm pode ser relacionada à perda de capacidades. Em relação à técnica para tomada dessa medida, os procedimentos descritos a seguir costumam ser adotados. Uma proposta é que o avaliado permaneça sentado em uma mesa ou cadeira ou em pé, com os pés separados cerca de 20 cm um do outro. Ao permanecer sentado em uma cadeira, sua perna direita deve permanecer fixa ao chão, com as pernas flexionadas em 90º.24 Lohman26 propõe que a medida seja feita com a perna solta, não apoiada no solo. Em idosos que não podem se manter em pé ou sentados, a medida deve ser realizada levando-se a perna a uma flexão de 90º.27 Em todos os diferentes procedimentos, a medida da circunferência deve ser tomada na região de maior diâmetro na panturrilha. Outros autores vêm propondo, como relação importante na análise da massa corporal magra em idosos, o índice de massa magra corporal (IMMC), que consiste na relação massa magra corporal/estatura.2 Obisesan et al.28 argumentam que, para definir sarcopenia, há necessidade de se discutir a massa magra relativa ao peso corporal, uma vez que a massa magra absoluta é relacionada à estatura do indivíduo. Uma questão prática relativa a esse índice é qual seria a melhor maneira de estimar ou medir a massa magra. Medidas antropométricas possuem limitações, porém métodos mais sofisticados tornam a determinação cara e, portanto, às vezes inviável. Da mesma forma que a massa magra, a gordura corporal também tende a sofrer modificações importantes com o envelhecimento. Além da possível substituição de massa proteica por massa adiposa, há uma tendência à diminuição na gordura subcutânea e a um acúmulo na região abdominal. Sabidamente, o aumento da gordura na região abdominal está relacionado a comprometimentos à saúde explicados, entre outros fatores, pelo quadro inflamatório sistêmico gerado.28-30 Embora I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 67 durante todo o ciclo da vida os homens tenham maior acúmulo de gordura visceral, com o envelhecimento, esse aspecto praticamente se iguala entre mulheres e homens, em virtude da diminuição dos estrogênios após a menopausa.31 Nicklas et al.32, a partir de amostra extraída do estudo denominado The Health, Aging and Body Composition Study, selecionaram 1.387 mulheres e 1.116 homens, entre 70 e 79 anos de idade, analisando a associação de infarto do miocárdio com adiposidade total (IMC) e distribuição da gordura corporal (circunferência da cintura, relação cintura-quadril – RCQ, tecido adiposo visceral e subcutâneo). Os autores observaram que a gordura visceral, mesmo em indivíduos com menor adiposidade subcutânea, mostrou maior associação com eventos de infarto do miocárdio e com mortalidade decorrente disso. Outro aspecto importante relacionado possivelmente à adiposidade visceral é a neurodegeneração. O envelhecimento em si é considerado um fator de comprometimento do funcionamento do cérebro por razões como a diminuição do fluxo sanguíneo e a perda natural de neurônios, o que pode levar à perda da memória, da função cognitiva, do equilíbrio, entre outras. Jagust et al.29 investigaram se a elevação da gordura visceral seria associada a mudanças estruturais cerebrais, relacionadas a declínio cognitivo e demência. O estudo foi realizado a partir de uma amostra do Sacramento Area Latino Study on Aging. Os autores selecionaram 112 indivíduos de uma amostra de 1.789 idosos e avaliaram RCQ, glicemia e insulina de jejum, colesterol e pressão arterial de repouso. O volume do hipocampo e dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro foram avaliados por RM. Entre outros resultados, os autores encontraram uma correlação negativa e significativa entre volume do hipocampo e RCQ (r = -0,2; p = 0,02). Dessa forma, os autores concluíram que um alto valor de RCQ pode estar associado a processos neurodegenerativos, vasculares e metabólicos que afetam as estruturas cerebrais, levando a declínio cognitivo e demência. 68 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 É importante destacar que são hipotetizadas inúmeras causas para declínio cognitivo e demência; portanto, a gordura visceral poderia ser um dos fatores, mas certamente não o único. No que diz respeito aos aspectos nutricionais, além da gordura corporal, vários estudos têm apontado que certas deficiências de nutrientes também podem estar relacionadas com a função cerebral, como as vitaminas C, B12, riboflavina, tiamina, folato, ferro e zinco.3 A gordura visceral ou central também tem sido relacionada com o grau de funcionalidade e com o nível de atividades f ísicas. Em uma amostra representativa na Espanha33, entre 2001 a 2003, foram estudados 3.235 idosos não institucionalizados (1.411 homens e 1.824 mulheres). Avaliaram-se incapacidades por cinco indicadores: mobilidade, agilidade, restrição das atividades diárias, atividades instrumentais para a vida diária e atividades de autocuidado. As análises foram e repetidas após 2 anos e observou-se que a circunferência do abdome foi preditora da incapacidade após esse período, levando à conclusão prévia de que evitar o aumento da gordura visceral é uma maneira de prevenir comprometimentos das capacidades f ísicas com a idade. Os mesmos autores33 observaram que a associação entre gordura abdominal e incapacidades é independente do IMC. Esses resultados, juntamente a vários outros, levantam questões a respeito do IMC como indicador de risco de doenças crônicas em idosos. Os estudos, de forma geral, têm apontado resultados interessantes. Diferentemente do que ocorre em adultos jovens, em idosos, o IMC parece ter menor importância em indicar adiposidade, apontando a maior possibilidade de ser um bom preditor de risco nutricional. Por sua vez, dados do NHANES I e II mostram que o IMC se correlaciona mais com a gordura subcutânea em jovens do que em idosos, nos quais o IMC parece se correlacionar melhor com a massa muscular. Cabrera et al.34, analisando pacientes por demanda espontânea em ambulatório de geriatria no Rio de Janeiro, realizaram um estudo de seguimento de 5 anos (575 mulheres com 60 a 94 anos de idade, sendo 109 69 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S maiores que 80 anos). As curvas de sobrevida de Kaplan Méier apontaram maior tempo de vida para aqueles indivíduos com maiores valores de IMC. Resultados idênticos foram encontrados por Landi et al.,35 ao estudarem, em Rovereto, norte da Itália, idosos vivendo na comunidade. Por todas essas razões, a classificação dos valores do IMC não poderia ser utilizada da mesma forma para idosos e jovens. A partir dos dados coletados no Projeto Sabe10, a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) indicou a seguinte classificação: < 23 kg/m2 = baixo peso; 23 a 28 kg/m2 = peso normal; 28 a 30 kg/m2 = sobrepeso; > 30 kg/m2 = obesidade. Por sua vez, a classificação do IMC adotada pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) do Ministério da Saúde36, classifica as informações recebidas das Unidades de Saúde a partir da proposta do Nutrition Screening Iniciative.5 Os valores são: < 22 = baixo peso; 22 a 27 = eutrofia; > 27 = sobrepeso. Considerando-se eventos importantes e diferentes que podem ser analisados a partir das medidas do IMC, da circunferência do abdome e da circunferência da panturrilha, seria importante a realização dessas três medidas na prática clínica. Em relação às variáveis antropométricas, as Tabelas 4 e 5 apresentam alguns dados referentes ao projeto Sabe,10 na avaliação do estado nutricional de idosos por indicadores antropométricos. TA B E L A 4 Variáveis, média e percentis de mulheres avaliadas pelo Projeto Sabe VA R I ÁV E L N MÉDIA ± DP PERCENTIS 25 50 75 M C KG 1.071 62,49 ± 13 54 61 70 E S TAT U R A 1.066 151,22 ± 6,85 147 151 155 1.064 27,26 ± 5,2 23,74 26,63 30,36 CM I M C KG / M 2 (continua) 70 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 (continuação) CC CM 1.069 93,97 ± 13,65 85 94 103 CQ CM 1.068 103,73 ± 11,26 96 102 111 RCQ 1.068 0,91 0,85 0,9 0,97 CP 1.114 35,36 ± 4,22 33 35 38 DCT 1.101 25,22 ± 8,35 20 25 30,5 CB 1.124 31,02 ± 6,01 28 31 34 CMB 1.101 22,73 ± 2,62 20,92 22,64 24,42 MC: massa corporal; IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; CQ: circunferência do quadril; RCQ: relação cintura-quadril; CP: circunferência da panturrilha; DCT: dobra cutânea tricipital; CB: circunferência do braço; CMB: circunferência muscular do braço; DP: desvio padrão. Fonte: adaptada de Lebrão e Duarte, 2003.10 TA B E L A 5 Variáveis, média e percentis de homens avaliados pelo Projeto Sabe VA R I ÁV E L N MÉDIA ± DP PERCENTIS 25 50 75 M C KG * 734 67,74 ± 12,74 59 67 75 E S TAT U R A C M * 733 164,40 ± 6,9 160 164 169 I M C KG / M 2 * 732 25,00 ± 4,07 22,5 24,91 27,48 CC CM* 732 95,20 ± 11,53 88 95,5 103 CQ CM* 733 98,88 ± 8,38 94 99 103 RCQ* 732 0,96 0,92 0,96 1,01 CP 766 35,15 ± 3,84 33 35 38 D CT* 726 13,71 ± 5,75 9 13 17 CB* 770 29,16 ± 3,64 27 29 31 CMB* 727 24,71 ± 2,66 22,98 24,86 26,49 MC: massa corporal; IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; CQ: circunferência do quadril; RCQ: relação cintura-quadril; CP: circunferência da panturrilha; DCT: dobra cutânea tricipital; CB: circunferência do braço; CMB: circunferência muscular do braço. * Diferença significativa entre os sexos, de acordo com o teste t-student. Fonte: adaptada de Lebrão e Duarte, 2003.10 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 71 A massa corporal abrange também a massa óssea. É bastante estudada a perda mineral óssea com o envelhecimento, o que resulta em menor densidade óssea. Esta é controlada, resumidamente, por células responsáveis pela incorporação de cálcio no osso (osteoblastos) e de células que se responsabilizam pela mobilização de cálcio do osso para a circulação sanguínea (osteoclastos). Esses processos são controlados por uma série de fatores – hormonais, imunológicos, relativos ao estilo de vida, à idade avançada, à estrutura f ísica pequena, à raça branca, entre outros.37 A diminuição da densidade mineral óssea, principalmente em mulheres, é um processo natural e decorre, em especial, da cessação da produção de hormônios esteroides com a menopausa. De forma geral, até a terceira década de vida, constitui-se o pico da massa óssea corporal e, a partir daí, tem início um lento declínio. De acordo com a OMS38 osteoporose significa um valor de 2,5 desvios padrões abaixo da densidade mineral óssea correspondente ao valor mediano (P50) de uma população de referência. Valores entre 1 e 2,5 desvios-padrão abaixo da média são classificados como osteopenia. Paralelamente ao aparecimento de alterações na densidade mineral óssea, outro ponto discutido nos aspectos corporais de idosos é a estatura. Alterações na mineralização de ossos da coluna podem fazê-la perder a capacidade de manter o corpo ereto, resultando em diminuição da estatura com a idade. Independentemente das alterações na postura ereta, estudos populacionais relatam diminuição na estatura com a idade, mas há controvérsias nesse sentido. Perissinoto et al.9, na Itália, apontaram diminuição de 2 a 3 cm a cada década de vida. Já o Euronut Seneca Study39 encontrou decréscimo de 1 a 2 cm em um estudo longitudinal de 4 anos. Na América Latina, o Projeto Sabe10 apontou perda de 0,5 a 2 cm por década. Por outro lado, considerando a tendência secular do crescimento, claramente descrita na literatura, a análise da estatura de indivíduos idosos comparativamente a dos jovens dos dias atuais pode simplesmente estar relacionada a esse fenômeno.40,41 Ademais, a tendência 72 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 secular do crescimento e o comprometimento da estatura com a idade podem estar ocorrendo simultaneamente. Considerando alterações na postura, devem ser buscadas alternativas para a tomada da estatura de idosos. Kwok e Whitelaw42 propõem a medida da envergadura, ou seja, a medida dos braços abertos em cruz, de um dedo médio ao outro, como sendo proporcional à sua estatura. Entretanto, os idosos que eventualmente estejam fragilizados e comprometidos, não terão condições de permanecer com os braços abertos em cruz por tempo suficiente para o procedimento de medida. Como alternativa, Mitchel e Lipchitz43,44 propõem a medida do comprimento do braço, a qual, de acordo com os autores, deve ser feita a partir do processo acromial da escápula até o final do processo estiloide da ulna. O método mais utilizado e mais citado na literatura é o comprimento ou a altura do joelho, por considerar que a medida em membros inferiores não é afetada pela diminuição das dimensões ósseas. A medida é feita com o indivíduo deitado e o joelho flexionado a 90°, a partir da sola do pé até a superf ície superior do joelho. Para o estabelecimento da equação de regressão mais apropriada para estimativa da estatura a partir dessa medida, vários estudos são descritos na literatura. O primeiro foi realizado em uma amostra não representativa de Southest Ohio, apenas com indivíduos da raça branca.45 Em outro46, foi avaliada uma amostra pequena e não representativa de indivíduos afrodescendentes não hispânicos. Finalmente, um estudo que utilizou uma amostra estratificada por gênero e raça a partir do NHANES III avaliou 4.750 indivíduos, sendo 1.369 homens não hispânicos brancos, 1.472 mulheres não hispânicas brancas, 474 homens não hispânicos afrodescendentes e 481 mulheres não hispânicas afrodescendentes, além de 497 homens méxico-americanos e 457 mulheres méxico-americanas. Portanto, esse estudo procurou avaliar uma amostra bastante representativa de todas as diferenças raciais da população norte-americana.12 Os resultados são traduzidos nas fórmulas descritas na Tabela 1, juntamente às estimativas de peso corporal citadas anteriormente. I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 73 Embora os estudos sobre estimativas de estatura tenham oferecido grande contribuição às técnicas antropométricas para avaliação do estado nutricional em idosos, o erro dessa análise ainda é bastante considerável e, portanto, sugere-se a adoção dessas medidas apenas quando outras alternativas não forem possíveis. Outro ponto que se deve levar em consideração é a relação entre essas medidas e a realidade dos idosos brasileiros, uma vez que não há a mesma tendência de relação proporcional entre todas as populações.47 I D O S O S E R I S C O N U T R I C I O NA L Investigar as causas de desvios nutricionais que podem resultar em peso excessivo ou deficiente é de extrema importância. Como as internações hospitalares são mais frequentes nesse grupo populacional, deve-se lembrar de que um acompanhamento detalhado do estado nutricional colabora para um menor tempo de internação e, portanto, para uma recuperação mais rápida. Dessa forma, a adoção de técnicas de avaliação subjetiva ou relatos de questões importantes relacionadas costuma caracterizar um primeiro passo, ou uma triagem, para se avaliar o estado nutricional de idosos. Nessa triagem, o ponto importante a ser identificado é o grau de risco nutricional. Assim, é importante definir o termo “risco nutricional”. Não há muito consenso para essa definição e também não está claro se estar em risco nutricional tem um sentido mais ameno do que estar desnutrido. Alguns autores propõem que essa avaliação seja realizada de forma subjetiva, a partir da identificação de alguns sinais ou sintomas de depleção. Nesse contexto, foi proposta a avaliação subjetiva global, especialmente no caso de idosos hospitalizados ou fragilizados. Ao final dessa avaliação é estabelecido um escore que define o risco nutricional.48 A Miniavaliação Nutricional tem sido uma das mais utilizadas no Brasil, uma vez que foi traduzida para o idioma português e validada para a população brasileira.49,50 Consiste em um questionário que deve ser aplicado pelo profissional de saúde, com perguntas sobre hábitos de 74 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 vida, uso de medicamentos, valores antropométricos e autoavaliação. A partir do preenchimento do questionário, atribui-se um escore que classifica o risco nutricional. Em Unidades Básicas de Saúde ou em Centros de Referência a Idosos, esse tipo de avaliação garante maior agilidade no atendimento aos idosos. C O N S I D E R AÇ Õ E S F I NA I S O estabelecimento de técnicas apropriadas e de padrões de referência especificamente para indivíduos idosos são assuntos bastante complexos e controversos. Por isso, não existe ainda uma recomendação definitiva para a escolha e a adoção de métodos e técnicas. Dessa forma, é importante que a avaliação nesses casos seja feita da forma mais ampla possível, relacionando o maior número de variáveis possível. O contato pessoal, com o idoso e com os cuidadores permite uma importante troca de informações, que é fundamental na escolha de estratégias e condutas para a melhora do estado nutricional, da saúde e, portanto, da qualidade de vida do idoso. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados coletados do censo realizado pelo IBGE. Disponível em: http://www.censo.ibge.gov.br. Acessado em: 10/3/2008. 2. Ladbrook K. International longevity centre global alliance conference “Human Rights in an ageing world”. 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I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 33. 77 Guallar-Castillon P, Sagardui-Villamor J, Banegas JR, Graciani A, Fornés NS, Garcia EL et al. Waist circumference as a precidctor of disability among older adults. Obesity 2007; 15(1):233-44. 34. Cabrera MA, Wajngarten M, Gebara OC, Diament J. Relação do índice de massa corporal, da relação cintura quadril e da circunferência abdominal com a mortalidade em mulheres: seguimento de 5 anos. Cad Saúde Pública 2005; 21(3):767-75. 35. Landi F, Zuccalà G, Gambassi G, Incalzi RA, Manigrasso L, Pagano F et al. Body mass index and mortality among older people living in the community. J Am Geriatr Soc 1999; 47(9):1072-6. 36. Ministério da Saúde. Sistema de Vigilância alimentar e Nutricional. Orientações básicas para a coleta, o processamento, a análise de dados e a informação em serviços de saúde. Série A. Normas e Manuais Técnicos, Brasília 2004. 37. Poole KES, Compston JE. Osteoporosis and its management. 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A diversidade da população indígena brasileira é imensa e manifesta-se em vários aspectos, na forma de organização social e política, mitos, cosmologia, etc. Cada povo tem sua maneira de se relacionar com o mundo e sua própria visão sobre o processo de saúde, doença, alimentação e nutrição. São mais de 180 línguas faladas por 238 povos em diferentes estágios de relação de contato com outros segmentos da sociedade nacional, desde indígenas morando há décadas em cidades até relatos de mais de 50 evidências de grupos isolados.1 Os povos indígenas apresentam, em geral, precárias condições de vida e saúde, diretamente relacionadas aos processos históricos de mudanças sociais, culturais, econômicas e ambientais. Essa situação é decorrente, em especial, de suas desprotegidas interações com a sociedade não indígena. Essas mudanças repercutem diretamente nos determinantes das condições de saúde e nutrição e geram situações de insegurança alimentar e nutricional. 80 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 A I N S E G U R A N Ç A A L I M E N TA R E N U T R I C I O NA L DA P O P U L AÇ ÃO I N D Í G E NA B R A S I L E I R A : A R E L AÇ ÃO D E C O N TATO C O M O PA N O D E F U N D O O Conselho Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) define segurança alimentar e nutricional como o direito de todos ao acesso regular e contínuo aos alimentos, tanto em qualidade como em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. São princípios básicos as práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e sejam sustentáveis na perspectiva socioeconômica e ambiental.2 Negar esse direito às pessoas leva à insegurança alimentar, que pode se manifestar por fome, desnutrição e obesidade. Os indicadores antropométricos são tradicionalmente utilizados para mensurar sua magnitude, sobretudo entre as crianças. Pesquisadores da Unicamp coordenaram o projeto que validou um questionário de avaliação familiar de segurança alimentar (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA).3 O instrumento é composto de 15 perguntas que permitem avaliar a segurança alimentar a partir da percepção da família. Estudos para determinar a insegurança alimentar entre os povos indígenas são pontuais. Levantamento conduzido por Verdum, em meados da década de 1990, já apontava que, em 1/3 das terras indígenas (TI) do Brasil, os indígenas conviviam com problemas de insegurança alimentar, a maioria localizada no Nordeste, Sul e Sudeste.4-6 Em 2004, foi realizada, utilizando a EBIA adaptada, uma pesquisa com famílias da etnia Terena, moradoras da TI Buriti, localizada no Mato Grosso do Sul. Esse estudo encontrou prevalência de insegurança alimentar leve em 22,4, moderada em 32,7 e grave em 20,4 entre as famílias estudadas.6 No meio indígena, a insegurança alimentar é fruto de uma relação de contato com a sociedade não indígena que levou a drásticas alterações no modo de viver dessa população, ocasionada, entre outras razões, I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 81 pelo processo contínuo de diminuição territorial, esgotamento de recursos naturais e degradação ambiental. A atividade de subsistência por meio da agricultura, coleta, pesca e caça vem se modificando ao longo do tempo. O confinamento de populações inteiras em pequenos territórios e a instalação de regimes econômicos, entre outros fatores, levaram muitos povos indígenas ao empobrecimento e colocaram-n0s em situação de vulnerabilidade alimentar e nutricional. Atualmente, cerca de 40 desses povos vivem em menos de 2 das TI nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul do país.1 Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), a população indígena está distribuída por 688 TI e algumas áreas urbanas, inclusive nas capitais e grandes cidades brasileiras.7 Nas cidades, a grande maioria vive em favelas e bolsões de pobreza, trabalha em subempregos e recebe salários que não lhes permitem adquirir alimentos em quantidade e qualidade para garantir a segurança alimentar de suas famílias.8,9 Contudo, mesmo onde existem grandes extensões de terra, as terras boas para cultivo, com abundância de animais, peixes e alimentos obtidos por meio da coleta (frutas, mel, castanhas, raízes) estão dispersos, sendo necessários grandes deslocamentos para encontrá-los. Com a exploração, ocorre um esgotamento dos recursos próximos às aldeias, sendo necessário ir cada vez mais longe para caçar, pescar, produzir ou coletar alimentos. Antigamente, isso era resolvido com a mudança das aldeias para uma região onde os alimentos eram abundantes e as terras eram férteis. Hoje em dia, com a redução dos territórios e a fixação da população nas aldeias, em decorrência da existência de escolas, poços artesianos, geradores, unidade de saúde e outros bens, isso não é mais possível.10 Outro aspecto que provoca variações na produção, na oferta e no consumo de alimentos é a sazonalidade.5,11 Os períodos de seca e chuva, descida e subida dos níveis dos rios, levam à diminuição de peixes e podem afetar negativamente a nutrição da população nos períodos de escassez, sobretudo daqueles que já apresentam comprometimento do estado nutricional. Além disso, é significativo o impacto ambiental 82 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 provocado pela ocupação do entorno das TI com fazendas para criação de gado e atividades extrativistas, como a exploração da madeira. O garimpo e as atividades agrícolas, como a monocultura da soja no Mato Grosso, provocam o assoreamento dos rios.12 Tais fatores levam à diminuição de peixes e animais, que são as principais fontes de proteína de alto valor biológico para os povos indígenas, e à piora da qualidade da água usada para o consumo. Outrossim, as condições de saneamento das áreas indígenas são precárias. A falta de locais apropriados para destinos dos dejetos levam à alta infestação parasitária do meio ambiente, e a inexistência de água de boa qualidade para o consumo, na maioria das aldeias, favorece a transmissão de helmintos e protozoários, bem como a contaminação por enterobactérias.8,13,14 Esse cenário explica a alta prevalência de parasitoses intestinais15-22 e diarreias entre os indígenas.8,13,23-25 Outro aspecto relevante diz respeito à contaminação do solo e lençóis freáticos das TI por resíduos sólidos (p.ex., plásticos, latas, papelão), resíduos dos serviços de saúde, fertilizantes e defensivos agrícolas usados na agricultura do entorno, recipientes de combustíveis e óleos lubrificantes usados no transporte fluvial, contaminantes químicos das baterias e pilhas13, e mercúrio usado no garimpo.26,27 A situação é preocupante pelos efeitos danosos que essas substâncias podem causar para a saúde humana, porém são poucos os estudos direcionados para dimensionar o problema entre os indígenas. Para vários povos indígenas, a construção do corpo é fruto de uma relação com seu ambiente material, social e cultural. O corpo é nutrido, modelado e cresce por várias intervenções dentro e fora dele, como pinturas, amarrações em partes do corpo, escarificações, perfuração das orelhas, tatuagens, uso de ervas, participação em rituais, etc. Portanto, para muitos povos, na gênese dos distúrbios nutricionais estão as mudanças de hábitos culturais, o abandono da alimentação tradicional e dos cuidados com as crianças e o rompimento de tabus relacionados a puberdade, gestação, parto e puerpério.28,29 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 83 Todos esses fatores decorrentes das mudanças que vêm ocorrendo com as populações indígenas geram situações de insegurança alimentar, bem como a peculiaridade do perfil nutricional e epidemiológico desses povos. T R A N S I Ç ÃO E P I D E M I O L Ó G I C A E P E R F I L N U T R I C I O NA L DA P O P U L AÇ ÃO I N D Í G E NA B R A S I L E I R A : R E F L E XO DA E XC LU S ÃO S O C I A L A mortalidade infantil é considerada um bom indicador das condições de vida de uma população, pois retrata a condição de saúde de sua parcela mais vulnerável – os menores de 1 ano. Em 2007, a mortalidade infantil no Brasil foi de 20 óbitos por 1.000 nascidos vivos30, enquanto na população indígena foi de 46,9 por 1.000.31 Ao contrário das crianças de outras etnias, em que as causas neonatais predominam, os óbitos em menores de 1 ano entre as crianças indígenas ocorrem por causas pós-neonatais em mais da metade dos casos.32 Infecções respiratórias agudas (IRA), diarreias e desnutrição estão entre as principais causas de óbitos dessas crianças.33 Cardoso25 constatou que a taxa anual de hospitalização global dos Guarani, no Sul e Sudeste do Brasil, superou em 70 a taxa correspondente verificada no território nacional. O estudo revela que IRA e diarreias são as principais causam de internação entre as crianças. A anemia em menores de 1 ano e a desnutrição chamam a atenção entre os diagnósticos secundários. Essa situação epidemiológica retrata a baixa qualidade da assistência à saúde, a falta de saneamento e a situação de insegurança alimentar e nutricional dos povos indígenas. Os indicadores demonstram iniquidade e refletem a exclusão social que marca historicamente a relação das sociedades indígenas com outros segmentos da sociedade nacional. Os povos indígenas apresentam uma transição epidemiológica caracterizada pela emergência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) coexistindo com altas prevalências de doenças infecciosas e parasitárias.8,34-36 84 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 A população total vem crescendo em ritmo acelerado, acima da média nacional. Entre as causas para esse quadro, destaca-se o crescimento vegetativo decorrente das elevadas taxas de fecundidade e da queda da mortalidade. Tais características são consequência de vários fatores, como o abrandamento de conflitos com frentes expansionistas, diminuição das epidemias, melhor acesso aos serviços de assistência à saúde, garantia de territórios, além do desejo e decisão de crescer.37 No contexto nutricional, observam-se prevalências bem acima da média nacional para baixa estatura entre as crianças e sobrepeso e obesidade crescentes a partir da infância. Ao longo das últimas décadas, houve aumento no número de pesquisas sobre as condições nutricionais dos povos indígenas. Entretanto, em sua maioria, são estudos transversais, abrangem um pequeno número de etnias e estão concentrados na Amazônia Legal. Como poucos estudos são longitudinais, não permitem comparações com outros momentos da população estudada.38 Sabe-se que um imenso contingente dessa população vive nas cidades e capitais brasileiras e confinado em territórios exíguos, no Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. Contudo, apesar da situação de maior vulnerabilidade, esse grupo não é avaliado na maioria dos estudos. Além da sociodiversidade, o grande número de etnias não contempladas pelos estudos limita as possibilidades de generalizações e a elaboração de um quadro da situação nutricional do universo da população indígena brasileira. Os estudos sobre as condições nutricionais das crianças indígenas mostram prevalências moderadas ou elevadas de desnutrição11,34,38-48, bem acima dos níveis nacionais49, chegando a 62,7 e 51,7, de baixa estatura e de déficit de peso para idade, respectivamente, entre os Pakaanóva-Wari.11 Nos poucos estudos que avaliaram o peso de nascimento das crianças, encontram-se prevalências que chegam a 30,438,43,47, bem acima da média nacional, que é de 8,2.32 A despeito disso, existem estudos apontando sobrepeso infantil.41,42,48 Os índices antropométricos I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 85 encontrados nos estudos nutricionais das crianças refletem as precárias condições de vida e saúde das comunidades indígenas. Estudos sugerem que as alterações do estilo de vida dos indígenas, com a mudança da dieta tradicional, passando de carboidratos complexos para os de absorção rápida dos alimentos industrializados, e a diminuição da atividade f ísica levaram ao surgimento de DCNT, como obesidade em adolescentes34,48,50 e adultos5,34-36,51-53, diabetes tipo II8,54-57 e hipertensão arterial.35,36,52,58,59 Concomitantemente, pesquisas apontam fortes evidências de que a desnutrição na infância e o baixo peso ao nascer causam uma série de mudanças a longo prazo. O menor gasto energético e a maior suscetibilidade aos efeitos de dietas com alto teor de gordura ocasionam diabetes tipo II, obesidade e hipertensão arterial na vida adulta, evento conhecido como programação ou origem fetal das doenças.60,61 Assim, além das alterações da dieta e da atividade f ísica, a desnutrição entre as crianças indígenas pode ser um agravante a médio e longo prazos. Por isso, ações voltadas para uma melhor qualidade do pré-natal, bem como da situação nutricional das crianças também são importantes na prevenção de DCNT na idade adulta. Segundo Vieira Filho, os indígenas brasileiros possuem o genótipo econômico ou thrifty genotype.62 Os genes que atualmente predispõem os indígenas ao diabete tipo II foram vantajosos entre seus ancestrais que viviam em ambientes onde a disponibilidade alimentar era muito irregular. A rápida resposta insulínica ao estímulo da glicose favorecia a capacidade de converter a glicose em gordura de reserva, conferindo uma vantagem de sobrevivência durante períodos de escassez. Essa adaptação genética para garantir a sobrevivência em períodos de fome passou, diante de alterações ambientais, a ser a causa de ganho excessivo de peso e acúmulo de gordura.63 Portanto, as políticas de saúde devem evitar intervenções nutricionais que proporcionem maior ganho de peso corporal do que de estatura, como a distribuição de cesta de alimentos com alto valor calórico. 86 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Em relação à deficiência de micronutrientes, os estudos limitam-se à avaliação da anemia, que afeta, em especial, mulheres em idade fértil e crianças menores de 2 anos, chegando à prevalência de 92, como mostra estudo com a população infantil da etnia Suruí, de Rondônia.40,42,45,46 O principal determinante da anemia entre as crianças é a deficiência de nutrientes na alimentação, em especial o ferro, associada a uma necessidade aumentada desse mineral, em função do crescimento. Merecem destaque entre os indígenas as doenças infectoparasitárias, sobretudo as parasitoses, e, em algumas comunidades, a malária. Entre as mulheres, as condições inadequadas das gestações e partos são agravantes. Em muitos casos, elas iniciam suas gestações anêmicas ou com baixas reservas de ferro.44 Quanto às outras carências nutricionais, são poucos os estudos entre os povos indígenas brasileiros.44 Vieira Filho et al. relataram a ocorrência de dois casos de polineuropatia carencial entre os Xavante, decorrentes da deficiência da tiamina (vitamina B1). Os quadros foram associados a uma dieta baseada quase exclusivamente em arroz beneficiado, resultado de mudanças na dieta desse grupo indígena e da introdução de alimentos industrializados.64 Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública coordenaram o primeiro Inquérito Nacional de Saúde Indígena, que avaliou 6.707 mulheres na faixa etária de 14 a 49 anos e 6.285 crianças menores de 5 anos. Os resultados, divulgados em maio de 2010, corroboram pesquisas anteriores com os povos indígenas e mostram que 30,2 das mulheres indígenas avaliadas estão com sobrepeso e 15,7 foram classificadas como obesas. A hipertensão arterial teve a maior prevalência, 12,1, entre as mulheres das regiões Sul e Sudeste. As crianças menores de 5 anos apresentaram a maior prevalência de baixa estatura, 41,1, na região Norte. A anemia está presente em todas as regiões. As maiores prevalências foram encontradas na região Norte: 66 entre as crianças de 6 a 59 meses e 46,9 e 44,8 entre as mulheres não grávidas e gestantes, respectivamente.65 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 87 Pela iniciativa governamental e abrangência nacional, essa pesquisa representa um marco na luta de pesquisadores, indígenas e indigenistas para dar visibilidade aos problemas de saúde desses povos, apesar de suas limitações para retratar a situação de uma população tão diversa como a população indígena brasileira. A diversidade sociocultural, bem como a heterogeneidade dos perfis epidemiológicos e das relações de contato com a sociedade não indígena, além de dificultar generalizações, exige políticas públicas e ações diferenciadas e sensíveis às profundas transformações ambientais, econômicas, sociais e culturais que os povos indígenas estão vivenciando. AT E N Ç ÃO D I F E R E N C I A DA À S AÚ D E DA P O P U L AÇ ÃO I N D Í G E NA B R A S I L E I R A : U M A C O N Q U I S TA A I N DA A S E R C O N S O L I DA DA A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, implantada a partir de 1999 pela Lei Arouca (Lei n. 9.836, de 23 de setembro de 1999), garante aos indígenas o direito a um modelo de atenção diferenciada à saúde, configurando um Subsistema de Atenção à Saúde, parte do Sistema Único de Saúde (SUS), que deve respeitar a especificidade e a diversidade sociocultural dessa população e se baseia na implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), identificados como um modelo de organização de serviço em bases territoriais definidas segundo critérios étnicos, culturais, geográficos, administrativo e de distribuição demográfica tradicional66, que não necessariamente coincide com os limites de estados e municípios onde estão localizadas as TI. Após 11 anos da implantação do subsistema de saúde indígena, ainda se está longe de colocar em prática o modelo de atenção diferenciada. Existe uma distância enorme entre o discurso oficial e a prática nos DSEI.67 A imensa complexidade do subsistema e de sua operacionalização carece de uma reflexão profunda e de novas estratégias de intervenção. Essa situação levou a propostas de mudanças na gestão, que culminaram, em 2010, com a saída da responsabilidade da gestão da saúde 88 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no Ministério da Saúde, antiga reivindicação do movimento indígena e indigenista.68 Em 2006, foi instituído o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional para os DSEI – Sisvan Indígena, por meio da Portaria Funasa n. 984, de 6 de julho.69 Segundo a Funasa: O Sisvan Indígena permite conhecer como se apresentam os agravos nutricionais nesta população propondo medidas imediatas ao diagnóstico e medidas articuladas intersetorialmente, incluindo políticas e ações eficazes para todos ou para os grupos de maior vulnerabilidade.70 Atualmente, o programa ainda está focado na implantação de rotinas de vigilância nutricional em áreas indígenas voltadas para o registro de dados nutricionais e retroalimentação do sistema. De modo geral, as informações não são disponibilizadas para as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), que atuam nos DSEI, para auxiliar a avaliação, o monitoramento e o planejamento das ações de enfrentamento dos problemas em âmbito local. Algumas ações realizadas pela Funasa merecem destaque, como a implantação do Curso de Especialização em Vigilância Alimentar e Nutricional por meio da parceria com a Escola Nacional de Saúde e a realização do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Entretanto, o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional dos povos indígenas demanda avanços além dos programas de suplementação alimentar e transferência de renda. A magnitude do problema exige projetos de segurança alimentar permanentes com ações intersetoriais e sustentáveis. De modo geral, as políticas públicas e as iniciativas da sociedade civil para enfrentamento da insegurança alimentar dos povos indígenas I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 89 têm encontrado dificuldades para atingir os resultados esperados. Várias razões são apontadas para o insucesso desses programas e projetos, como: desrespeito à organização social, ao conhecimento dos grupos indígenas e às suas relações com os territórios; implantação como núcleos isolados; dificuldades para articulação intersetorial; não participação das comunidades indígenas no planejamento dos projetos e elaboração sob a lógica do modelo de desenvolvimento ocidental.71,72 Embora existam indígenas em situação de extrema pobreza, em que o combate imediato à fome é necessário por meio do fornecimento de alimentos ou de dinheiro para adquiri-los, é preciso avançar para propostas que causem impacto sobre os determinantes das precárias condições de vida da imensa maioria dos povos indígenas, que geram insegurança alimentar e aumentam a vulnerabilidade desses povos aos distúrbios nutricionais. BUSCAND O UM NORTE E SONHAND O EM T R A N S F O R M A R R E A L I DA D E S Este capítulo visa a apontar caminhos, mas sem a pretensão de ensinar a traçá-los completamente. A diversidade dos povos é imensa; muitos e diferentes caminhos devem ser pensados e trilhados. O desejo maior é despertar o querer mudar a realidade dos povos indígenas e estimular sonhos transformadores de práticas, realidades e pessoas. Os profissionais das EMSI devem ser protagonistas na construção de propostas para o enfrentamento dos problemas de saúde das pessoas que estão sob seus cuidados.73 Para tanto, devem conhecer os determinantes e condicionantes da situação de insegurança alimentar dos povos com os quais trabalham; empoderar as comunidades, professores, mulheres e lideranças por meio da divulgação das informações relacionadas à situação de saúde das comunidades e seus determinantes, relativizando seus conhecimentos e valorizando os conhecimentos e cuidados tradicionais; capacitar os profissionais indígenas de saúde para o desenvolvimento de ações de enfrentamento dos problemas de saúde em suas aldeias; 90 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 incentivar a participação de lideranças e profissionais indígenas nos espaços de debate; desenvolver ações efetivas para a melhoria das condições do pré-natal, parto, puerpério, acompanhamento de crescimento e desenvolvimento das crianças e da saúde dos adultos e idosos, com ênfase na vigilância da saúde das mulheres em idade fértil e das crianças em maior risco nutricional, acompanhamento das doenças prevalentes na população infantil e das DCNT entre os adultos; e agregar outros segmentos sociais, como mulheres, lideranças e profissionais da medicina tradicional para valorizar e legitimar os cuidados, as orientações, as ações de educação em saúde e vigilância da saúde desenvolvidas nas aldeias. Entretanto, as ações setoriais de saúde, isoladas, não apresentam a eficácia necessária para se enfrentar o cenário epidemiológico, garantir segurança nutricional e causar impacto positivo na vida dos povos indígenas. Desse modo, além da sensibilidade antropológica necessária para que as ações e orientações tenham chances maiores de surtirem efeito, é fundamental a articulação das equipes de saúde com os professores indígenas e profissionais que trabalhem nas TI com questões relacionadas ao meio ambiente e à produção de alimentos. A intersetorialidade deve ser uma diretriz básica para o enfrentamento das questões nutricionais e alimentares. Nesse contexto, é fundamental a busca por alternativas às cestas básicas com carboidratos de absorção rápida dos alimentos industrializados, com altos valores calóricos e ricos em sódio, como elaboração de cestas básicas e cardápio das merendas das escolas indígenas compostas com alimentos in natura, semielaborados e que respeitem os hábitos alimentares e a experiência produtiva de cada local; e incentivo à produção de alimentos tradicionais nas áreas indígenas e à busca de fontes alternativas de proteínas de alto valor biológico que sejam culturalmente sustentáveis. Essas iniciativas devem ser colocadas na pauta de discussão de gestores, profissionais das diversas áreas, inclusive da saúde, e das comunidades indígenas. Aumentar o número de pesquisas sobre a população indígena, priorizando estudos longitudinais e que contemplem a diversidade dessa I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 91 população, é medida fundamental para tirar os indígenas da situação de invisibilidade a que historicamente estão submetidos. Urge, para se avançar no enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional dos povos indígenas, a implantação de políticas públicas e ações que respeitem a diversidade cultural e a relação de contato desses povos com a sociedade não indígena. É fundamental o protagonismo das comunidades e o envolvimento das associações indígenas, da sociedade civil e do governo com a participação de todas as instituições que desenvolvem políticas públicas voltadas para os povos indígenas e relacionadas aos fatores causais que levam à insegurança alimentar e nutricional dessa população. É preciso ampliar a discussão e incluir na pauta as questões territoriais, o saneamento, a educação, as alternativas econômicas e o desenvolvimento sustentável para as comunidades indígenas do país, buscando transformar a realidade e as condições de saúde desses povos. Conclui-se com a transcrição do diálogo do personagem Kindzu com o fantasma de seu pai, do livro Terra sonâmbula, do moçambicano Mia Couto: – O que andas a fazer com um caderno, escreves o quê? – Nem sei, pai. Escrevo conforme vou sonhando. – E alguém vai ler isto? – Talvez. – É bom assim, ensinar alguém a sonhar. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Instituto Socioambiental. Povos Indígenas no Brasil. Disponível: http://pib.socioambiental.org/pt. 2. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar. Brasília: CONSEA, 2004. 3. Corrêa AMS. Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estud Av 2007; 21(60):143-54. 92 4. 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Pertencem a esses subgrupos não considerados nas amostras nacionais as crianças que vivem nas ruas, em favelas e em cortiços, as de famílias sem terra e sem teto, as crianças abrigadas em orfanatos e as que vivem em locais de difícil acesso, como as da região Norte, além das remanescentes de etnias específicas, como os quilombolas e os indígenas. A não inclusão desses contingentes de crianças nos inquéritos leva a estimativas de prevalências de desnutrição mais otimistas que as realmente existentes, motivando afirmativas imprecisas de que as prevalências dos desvios antropométricos estariam dentro dos níveis de normalidade no país. Mais importante, no entanto, do que o erro introduzido pelo viés de seleção nas estimativas nacionais ou regionais é a invisibilidade dessas populações. As populações quilombolas são emblemáticas como representantes dos brasileiros invisíveis e, consequentemente, excluídos. Muitos não sabiam, até bem pouco tempo, de sua existência e 100 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 acreditavam que só faziam parte da história do Brasil, tendo desaparecido com a abolição da escravatura. Os dados apresentados a seguir representam o primeiro perfil das condições de saúde e nutrição dos menores de 5 anos residentes em comunidades quilombolas. São informações que podem ser úteis para políticos, líderes e gerentes envolvidos em programas de promoção das condições de vida, no sentido de melhorar a cobertura e adequar as ações de forma a minimizar o sofrimento e as privações por que passam as crianças quilombolas. S I T UAÇ ÃO A N T R O P O M É T R I C A E N U T R I C I O NA L A Tabela 1 apresenta as prevalências das condições nutricionais, utilizando-se os pontos de corte clássicos de -2 escores z para déficit e +2 para excesso, segundo os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do National Center for Health Statistics (NCHS). Observa-se que a maior prevalência é a do déficit altura/idade: 11,6 quando se utiliza o padrão NCHS e 15 com a população padrão da OMS. Em seguida, a relação peso/idade apresenta prevalências de 8,1 e 5,9, considerando as populações de referência do NCHS e da OMS, respectivamente. No entanto, como esperado, para relação peso/altura, tais prevalências de déficit caem bastante, sendo a estimativa de aproximadamente 2 para ambas as populações de referência.1-4 TA B E L A 1 Prevalências dos indicadores antropométricos de crianças quilombolas menores de 5 anos de idade considerando as populações de referência do NCHS1 e da OMS 1977 e 20053,4 ÍNDICES N DÉFICIT EUTROFIA E XC E S S O NCHS/OMS 2.723 Altura/idade 11,6 87,6 0,8 Peso/idade 8,1 89,5 2,4 (continua) 101 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S (continua) Peso/altura 2 94 3,9 Altura/idade 15 84,2 0,8 Peso/idade 5,9 92,1 2,1 Peso/altura 1,9 92,7 5,4 OMS a 2.725 a Plausíveis para população de referência da WHO.4 De acordo com a Tabela 1, pode-se dizer que a população estudada não apresenta situação preocupante do ponto de vista da desnutrição aguda. No entanto, deve-se atentar para o fato de que crianças com quadros agudos que se associam aos déficits de peso para estatura geralmente não participam dos inquéritos como o aqui realizado; permanecem em seus domicílios ou buscam assistência médica. É possível, portanto, que a desnutrição aguda esteja subestimada nesse estudo. Por sua vez, é evidente o quadro de retardo de desenvolvimento em razão da desnutrição crônica medida pelos déficits de altura/idade. Tal ocorrência torna-se ainda mais preocupante ao se atentar para o fato de que as crianças estudadas são as sobreviventes. Essas prevalências seriam ainda maiores se fossem considerados os vieses de sobrevivência a que estão sujeitos os estudos transversais.5,6 Comparando-se essa população à das crianças da amostra da Chamada Nutricional do Semiárido, nota-se que estão em situação um pouco mais desfavorável (Figura 1). Observa-se que as crianças quilombolas estão em situação semelhante às do Nordeste urbano brasileiro de 1996, segundo dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS).7 Ainda na Tabela 1, que apresenta as prevalências de desvios nutricionais, vale ressaltar os excessos no índice peso/altura. Apesar de não ser o critério mais adequado para a classificação de obesidade da faixa etária estudada, as prevalências de aproximadamente 5 mostram quadro semelhante aos encontrados em centros urbanos. Evidenciam que, também entre as crianças quilombolas, já coexistem o retardo de crescimento e os excessos de peso para a altura. 102 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 FIGURA 1 Prevalências estimadas dos déficits nutricionais entre populações quilombolas e outras populações infantis em situação de insegurança alimentar, segundo o padrão NCHS. 30 25,2 25 % 20 15 10 5 13 11,6 10,1 8,2 6,6 2 7 5,6 3,2 2,8 2,3 0 Quilombolas, 2006 Semiárido, 2005 Déficit A/I NE urbano, 1996 Déficit P/I NE rural, 1996 Déficit P/A A/I: altura/idade; P/I: peso/idade; P/A: peso/altura; NE: Nordeste. Na Tabela 2, as prevalências de déficits são analisadas de acordo com variáveis biológicas e condições de nascimento e de cuidados básicos de saúde na infância. São marcantes as diferenças de prevalências entre crianças nascidas em condições adequadas quando comparadas às menos favorecidas. Para crianças nascidas com peso menor de 3 kg, mediana estimada na amostra, nota-se 18,1 de déficit de altura/idade, comparado com 7,4 para crianças nascidas em melhores condições nutricionais. Situação similar se observa para o índice de peso/idade, em que as mesmas prevalências nos grupos contrastantes de peso ao nascer são 14,3 e 4,6, respectivamente. Esse padrão de diferenças se repete quando se observam atendimento e frequência aos exames pré-natal. 103 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S TA B E L A 2 Prevalência de déficits antropométricos, segundo variáveis biológicas, de condições de nascimento e atenção básica à saúde VA R I ÁV E I S Sexo da criança A LT U R A / I DA D E P E S O / I DA D E P E S O / A LT U R A N = 316 11,6% N = 224 8,1% N = 55 2% N % N % N % 2.723 Masculino 176 12,8 112 8,1 29 2,1 Feminino 140 10,4 112 8,2 26 1,9 Idade (anos) 2.723 0 40 7,3 28 5 8 1,4 1 84 14,6 60 10,4 22 3,8 2 64 12 56 10,5 9 1,7 3 65 12,7 40 7,8 6 1,2 4 63 11,7 40 7,4 10 1,9 Faixa etária 2.723 0 a 5 meses 6 2,9 2 1 0 0 6 a 11 meses 27 9,4 21 7,3 7 2,4 12 a 35 meses 151 13,5 116 10,3 20 2,5 Maiores de 36 meses 132 11,9 85 7,7 20 1,8 Fez pré-natal 1.203 Sim 116 10,4 81 7,2 28 2,5 Não 13 17,3 10 13,3 1 1,3 Consultas no pré-natal 955 Até 4 consultas 29 12,3 27 11,2 7 2,9 5 ou mais consultas 70 9,8 46 6,4 15 2,1 Peso ao nascer 2.231 Até 3 kg 136 18,1 108 14,3 23 3,1 Acima de 3 kg 110 7,4 68 4,6 20 1,3 Tempo de aleitamento total 497 Até 6 meses 33 13,3 20 8 4 1,6 Acima de 6 meses 28 11,3 24 9,7 8 3,2 (continua) 104 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 (continuação) Tempo de aleitamento 1.007 exclusivo Até 3 meses 66 11,7 48 8,5 8 1,6 Acima de 3 meses 43 9,7 33 7,4 12 2,7 Número de refeições De 0 a 2 anos 1.824 Até 3 refeições 65 17,8 54 14,8 17 4,7 Mais de 3 refeições 164 11,2 105 7,2 25 1,7 De 3 a 11 anos 2.312 Até 3 refeições 129 15,6 100 12,1 23 2,8 Mais de 3 154 10,4 99 6,7 21 1,4 Acima de 11 anos 2.473 Até 3 refeições 212 13,6 139 8,9 32 2,1 Mais de 3 82 9 64 7 18 1,9 Analisando-se a situação nutricional em vista de fatores socioeconômicos, constata-se, mais uma vez, que a população menos favorecida é a que apresenta as maiores prevalências de déficits (Tabela 3). Segundo classificação para nível socioeconômico pelo critério da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme)8, observa-se que as prevalências são cerca de 3 vezes maiores no nível E, em comparação com os demais níveis. Exemplificando, a prevalência de retardo de crescimento na classe E é estimada em 15,6, enquanto para a classe D é de 5,6. A maior concentração da população no nível mais baixo poderia levar à estimativa das prevalências subestimadas para os níveis socioeconômicos mais altos. No entanto, quando se analisam as demais associações com variáveis de condições de moradia, saneamento e alimentação, essa relação se mantém. As prevalências dos déficits são sempre maiores para a população residente em domicílios sem luz, com esgoto a céu aberto e sem rede pública de abastecimento de água. 105 I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S TA B E L A 3 Prevalência de déficits antropométricos, segundo variáveis sociodemográficas VA R I ÁV E I S Sexo do chefe da família N = 2.723 ALTURA/IDADE P E S O / I DA D E PESO/ALTURA N = 316 11,6% N = 224 8,1% N = 55 2% 2.715 Masculino 90 12,5 161 8,5 11 1,5 Feminino 226 11,3 161 8 44 2,2 Até 4 anos 220 13,1 160 9,6 40 2,4 Mais de 4 anos 86 8,9 56 5,8 13 1,4 Até 4 anos 167 13,7 125 10,3 33 2,7 Mais de 4 anos 101 8,8 67 5,8 16 1,4 B+C 14 7,2 9 4,6 3 1,6 D 42 5,6 26 3,5 9 1,2 E 242 14,9 178 10,9 39 2,4 Sim 228 10,6 153 7 37 1,7 Não 85 15,4 69 12,5 17 3,1 Rede pública 3 3,3 3 3,3 2 2,2 Fossa séptica 55 7,4 39 5,1 11 1,6 Fossa rudimentar 92 15,8 66 11,2 13 2,2 Vala/céu aberto 162 12,7 116 9,1 29 2,3 Não sabe 3 18,8 0 0 0 Tempo de escolaridade do chefe da família Tempo de escolaridade 2.369 da mãe Classificação 2.289 socioeconômica (Abipeme)8 Luz no domicílio Tipo de esgoto sanitário 2.698 2.715 da casa 0 (continua) 106 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 (continuação) Fonte de água que a 2.714 criança utiliza para beber Rede pública 78 10,2 53 6,9 15 1,9 Poço/cacimba/barreiro 143 13,7 100 9,6 18 1,7 Cisterna/água da chuva 23 13,1 13 7,8 4 2,4 Outros 71 9,7 58 7,9 18 2,5 Sim 183 10,6 134 7,7 44 2,5 Não 130 13,6 88 9,1 12 1,2 Não sabe 1 11,1 1 11,1 0 0 Filtrada 72 9,2 64 8,1 25 3,2 Clorada/hipoclorito 87 11,6 56 7,5 16 2,1 Fervida 28 14,1 16 8,1 4 2 131 13,2 88 8,8 11 1,1 A água de beber da 2.691 criança é tratada no domicílio? Tratamento da água de 2.697 beber da criança Não se aplica D I S C U S S ÃO E C O N S I D E R AÇ Õ E S F I NA I S Embora limitado, como todo inquérito transversal, a Chamada Nutricional Quilombola é a linha de base a partir da qual deve ser construído o conhecimento sobre as condições de nutrição e saúde das crianças quilombolas. Com a repetição periódica desse estudo, podem ser definidas tendências dos desvios nutricionais e estimadas efetividades de políticas e programas. Tais melhorias devem ocorrer não só a partir de recursos externos às comunidades, mas também potencializando competências e recursos locais na construção de grupamentos sociais autossustentáveis. I J O R NA DA D E A N T R O P O ME T R I A E S UA S BA S E S C O N C E I T UA I S 107 Os indicadores antropométricos não traduzem somente as condições de nutrição da população infantil, são também indicadores relevantes do desenvolvimento humano de um grupamento populacional. Em especial, o retardo no crescimento é bastante sensível a melhorias das condições de vida e pode ser um importante indicador das melhorias ocorridas entre essas populações nos próximos anos. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Hamill PV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche AF. NCHS growth curves for children birth-18 years. Vital Health Stat 11 1977; 165:i-iv,1-74. 2. World Health Organization. Anthro 2005, Beta version Feb 17th, 2006: Software for assessing growth and development of the world’s children. Genebra: WHO, 2006a. Disponível em: http://www.who.int/childgrowth/software/en/. 3. World Health Organization. Multicentre Growth Reference Study Group. Enrolment and baseline characteristics in the WHO Multicentre Growth Reference Study. Acta Paediatrica Supplementum 2006b; 450:7-15. 4. WHO. Physical Status: The use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. (WHO technical report series, 854.) Genebra: WHO, 1995. 5. Oliveira O, Taddei JAAC. Efeito dos vieses de sobrevivência nas prevalências da desnutrição em crianças no sexto ano de vida. Brasil PNSN, 1989. Cad Saúde Pública 1998; 14(3):493-9. 6. Boerma JT, Sommerfeld AE, Bicego GT. Child anthropometry in cross-sectional surveys in developing countries: an assessment of the survivor bias. Amer J Epidemiol 1992; 135:438-49. 7. Bemfam – Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil. PNDS: Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde. Rio de Janeiro: Bemfam, 1996. 8. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas. Critério de Classificação Econômica Brasil. São Paulo, 2003. Disponível em: http://www.abep.org. Acessado em: 1/1/2007. I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA D E NA I N FÂ N C I A E NA A D O L E S C Ê N C I A 2 6 de m a r ç o de 2 0 08 Te atro M a r c o s L i n den ber g – Un i fe sp A E P I D E M I A DA O B E S I DA D E E A P U B L I C I DA D E D E A L I M E N TO S José Augusto de A . C. Taddei Giovana Longo-Silva Maysa Helena de Aguiar Toloni P E R F I L N U T R I C I O NA L B R A S I L E I R O Com o advento da industrialização, mudanças significativas ocorreram nos mais diversos segmentos da economia mundial, no estilo de vida e nos hábitos alimentares da população.1 A sociedade contemporânea converge para um padrão dietético caracterizado por alimentos de alta densidade energética com altos teores de sal, gorduras totais, colesterol, carboidratos refinados e baixos teores de ácidos graxos insaturados e fibras. Tais mudanças alimentares, aliadas à rotina de vida sedentária e à falta de tempo para preparo e consumo de refeições, levando ao aumento do consumo de produtos industrializados, resultam no crescimento da obesidade e no aparecimento cada vez mais precoce de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).2 Decorrente da falta de tempo e do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, a alimentação realizada fora de casa (bares, restaurantes, redes de fast-food e vendedores ambulantes) teve um importante crescimento, representando, atualmente, 25 dos gastos totais das famílias com alimentação. Como consequência, o número de restaurantes no Brasil saltou de 320 mil, em 1980, para 817 mil, em 2000.1 112 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Concomitantemente a essas mudanças, a sociedade contemporânea caracteriza-se pela redução da prática de atividade f ísica espontânea, denominada como toda e qualquer movimentação corporal que promova gasto energético, o que tem sido intensamente reduzido com o aumento das atividades de lazer passivas, caracterizadas pela substituição das brincadeiras ativas, como jogar bola, empinar pipa e correr, por jogos eletrônicos.3 Esse contexto resulta na elevação das prevalências de sobrepeso e obesidade, fatores de risco importantes para a ocorrência de DCNT, como demonstra a Figura 1, que reflete a tendência da prevalência de excesso de peso em crianças menores de 5 anos, adolescentes e adultos, e a estimativa de prevalência para o ano de 2016, caso a velocidade de aumento do excesso de peso permaneça constante.4-7 FIGURA 1 Tendência secular da prevalência (%) de excesso de peso em menores de 5 anos de idade, adolescentes e adultos. 16,6 13,9 7,6 1974 14,6 13 10,7 9,6 5,7 4,4 4,4 15,2 8,3 7,3 7,8 Adolescentes Adultos 5,3 1989 Menores de cinco anos 1996 2006 Fonte: IBGE, 19784; IBGE, 19895; IBGE, 19996; PNDS, 2006.7 2016 I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 113 Portanto, entre as crianças menores de 5 anos, houve o aumento de 4,4, em 1974, para 7,8, em 2006 e, se a progressão permanecer incessante, em 10 anos, essa proporção terá aumentado para 8,3. Já entre os adolescentes, ocorreu aumento de 4,1 para 15,2 entre 1974 e 2006, estimando-se que em 2016 serão obesos 16,6 dos adolescentes no país. Para os adultos, observa-se aumento de 5,7, em 1974, para 14,6, em 2006, podendo-se atingir, caso esse valor se mantenha constante, 14,6 em 2016. Resumindo, em 2016, em torno de 1 em cada 10 crianças e 1 em cada 7 adolescentes e adultos brasileiros serão obesos. As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 48 dos anos potenciais de vida saudável perdidos (APVSP) ocorrem em consequência de doenças crônicas, como cardiovasculares, câncer e diabetes, 39 em consequência de doenças transmissíveis, condições maternas perinatais e deficiências nutricionais e 13 decorrente de acidentes e violência.8 As DCNT possuem algumas características peculiares: levam décadas para se estabelecer, tendo sua origem na infância e na juventude; em virtude de sua longa duração, existem muitas possibilidades para prevenção; e o tratamento em geral é de longa duração, complexo e caro. A determinação das causas dessas enfermidades engloba fatores socioeconômicos, culturais, políticos e ambientais, como a globalização, a urbanização e o envelhecimento populacional, compostos por fatores de risco modificáveis, como dietas geradoras de doenças, inatividade f ísica e tabagismo. Consequentemente, tem-se hipertensão arterial, hiperglicemia, dislipidemia, sobrepeso e obesidade. Isso, por sua vez, leva ao aparecimento das DCNT, como doenças cardiovasculares, acidente vascular encefálico, câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes.8 Anualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta cerca de 1,2 bilhão de reais com tratamento do sobrepeso, obesidade e suas consequências. Tais gastos são decorrentes do aumento do consumo de medicamentos, dos procedimentos diagnósticos e das internações por obesidade mórbida, 114 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 hipertensão, acidente vascular encefálico, infarto do miocárdio, diabetes, câncer de cólon e colelitíase.9 No mundo, 7,1 milhões de pessoas morrem a cada ano em decorrência da hipertensão arterial; 2,6 milhões como consequência do sobrepeso e obesidade e 4,4 milhões em decorrência de níveis totais de colesterol elevados. No Brasil, as DCNT são causas de 32,2 das mortes. Essa realidade poderia ser revertida e controlada por meio da adoção de práticas alimentares saudáveis e redução do sedentarismo.8 Esses dados são mais uma evidência de que a sociedade contemporânea, em decorrência da falta de tempo para o preparo de suas refeições, é tentada a adquirir alimentos prontos para o consumo disponibilizados pela indústria.2,10 O cerne da questão é que a população os adquire em um contexto mercadológico, otimizado por propaganda ostensiva, em detrimento da saúde e da nutrição, prejudicadas pelo consumo excessivo e rotineiro desses alimentos.3 P U B L I C I DA D E D E A L I M E N TO S A indústria alimentícia investe fortemente na divulgação de produtos de alta densidade energética para crianças e adolescentes, que os incorporam em suas dietas e tendem a se manter como consumidores fiéis a esses hábitos de consumo por longos períodos, transmitindo-os a seus filhos. Embora sejam alimentos potencialmente causadores de obesidade, esses produtos geralmente aparecem nas propagandas associados a saúde, beleza, bem-estar, juventude, energia e prazer. As crianças nascidas após os anos 1980 estão sendo progressivamente mais expostas aos efeitos nocivos da propaganda enganosa de alimentos que promovem hábitos alimentares obesogênicos, aumentando os riscos de desenvolvimento precoce das DCNT associadas à obesidade e ao sedentarismo.3,11,12 A exposição frequente às propagandas veiculadas na televisão exerce grande influência sobre os hábitos alimentares, além de promover o sedentarismo. Assistindo à televisão, uma criança pode aprender I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 115 concepções incorretas sobre o que é um alimento saudável. O próprio hábito de assistir à televisão está diretamente relacionado a pedidos, compras e consumo de alimentos anunciados. Uma vez que a maioria dos alimentos anunciados possui elevados teores de gorduras, óleos, açúcares e sal, contribui para mudança nos hábitos alimentares de crianças e agrava o problema da obesidade na população.13-15 Há grande influência da propaganda, veiculada principalmente pela televisão, visto que os produtos industrializados são alvos de intensas campanhas publicitárias, além do forte investimento promocional que recebem nos pontos de comercialização.3 Alguns estudos citam a influência da publicidade sobre a confiança que as mães depositam nos produtos apresentados nos comerciais, principalmente em razão da falta de conhecimento. Nesse contexto, Almeida et al.13 avaliaram 1.395 anúncios de produtos alimentícios veiculados na televisão e descobriram que cerca de 60 estão no grupo da pirâmide alimentar representado por gorduras, óleos, açúcares e doces, além da ausência de publicidade para frutas e hortaliças. Estudo de 2007 desenvolvido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) analisou os comerciais veiculados em programação infantil de canais abertos da TV brasileira. Surpreendentemente, os alimentos constituíram 10 de todas as propagandas veiculadas. A pesquisa verificou que, entre as propagandas de alimentos, cerca de 45 correspondiam a guloseimas (chocolates, bolachas recheadas, balas, gomas de mascar, salgadinhos e sorvetes), 22,5, a institucionais (lanches de redes de fast-food), 18, a bebidas não lácteas (refrigerantes, sucos), 9, a cereais (cereais matinais e pães), 4, a bebidas lácteas (iogurtes, bebidas achocolatadas), 0,5, a alimentos pré-preparados (macarrão instantâneo, hambúrgueres) e 1, a outros.16 O Brasil é o recordista mundial na quantidade de horas que as crianças assistem à televisão por dia: 4 horas e 51 minutos. Essa quantidade é maior que a média norte-americana, e é ainda mais assustadora se for observado que 80 da programação a que assistem é formatada 116 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 para o público adulto.17 Nesse sentido, parece evidente que a presença da televisão no cotidiano das crianças brasileiras tem substituído experiências importantes para seu desenvolvimento, como o fortalecimento dos laços familiares e a criação de vínculos sociais. Portanto, visando à reversão de tal quadro, é imprescindível a criação de ações que estimulem uma dieta equilibrada para toda a família, associada a brincadeiras e atividades f ísicas, com estratégias de lazer atraentes e prazerosas em substituição à televisão, ao computador e ao consumo de dietas pouco saudáveis.13,18,19 As crianças brasileiras recebem, em média, R 28,60 de mesada, o que, no universo infantil brasileiro, significa R 69.237.069,00, a cada mês. O mercado infantil, no ano de 2004, movimentou 5 bilhões de reais com consumo de fast-food e, em 2006, o mercado publicitário infantil investiu, só em produtos infantis, 209,7 milhões de reais. Em recente pesquisa, ao serem perguntadas em que mais gastam seu dinheiro, as guloseimas foram citadas por 73 das crianças entrevistadas, os salgadinhos por 47, os sorvetes por 44 e as bebidas por 29, ou seja, para o público infantil, alimentos e bebidas têm maior apelo do que até mesmo os brinquedos.20 Para documentar a hipótese de que são prevalentes os erros alimentares desde a infância, realizou-se um estudo transversal com 270 crianças que frequentavam berçários de creches públicas do município de São Paulo. Constatou-se que aproximadamente 67 dos pais ofereceram alimentos industrializados ainda no primeiro ano de vida, sendo que foram os filhos de mães com baixa escolaridade, mais jovens e com menor renda os mais suscetíveis aos erros alimentares. A Tabela 1 apresenta o número e a frequência acumulada () das crianças estudadas, segundo faixa etária de introdução dos alimentos industrializados e de consumo tradicional. Fica evidente que cerca de 3 em cada 4 crianças, ao completarem 12 meses, já haviam consumido todos os tipos de alimentos considerados.21 Contudo, o consumo precoce desses alimentos contraria as normas do Ministério da Saúde.22 49 34 0 01 Espessantes Fritura de imersão Café 03 Refrigerante Mel 01 84 06 Suco artificial Embutidos 133 03 Bolacha recheada Chá 04 Salgadinhos Açúcar 05 06 Bala/pirulito, chocolate Macarrão instantâneo 14 Gelatina N 0,4 0 12,6 18,2 49,3 31,1 1,1 0,4 2,2 1,1 1,5 2,2 1,9 5,2 % 0 a 3M 17 15 95 90 87 87 30 26 43 41 32 58 32 100 N 4 a 6M 6,7 5,6 47,8 51,5 81,5 63,3 12,2 10,1 18,1 16,3 13,4 23,7 13,8 42,2 %* 15 20 41 24 12 23 20 22 39 51 40 54 49 53 N 12,3 13 63 60,4 85,9 71,8 19,6 18,2 32,5 35,2 28,2 43,7 32 61,8 %* 7 a 9M I DA D E D E I N T R O D U Ç ÃO 50 106 18 36 06 41 99 108 84 97 123 92 114 71 N 30,8 52,3 69,6 73,7 88,1 87 56,5 58,2 63,6 71,1 73,7 77,8 74,2 88,1 %* 10 a 12M 27 25 03 08 0 08 28 24 22 22 19 14 28 06 N > 12M 40,8 61,6 70,7 76,7 88,1 90 66,7 67,1 71,7 79,2 80,7 83 84,8 90,3 %* 159 103 78 60 29 27 89 89 75 56 52 45 42 26 N 58,8 38 28,9 22,2 10,8 10 32,9 32,9 27,9 20,8 19,3 16,6 15,6 9,7 % NÃO I N TRODUZIU 01 01 01 03 03 0 01 0 01 0 0 01 0 0 N 0,4 0,4 0,4 1,1 1,1 0 0,4 0 0,4 0 0 0,4 0 0 % NÃO I N FORMAD O Distribuição de crianças, segundo a introdução de alimentos industrializados e de uso tradicional e faixa etária *Percentual acumulado. Fonte: Toloni et al., 2011.21 A LIME N TOS DE US O TR A DI C I O NA L A L I M E N TO S INDUSTRIALIZAD OS TA B E L A 1 270 270 270 270 270 270 270 270 270 270 270 270 270 270 N T O TA L I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 117 118 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Hoje em dia, as crianças reconhecem melhor as marcas de salgadinhos do que os nomes das frutas. É o que mostra o documentário Criança, a alma do negócio, que propõe uma reflexão sobre como a sociedade de consumo e as mídias de massa influenciam na formação de crianças e adolescentes, além de mostrar a realidade atual, em que as crianças preferem ir ao shopping a brincar, conhecem marcas pelo logotipo e, apesar de terem uma vasta coleção de brinquedos e jogos, encantam-se mais por um pequeno bonequinho de plástico que, na campanha promocional, é associado ao consumo de um alimento obesogênico.23 Esse documentário reflete sobre essas questões e mostra como a criança se tornou a alma do negócio para a publicidade no Brasil. As crianças são bombardeadas por propagandas que estimulam o consumo e falam diretamente com elas dentro de suas próprias casas. O resultado é devastador e é cada vez mais comum ver crianças que, aos 5 anos, já vão à escola totalmente maquiadas e que deixaram de brincar de correr por causa de seus saltos altos; que sabem as marcas de todos os celulares, mas não sabem o que é uma minhoca; que reconhecem as marcas de todos os salgadinhos, mas não reconhecem frutas e hortaliças do cotidiano da alimentação do brasileiro, como mamão, cenoura e beterraba.23 O investimento do mercado publicitário de alimentos evidencia o poder desse setor. Em 2001, o orçamento publicitário das indústrias de alimentos mundial foi estimado em torno de 40 bilhões de dólares. No Brasil, em 2005, foram investidos cerca de 1 bilhão de reais.24 Os interesses mercantilistas saciam-se por meio de vultosos investimentos no marketing televisivo, um campo promissor e lucrativo, em detrimento da saúde das crianças e dos adolescentes. Utilizando-se da mídia televisiva, o marketing alimentício tem como objetivo único ampliar suas vendas e garantir seu futuro mercado consumidor, introduzindo precocemente o paradigma da sociedade de consumo de massa no público infantojuvenil.25 Diante das mudanças no perfil epidemiológico atual da população brasileira, bem como no padrão alimentar, com preocupantes reflexos I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 119 na população infantil, sugere-se a criação de medidas factíveis de promoção da alimentação saudável no ambiente familiar e escolar, considerando os valores sociais, econômicos e culturais envolvidos nos diferentes contextos. Por meio da brincadeira, podem ser incutidos no público infantil conhecimentos nutricionais e relacionados a uma dieta alimentar saudável. Exemplo disso é o jogo Prato Feito, desenvolvido pela Unifesp, para ensinar crianças acima de 7 anos de idade a fazerem uma alimentação equilibrada e montarem refeições diversificadas e apetitosas. Brincando com os grupos alimentares (energéticos, reguladores e construtores), elas aprendem a identificar os nutrientes de cada alimento e a substituí-los por outros, que tenham a mesma propriedade nutricional. Vence o jogo o participante que montar primeiro o seu prato com itens de todos os grupos da pirâmide e completar o caminho do tabuleiro.26 O PA P E L DA R O T U L AG E M N U T R I C I O NA L NA A D O Ç ÃO D E H Á B I TO S A L I M E N TA R E S S AU DÁV E I S Grande parte dos estudos e pesquisas que envolvem a área de nutrição e suas relações com estratégias para redução dos riscos de doenças destaca a importância do adequado conhecimento da rotulagem nutricional dos alimentos para a promoção da alimentação saudável. Considera-se que o adequado conhecimento da rotulagem pode funcionar como um instrumento na educação do consumidor a respeito das relações entre nutrição e saúde, visando a capacitá-lo a fazer escolhas alimentares mais saudáveis.27-29 O uso da informação nutricional obrigatória nos rótulos de alimentos e bebidas produzidos, comercializados e embalados na ausência do cliente e prontos para serem oferecidos ao consumidor está regulamentado no Brasil desde 2001.30,31 Apesar do indiscutível benef ício dessa normatização, estudos com o objetivo de verificar o grau de conhecimento da população sobre nutrição e comportamento do consumidor diante da utilização de rótulos de alimentos não são animadores. 120 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 De acordo com o Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis realizado em 14 capitais e no Distrito Federal, no Brasil, apenas 44 da população consulta o rótulo nutricional, sendo esse grupo predominantemente constituído pelo sexo feminino, com idades entre 15 e 24 anos e com grau de ensino fundamental completo ou superior.32 A não utilização da rotulagem nutricional e sua interpretação incorreta estão associadas a diversos fatores, destacando-se falta de tempo, insuficiência de conhecimentos sobre nutrição e falta de habilidades matemáticas dos consumidores, que têm limitações para utilizar as informações expostas, constituindo, assim, uma barreira para melhores escolhas alimentares.33 Tendo em vista que para muitos compradores a informação contida nos rótulos é excessivamente técnica e pouco clara, foi criada no Reino Unido, pela Food Standards Agency (FSA), uma proposta simples e intuitiva para orientar o consumidor na escolha de produtos mais saudáveis.34 Essa ferramenta, que já se expandiu para outros países da Europa, é o Traffic Light Labelling, ou Semáforo Nutricional, que fornece subsídios para que se acrescentem nos rótulos informações diretas e práticas sobre a composição nutricional do alimento, tornando a compreensão mais acessível a leigos e crianças, direcionando-os para dietas mais equilibradas. O Semáforo Nutricional baseia-se nas cores do semáforo, analisando separadamente a concentração de gorduras, gorduras saturadas, açúcares e sal correspondente a 100 g ou 100 mL de cada produto. Dessa forma, o sinal vermelho indica que o nutriente está presente em quantidade excessiva, o sinal amarelo indica média quantidade, e o verde, pouca quantidade.34 O consumidor é orientado, caso consuma um alimento com sinal vermelho para um nutriente específico, a consumir outro com sinal verde para o mesmo nutriente. A FSA recomenda a utilização dessa metodologia em produtos processados de conveniência, como refeições prontas, pizzas, hambúrgueres, 121 I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . sanduíches, salsichas e cereais matinais, uma vez que seus conteúdos nutricionais são de dif ícil compreensão pelos consumidores. O semáforo deve estar preferencialmente na parte frontal da embalagem do produto, de modo a facilitar a visualização pelo consumidor.34 Com o objetivo de identificar a compreensão da rotulagem nutricional pelos consumidores, foi conduzida uma pesquisa no Reino Unido com 2.932 consumidores, na qual se constatou que a interpretação da rotulagem nutricional foi favorecida pelo Traffic Light Labelling (71 de compreensão), quando comparada à rotulagem tradicional (58 de compreensão). Outra pesquisa, realizada na Austrália com 790 consumidores de todas as classes socioeconômicas, apontou que 81 dos entrevistados foram capazes de escolher corretamente os alimentos mais saudáveis e comparar, de forma rápida, dois produtos, utilizando o Traffic Light Labelling. Houve diferença estatisticamente significativa entre o desempenho observado no uso do Semáforo e da rotulagem nutricional tradicional.35 Diante do exposto e visando a difundir os benef ícios do Semáforo Nutricional para a população brasileira, os autores deste capítulo adaptaram o Traffic Light Labelling às normas vigentes no Brasil e à classificação de produtos industrializados comercializados no país (Tabela 2).27,28 TA B E L A 2 Pontos de corte para a classificação de 100 g ou 100 mL dos alimentos, segundo a adaptação do Semáforo Nutricional às normas brasileiras NUTRIENTE Gordura total (g) VERDE AM ARELO VERMELHO SÓLID O LÍQUID O SÓLID O LÍQUID O SÓLIDO LÍQUIDO ≤3 ≤ 1,5 > 3 e ≤ 20 > 1,5 e ≤ 10 > 20 > 10 ≤ 1,5 ≤ 0,75 > 1,5 e ≤ 5 > 0,75 e >5 > 2,5 >1 >1 31,34 Gordura saturada (g) Gordura trans (g) 31,34 ≤ 2,5 0 0 >0e≤1 >0e≤1 31 (continua) 122 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 (continuação) Sódio (mg)31 Fibra (g) 31 Açúcar (g) 31,34 ≤ 40 ≤ 40 > 40 e ≤ 120 > 40 e ≤ 120 > 120 > 120 ≥6 ≥3 ≥3e<6 ≥ 1,5 e < 3 <3 < 1,5 ≤5 ≤ 2,5 > 5 e ≤ 12,5 > 2,5 e ≤ 6,3 > 12,5 > 6,3 Fonte: ANVISA, 200331; FSA, 2007.34 Com base nos pontos de corte utilizados no país, foram classificados 100 produtos industrializados, os quais foram selecionados da página eletrônica de um hipermercado brasileiro, optando-se, para cada categoria (salgadinhos de pacote, cereais matinais, embutidos, maionese, cereais em barra, bebidas artificiais, queijos, pizzas prontas congeladas, tortas salgadas prontas congeladas, hambúrgueres congelados, biscoitos doces, molhos de tomate, pó para misturar no leite, refeições prontas congeladas, tortas doces congeladas e produtos lácteos), pelos primeiros 5 a 8 produtos listados na página. O resultado dessa classificação encontra-se na Figura 2 e reflete a situação de inadequação nutricional dos alimentos industrializados, quadro preocupante se considerado que os estudos têm demonstrado aumento contínuo no consumo desses alimentos no país.36 Em relação aos resultados dessa classificação para gordura trans, vale salientar que, de acordo com o Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados37, a informação de um nutriente pode ser expressa em “” (zero) ou “não contém” quando o alimento contiver quantidades menores ou iguais às estabelecidas como não significativas. Assim, caso uma porção do alimento contenha quantidades iguais ou inferiores a 0,2 g de gordura trans, o fabricante pode omiti-la. Conclui-se, portanto, que os resultados da análise desse nutriente aqui apresentados podem não retratar a realidade, de modo que, em 100 g do alimento pode haver quantidade superior à reconhecida pela rotulagem nutricional, que muitas vezes se refere a quantidades bastante inferiores a 100 g. 123 I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . FIGURA 2 Classificação dos 100 produtos industrializados disponíveis no mercado brasileiro, segundo a adaptação do Semáforo Nutricional às normas brasileiras. 20 28 11 12 13 11 76 77 Fibra alimentar Sódio 86 57 40 23 32 9 5 Gordura total Gordura saturada Gordura trans Verde Amarelo Vermelho Obs.: As quantidades de açúcar não foram classificadas, pois, segundo norma da Anvisa, não são informadas no rótulo nutricional. As barras podem ser lidas como percentuais, uma vez que se trata de 100 alimentos. Fonte: Ministério da Saúde, 2008.7 Fonte: Longo-Silva et al., 2010.27 REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. 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JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Longo-Silva G, Toloni MHA, Taddei JAAC. Traffic Light Labelling: traduzindo a rotulagem de alimentos. Rev Nutr 2010; 23(6):1031-1040. 28. Toloni MHA, Longo-Silva G, Pontes TE, Taddei JAAC. Rotulagem e publicidade de alimentos. In: Taddei JAAC, Lang RMF, Longo-Silva G, Toloni MHA. Nutrição em Saúde Publica. Rio de Janeiro: Rubi, 2011b. p.517-40. 29. Feitosa TC, Pontes TE, Brasil AL, Marum ABRF, Taddei JAAC. Transição nutricional e desenvolvimento de hábito de consumo alimentar na infância. In: Dutra-de-Oliveira JE, Marchini S, (org.). Ciências nutricionais: aprendendo a aprender. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2008. 30. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 40, de 21 de março de 2001. Regulamento técnico para rotulagem nutricional obrigatória de alimentos e bebidas embalados. Diário Oficial da União. Brasília, março de 2001; (22-E):1; Seção 1. 31. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 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I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 36. 127 Portal Estilo de Vida Saudável. [página na Internet]. Disponível em: http://www. saude.br. Acessado em: 20/12/2011. 37. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria n. 27, de 13 de janeiro de 1998. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. Disponível em: http://e-legis.anvisa. gov.br/leisref/public/showAct.php?id=97&word. Acessado em: 22/01/2012. P O R TA L E ST I L O D E V I DA S AU DÁV E L : U M A F E R R A M E N TA PA R A O C O N T R O L E DA S D O E N Ç A S C R Ô N I C A S NÃO T R A N S M I S S Í V E I S Kelly de Jesus Viana Sar ah Warkentin Anna Helena Pedreir a de Freitas José Augusto de A . C. Taddei Desde a década de 1960, observam-se inúmeras mudanças no padrão de alimentação e atividade f ísica da população, tendo ocorrido processos de transição epidemiológicos, demográficos e nutricionais. Houve queda da mortalidade, com aumento do número de idosos. De 1980 a 2000, a população de idosos aumentou em 107, enquanto os menores de 14 anos aumentaram apenas 14. Esse crescimento do número de idosos, por sua vez, está relacionado com o aumento da incidência e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).1 As alterações no estilo de vida que ocorreram na população acarretaram aumento progressivo das taxas de sobrepeso e obesidade, com consequente crescimento das DCNT. Tais doenças são consideradas uma ameaça que aflige um número cada vez maior de pessoas, famílias e comunidades, sendo responsáveis por 60 das mortes que ocorrem no mundo. As doenças crônicas incluem doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes.2,3 Geralmente, essas doenças não têm cura, porque as lesões causadas são 130 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 irreversíveis, levando a complicações e morte. As principais complicações são as do aparelho circulatório (hipertensão, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, etc.), os diversos tipos de câncer, diabetes, doenças pulmonares obstrutivas crônicas (enfisema e bronquite crônica) e doenças osteoarticulares (osteoporose e artrose). Pequena parte dessas doenças (20) está associada a predisposição genética ou alteração orgânica de nascimento. Na maioria das vezes, essas doenças são consequência do estilo de vida dos indivíduos.4 Dos 58 milhões de óbitos ocorridos mundialmente em 2005, aproximadamente 35 milhões foram causados por DCNT.2,3 Oitenta por cento das mortes por DCNT ocorrem nos países de baixa e média renda, onde vive a maioria da população do mundo, e apenas 20 das mortes por doenças crônicas acontecem em países de alta renda. A grande maioria dos óbitos causados por doenças crônicas em todas as idades, em homens e mulheres, e em todas as partes do mundo é em razão dos fatores de risco comuns e modificáveis, incluindo dietas não saudáveis, sedentarismo e tabagismo.2,3 Estilos de vida inadequados que expõem crianças e adolescentes a riscos cumulativos desde o nascimento podem conduzir a importantes condições clínicas, representadas pelas DCNT. Elas compõem um conjunto de enfermidades que se caracterizam por apresentar longo período de latência, tempo de evolução prolongado, etiologia não totalmente elucidada, lesões irreversíveis e complicações que acarretam graus variáveis de incapacidade ou óbito precoces. As DCNT foram responsáveis, em 2003, por quase 50 óbitos/100.000 habitantes no Brasil, figurando como a principal causa de morte da população.5 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2008 (PNAD 2008), realizada pelo Ministério da Saúde, mostrou que 31,3 dos indivíduos avaliados informaram apresentar pelo menos uma DCNT e 5,9 afirmaram ter três ou mais DCNT. O percentual de pessoas que sofrem de DCNT foi maior entre as mulheres (35,2) do que entre os homens (27,2), ocorrendo aumento desses agravos com o avanço da idade. A I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 131 pesquisa, que também abordou a prática de atividade f ísica, destaca que 20 da população maior de 14 anos de idade não realizava qualquer tipo de atividade f ísica. O sedentarismo foi maior entre os homens (25), enquanto 14,9 das mulheres se declararam sedentárias. O maior percentual de inatividade f ísica foi encontrado entre pessoas acima de 65 anos (38,1). Somente 10,2 da população foi considerada ativa segundo a definição de fisicamente ativo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os fatores de risco para o aparecimento de DCNT são classificados como modificáveis e não modificáveis. Entre os modificáveis, estão a hipertensão arterial, a ingestão de álcool exagerada, a hiperglicemia, o tabagismo, o sedentarismo, o estresse, a obesidade e o colesterol elevado. Entre os fatores não modificáveis, destacam-se idade, hereditariedade, raça e sexo.6 A prevenção e o retardo no aparecimento das enfermidades crônico-degenerativas podem ocorrer precocemente, antes mesmo de se manifestarem clinicamente. Segundo o modelo explicativo do processo saúde-doença, descrito por Leavell e Clark8, ações intervencionistas direcionadas a tais enfermidades devem ocorrer ainda no primeiro nível da fase de prevenção primária (período pré-patogênico). Esse nível de prevenção diz respeito à promoção de saúde, conceito que envolve a ideia de fortalecimento individual e coletivo para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da saúde.7 A partir de meados de 1970, ocorreu a reconstrução do conceito de promoção da saúde, por meio de inúmeras conferências internacionais. Tal conceito representava uma reação à acentuada medicalização da vida social, que tem tido baixo impacto na melhoria das condições de vida. A promoção da saúde deixou de ser interpretada como simples caracterização de um nível de atenção da medicina preventiva, conforme o modelo proposto por Leavell e Clark.8 Agora, é tratada a partir de enfoque político e técnico em torno do processo saúde-doença-cuidado. Não obstante, mudanças culturais pressupõem processo de aprendizado contínuo, enfocando as diversas fases da vida. Nesse contexto, 132 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 sobrevém o papel dos diversos ambientes sociais, como escolas, domicílios, locais de trabalho e comunitários. Tais espaços devem ser utilizados para a promoção de ações organizadas e conduzidas por organizações educacionais, profissionais, comerciais e voluntárias, bem como pelas instituições governamentais, conforme proposto na Carta de Ottawa.9 Assim, a promoção de estilos de vida saudáveis, incluindo hábitos alimentares e atividade f ísica, pode e deve ter função pedagógica em diferentes veículos de comunicação. Afinal, eles não se reduzem apenas às questões nutricionais e de fisiologia do exercício – as formações dos hábitos alimentares e das práticas de atividade f ísica compreendem processos graduais, nos quais estão envolvidos valores culturais, sociais, afetivo-emocionais e comportamentais.10,11 Práticas educativas implementadas por equipes multidisciplinares que conscientizem a população da importância da alimentação saudável e da prática regular de atividade f ísica também devem continuar sendo um dos componentes prioritários nas estratégias de Saúde Pública, a fim de deter o avanço da obesidade e DCNT no país. Diante dessa realidade e no contexto da sociedade contemporânea, sobretudo com a difusão maciça dos sistemas midiáticos de utilização mundial (televisão e internet), observa-se que, se por um lado aumentou o número de programas e sites informativos sobre nutrição e alimentação, por outro tem-se o marketing alimentício nos mesmos veículos promovendo aumento da baixa qualidade nutricional dos alimentos na quase totalidade das situações.12,13 Um estudo realizado por Pontes et al.14 analisou a qualidade nutricional dos alimentos veiculados na TV brasileira e constatou que as guloseimas representavam cerca de 45 das propagandas alimentícias, seguidas das redes de fast-food, com 23. Os esforços de promoção da saúde que são mediados por computadores e outras tecnologias digitais, conhecidas como cibersaúde, podem ter grande potencial para promover mudanças no comportamento por meio de características únicas da população geral, possibilitando interatividade e conveniência. Evidências indicam que o uso da I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 133 cibersaúde pode melhorar os resultados comportamentais. No entanto, é preciso compreender se a cibersaúde será eficaz dentro da realidade social.15 Os meios de comunicação podem ajudar com estratégias de saúde pública, mas, na maioria das vezes, influenciam negativamente o consumo de alimentos, já que os comercias com finalidade preponderantemente financeira exercem grande influência no hábito de consumo, principalmente das crianças. Das cinco horas de televisão que a criança assiste, uma hora é ocupada por comerciais.16 Atualmente, a internet é um dos meios de comunicação mais utilizado no mundo. A internet teve origem em 1969, com o projeto do governo norte-americano, que tinha como objetivo interligar universidades e instituições de pesquisa e militares. Na década de 1970, a rede tinha poucos centros, mas o Protocolo NCP (Network Control Protocol) foi visto como inadequado, sendo criado o TCP/IP, que continua como o protocolo-base da internet.17 No início, a internet possuía poucos serviços, sendo o e-mail o serviço mais utilizado. Ao longo da década de 1980, foi sendo criada a internet que se conhece atualmente, em que diversas instituições dos Estados Unidos e de outros países se interligaram, criando uma grande rede, mas sem fim comercial. No início dos anos 1990, com a pressão para que empresas pudessem também participar da rede mundial, a internet foi aberta para uso comercial. Em 1991, Tim Berners-Lee lançou o World Wide Web (www), que foi a base para que Marc Andreesen criasse o Mosaic, base do que se tem do conceito da internet, para a Unix, em fevereiro de 1993 e em agosto do mesmo ano, lançar a versão para o Windows.17 A internet chegou ao Brasil em 1991, pela Rede Nacional de Pesquisas, com o objetivo de atender à conexão das redes de universidades e centros de pesquisas. Em 1995, os Ministérios de Comunicações e de Ciência e Tecnologia abriram a internet para sua operação comercial. Ela continua sendo o principal serviço de conectividade cada vez mais presente nos dias atuais.17 134 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Dessa forma, o acesso à internet e seu aumento contínuo tornaram-se um modo viável para promover a saúde da população. Além de estar acessível 24 horas por dia, a internet oferece anonimato.18 Há evidência epidemiológica de que a adoção generalizada de mudanças específicas no comportamento pode melhorar significativamente a saúde da população. No entanto, os esforços da comunicação em saúde, embora bem intencionados, muitas vezes não envolvem as pessoas para mudar o comportamento dentro dos complexos contextos de suas vidas.15 O Portal Estilo de Vida Saudável, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cadastrado no endereço eletrônico www.saude.br, é de livre acesso a todos os usuários de internet e tem 11 parceiros institucionais; visa à construção e à disseminação do conhecimento sobre estilo de vida saudável, sendo a primeira página eletrônica não comercial em português que promove divulgação de informações, participação e interação dos usuários, sugestões de links, leitura de artigos científicos e divulgação de eventos relacionados com estilo de vida saudável. A proposta do Portal é ser uma fonte de construção de conhecimento, englobando as áreas de alimentação saudável e prática de atividade f ísica, contribuindo para a prevenção de DCNT. O Portal Estilo de Vida Saudável foi disponibilizado para os usuários da internet em abril de 2008. Foi desenvolvido em linguagem HTML (http://www.w3c.org) e PHP (http://www.php.net/) e está hospedado em um servidor Linux da rede Unifesp. Em 35 meses (até fevereiro de 2011), recebeu a média mensal de 142 acessos internos (rede Unifesp) e 1.817 acessos externos. Cadastraram-se como membros da comunidade Estilo de Vida Saudável 810 usuários, com o seguinte perfil profissional: 34,8 são nutricionistas; 13,7 profissionais da área da saúde; 16,4 profissionais que não são da área da saúde; 18,1 estudantes da área da saúde; 11,1, estudantes de outras áreas; e 3,5 não informaram a profissão. São originários, em sua quase totalidade, da região Sudeste (75,1) e 9 membros são I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 135 do exterior (1,1). De todos os membros cadastrados, 90,5 são do gênero feminino e 61,7 têm idade inferior a 30 anos. Nesse período, foram publicados no site 107 matérias (atualidades e notícias) e 10 vídeos e também foram realizados diversos sorteios. A fim de incentivar o frequente acesso ao Portal Estilo de Vida Saudável, são enviados informativos mensais, com os principais temas abordados no site no mês vigente. Todas essas estratégias foram adotadas visando a difundir conteúdos que estimulem o estilo de vida saudável e a promover a incorporação do maior número possível de participantes. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Disponível em: http://portal.saude. gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=31877&janela=1>. Acessado em: 14/3/2011. 2. 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[banco de dados na internet] IDB – Indicadores e Dados Básicos – Brasil 2003. Indicadores de mortalidade: taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho cir- 136 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 culatório. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2005/ c08.def. Acessado em: 1/2/2009. 7. Botrel TEA, Costa RD, Costa MD, Costa AMD. Doenças cardiovasculares: causas e prevenção. Cardiovascular diseases: etiology and prevention. Rev Bras Clín Ter 2000; 26(3):87-90. 8. Leavell H, Clark EG. Preventive Medicine for the Doctor in his Community. Nova York: Mc Graw-Hill, 1965. 9. Buss PM. Promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Cad Saúde Públ 1999; 15(2):177-85. 10. Organização Pan-Americana de Saúde. Saúde Coletiva. Documentos Referenciais Básicos. Cartas. Carta de Ottawa. Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. Ottawa, 1986. 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Orientação Nutricional de crianças e adolescentes e os novos padrões de consumo: propagandas, embalagens e rótulos. Rev Paul Pediatr 2009; 27(1):99-105. 16. Neuhauser L, Kreps GL. Rethinking Communication in the E-health Era. J Health Psychol 2003; 8(1):7-23. I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 17. 137 Halpern G. Comerciais veiculados em programação infanto-juvenil de canais abertos de TV e sua relação com escolha de alimentos em amostra de escolares. [Tese de Doutorado]. São Paulo: Unifesp, 2003. 18. Leiner B. A brief history of the Internet. version 3.314. Disponível em: http:// www.isoc.org/internet-history/brief.html#Introduction. A M Í D I A E A A L I M E N TAÇ ÃO I N FA N T I L Clóvis de Barros Filho Martin Fabius Alcover de Barros I N T R O D U Ç ÃO A mídia é tema da agenda pública e questão política candente. Regulamentar a atuação de seus profissionais implica conhecer com alguma precisão tudo de mal que se pretende evitar, discernir a extensão dos efeitos sociais da mídia supostamente indesejáveis. O discurso sobre a mídia oscila entre a apologia ingênua e o denuncismo ressentido.1 O que mais chama a atenção é que nem uns nem outros demonstram saber ao certo até onde a mídia impacta a sociedade com suas mensagens. Na discussão sobre a regulamentação da atividade jornalística, a implementação de uma comissão reguladora enfrenta os arautos da liberdade de imprensa. No caso da publicidade, o discurso do campo parece legitimar a atuação de um mecanismo autorregulatório de sua produção. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estaria autorizado pelos agentes do campo a dar uma solução aos problemas éticos da produção publicitária. Controlado por publicitários, o Conar decidiria, caso a caso, sobre o certo e o errado, o aceitável e o inaceitável, o dizível e o indizível nas mensagens publicitárias. 140 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Cabe aqui uma advertência: a legitimidade de tal instituição junto aos agentes do campo pode autorizá-la a regulamentar relações e julgar conflitos entre esses agentes – questões internas, portanto. Todavia, as questões éticas mais graves envolvendo a prática publicitária não dizem respeito a eventuais conflitos entre publicitários, porque a publicidade é a mensagem que atinge toda a sociedade. É com o corpo social global que o publicitário se relaciona prioritariamente; por isso, deixar aos publicitários a prerrogativa da decisão sobre os limites de sua própria atuação – na relação que mantêm com a sociedade como um todo – é desrespeitar o princípio da terceridade da justiça; é entregar as chaves do galinheiro à raposa; é presumir altruísmo e abnegação incompatíveis com o mundo da técnica, com a lógica do capital e com os rigores da competição no mercado para o qual trabalham.2 Este capítulo destaca alguns aportes científicos, apresentados no campo da comunicação, sobre os efeitos sociais da mídia – aportes que pretendem oferecer fundamento científico às reflexões sobre a eventual pertinência de um controle ou de regulamentação da atividade publicitária. RESPONSABILIDADE DA MÍDIA SOBRE O AGENDAMENTO Os meios de comunicação agem sobre a sociedade, e o leitor sabe disso. O senso comum não se cansa de denunciar. As pessoas repetem expressões apreendidas da fala de alguma personagem, compram coisas sugeridas pela publicidade, discutem fatos noticiados pelo jornalismo, gastam tempo e energia para fundamentar suas opções de “paredão” em reality shows e assim por diante. Ora, no momento de refletir sobre a mídia, nada mais normal que se parta do caso que se conhece melhor: o seu próprio. Seu apreço por Ana Maria Braga, Luciana Gimenez, Gugu, Chico Lang, Faustão, Galvão Bueno, Pedro Bial e outros ícones da telinha. Além da própria experiência, percebe-se que outras pessoas, com quem se interage, fizeram o mesmo, acompanharam a mesma transmissão, os mesmos programas e as mesmas publicidades e, portanto, encontram-se aptas a conversar a respeito do mesmo cardápio temático. I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 141 É possível constatar que essas conversas versam sobre notícias do Jornal Nacional, que o William Bonner abastece seus papos – esse é o seu caso particular. Outra coisa é aprender que, para além de tais conversas, na sociedade da qual se faz parte, os temas mais tratados pelos meios de comunicação são, com recorrência, os mais discutidos pelas pessoas em geral: que os meios impactam a sociedade, que a maneira como isso acontece interessa aos cientistas, que muitas pesquisas pelo mundo procuram dar conta desses efeitos.3 Por exemplo, pesquisas que relacionam o que é veiculado pelos meios e o que é discutido pela sociedade constataram que os assuntos mais presentes nos meios de comunicação também são os mais abordados nas conversas entre as pessoas. O professor Maxwell McCombs da Universidade do Texas nomeou essa relação de agenda setting.4 Essa denominação foi conservada em inglês em quase todos os países que estudam a mídia. Mas do que se trata exatamente? Afinal, que agenda é essa? O leitor, quando se fala em agenda, tem o direito de pensar em uma forma mais primitiva (em papel) ou mais atual (no computador) de registrar seus compromissos vindouros. Talvez também passe pela sua cabeça inscrever ordenadamente números de telefone, endereços e e-mails. Pois bem, a agenda de que se trata aqui é outra. Trata-se de um conjunto de temas sobres os quais se conversa. Esses temas, em inglês, são issues. Assim, a agenda da mídia é uma maneira pomposa de designar a reunião dos temas abordados pelos meios de comunicação, e a agenda pública, por sua vez, refere-se aos temas discutidos pelos agentes sociais fora dos meios de comunicação.5 Por exemplo, não poderia haver estranheza se, na época da queda do avião da Air France – voo Rio-Paris –, um desconhecido propusesse um diálogo afirmando que não deve ser nada fácil passar 11 minutos em queda livre dentro de um avião e, por fim, cair no oceano, de madrugada. E seria compreensível que alguém argumentasse, mesmo sem nunca ter visto aquele interlocutor, que muito provavelmente, no momento do 142 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 encontro com a água do oceano, todos já estivessem mortos ou inconscientes. Afinal, esse tema, naquele momento, estava autorizado. Era conversável por qualquer um. Era, sem dúvida, um tema da agenda pública. Os meios de comunicação facultam essa possibilidade. Sem eles, de fato, não haveria como se falar de agenda pública. O espaço em que seus temas podem ser discutidos é, rigorosamente, qualquer lugar. Um espaço estilhaçado, onde a copresença não se faz mais necessária, em que a presunção de discutibilidade dos temas públicos se deve não mais ao lugar em que são discutidos, mas ao pertencimento a uma zona de influência midiática que faculta e promove laços sociais a respeito das mensagens que enuncia. Por isso, diz-se que a agenda dos meios determina a agenda pública.6 No termo consagrado agenda setting, o verbo setting está no gerúndio to set. Significa fixar, estipular, determinar. Seria possível, assim, traduzir agenda setting por fixação, imposição ou determinação da agenda; ou, simplesmente, por agendamento. Desse modo, de acordo com a hipótese do agendamento, a agenda pública, discutida pelas pessoas em sociedade, é determinada pelos meios de comunicação.A Por que esse assunto interessa a uma reflexão ética sobre a mídia? Ora, o leitor imagina que os profissionais que trabalham na produção das mensagens por ela veiculadas poderiam agir de maneira diferente do que fazem, propor outras mensagens, escolher outros temas. No caso do jornalismo, a aplicação de critérios propriamente jornalísticos permite a conversão de alguns fatos em notícia; no caso da publicidade, a utilização de algumas técnicas criativas consagradas. Contudo, outros fatos ou técnicas poderiam merecer tal honra se novos critérios fossem adotados, de tal maneira que, se a sociedade conversa sobre os assuntos que conversa, discute sobre as questões que discute e, em última instância, interage em torno dos temas que interage, é porque esses profissionais agem de certa forma e não de modo diferente. Em outras palavras, as escolhas midiáticas produzem consequências importantes na constituição do tecido social, na organização dos espaços de socialização, e devem, então, ser responsáveis por isso. I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 143 A mídia é, portanto, responsável por determinar o agendamento da sociedade, o que inclui a publicidade.B O conteúdo da publicidade é veiculado lado a lado à programação. Às vezes, ela está até inserida na programação. É normal, então, que foliões discutam o comercial da cerveja na época do Carnaval, assim como é normal que crianças discutam sobre o lançamento de bolinho que traz consigo duas tatuagens do Homem Aranha 3.C O agendamento não esgota a ação da mídia sobre a sociedade, é só o seu princípio mais rudimentar. Além de impor temas de discussão, os meios tendem a agir sobre as opiniões que as pessoas têm sobre esses temas, os valores que são atribuídos aos diferentes pontos de vista. Por isso, além de ensinar sobre o que falar, os meios também oferecem opiniões legítimas a serem adotadas, ou seja, ensinam às pessoas sobre o que falar. O P I N I ÃO P Ú B L I C A E A E S P I R A L D O S I L Ê N C I O A espiral do silêncio, assim como a agenda setting, é uma hipótese científica de sucesso, discutida em congressos, explicada em manuais e ensinada a todos que estudam opinião pública, incluindo os estudiosos da mídia, aos quais se juntam os interessados em psicologia social, investigadores da influência do coletivo sobre os comportamentos individuais. A espiral do silêncio, modelo proposto por Elisabeth Noelle-Neumann8, resulta de exaustivas pesquisas sobre o comportamento eleitoral da sociedade alemã. Para explicá-lo, responde-se a duas perguntas: por que “silêncio” e por que “espiral”? Começa-se pelo silêncio. Por que, então, essa espiral é do silêncio? Afinal, a que silêncio se está fazendo referência? Quem se cala? E por quê? Segundo o modelo da espiral do silêncio, as pessoas não se manifestam sobre certos assuntos por medo. Mas medo de quê? De se sentirem isoladas, de se darem conta de que outros não pensam, não sentem e não agem como elas. Nos espaços de interação infantil e adolescente, esse medo é potencializado pela maior contundência das punições a eventuais desalinhamentos de comportamento.9 144 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Para não sentir esse medo, procuram-se no outro coincidências com os próprios pontos de vista, opiniões, critérios éticos, etc. Adotam-se estratégias de aproximação, de pertencimento; evita-se destacar as discrepâncias e evidenciar a discórdia. Evita-se, assim, expressar opiniões que, supõe-se, não coincidam com as opiniões dominantes. O modelo de Noelle-Neumann garante que esse acanhamento advém da busca de adequação que as pessoas sempre empreendem, entre suas opiniões e as que julgam dominantes no universo em que estão circulando. Não cabe perguntar se, de fato, cada um pensa no que diz pensar. Jamais será possível saber ao certo. Assim, quando se vota em alguém execrado por corrupção, não vem ao caso nesse exame saber se deixou de gostar de fato do candidato; o que importa é que, na hora de tomar posição a respeito, cada um opera um cálculo de adequação complicado entre as próprias crenças e os discursos que observa em circulação por onde passa. Havendo incompatibilidade, o jeito é ficar calado. Mas o que permite a cada pessoa essa adequação entre suas manifestações e a tal opinião dominante? Essa adequação pressupõe que se conheça essa opinião dita dominante, ou melhor, que se acredite ter uma noção clara do que pensa a maioria sobre os temas a respeito dos quais se vai fazer algum posicionamento. Se não houver essa noção, talvez se possa respeitar, com menos medo, a espontaneidade dos pontos de vista. Para que se tenha medo do isolamento, é preciso que a opinião dominante chegue até si. Essa impressão que se tem do que se pensam sobre os outros Noelle-Neumann chama de “clima de opinião”, a partir do qual as pessoas se ajustam. Ora, como saber o que pensa a maioria da sociedade – a tal opinião dominante – se não se conhece, muitas vezes, o que pensam as pessoas que moram dentro de casa? Fica evidente que não pode ser pelo contato direto, perguntando a cada um dos que circulam nesse universo. Sobretudo porque alguns dos temas sobre os quais é preciso se manifestar transcendem a sociedade, são de âmbito internacional. A pergunta permanece: o que ajudaria a dispor de um clima de opinião sobre os temas da agenda pública sem ter um instituto de pesquisa atrelado I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 145 o tempo todo? A resposta não poderia ser outra. Os meios de comunicação fornecem muito do que se precisa para se viver em sociedade e ajustar os pontos de vista assumidos ao que supostamente pensa o coletivo. Sobre o silêncio já se falou bastante – talvez seja melhor mesmo calar –, mas ainda resta entender o que a autora quis dizer com espiral. O que justifica o recurso da alegoria geométrica? O leitor se lembrará das aulas do ensino médio e terá diante de si um caderno, possivelmente espiralado. A espiral da geometria caracteriza-se por não ter fim nem começo, talvez como os processos sociais e discursivos de definição de uma sempre mutante opinião pública. Imagina-se a seguinte situação: os meios de comunicação, diante de um escândalo político, constroem uma imagem desfavorável de seu protagonista. Essa imagem será dominante no universo social consumidor dos produtos desses meios, mas isso não impede que haja, nesse universo, vozes discordantes. Elas serão minoritárias. Haverá, no entanto, uma tendência ao silêncio entre os membros desse grupo minoritário. Quando parte desse grupo se cala, a opinião discordante, que já era minoritária, torna-se ainda mais minoritária. O número de silentes será, portanto, maior. Aqueles que ainda persistirem, exprimindo-se favoravelmente ao político, terão de suportar um ônus social crescente em suas tomadas de posição, estarão cada vez mais isolados e não encontrarão quem lhes dê apoio. Muitos fatores incidem sobre as tomadas de posição pública e, consequentemente, sobre o fenômeno da espiral do silêncio. A seguir, dois deles são destacados: o medo do isolamento e a competência específica do agente social para manifestar-se sobre este ou aquele tema. O ser humano tem horror ao isolamento opinativo. Sustentar uma opinião contrária à da maioria traz desconforto. Esse medo é generalizado e comprovado por estatísticas. Para evitar tal isolamento, é preciso intuir qual é a opinião dominante. Só a percepção relativamente aguda do que pensam os demais e em qual sentido se deslocam essas opiniões permite ao ser humano manifestar-se em sociedade sem suportar o ônus da reprovação de seus pares.7 146 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Esse medo do isolamento, segundo Noelle-Neumann, determina o minguamento progressivo das opiniões dominadas quando confrontadas com opiniões majoritárias. No entanto, deve-se observar que esse medo se manifesta nos atores sociais de maneiras distintas. Nem sempre o indivíduo que sustenta uma opinião minoritária se cala. Um dos fatores que condiciona essa tomada de posição pública é a competência específica para abordar os temas em discussão, ou seja, os temas de agenda pública. Sobre temas da agenda privada todos falam. A forma das intervenções varia, mas os temas que dizem respeito à vida privada de cada um são tratados em circuitos de relações mais ou menos abrangentes. Por isso, a questão a que se faz referência aqui diz respeito a temas da agenda pública. Essa limitação temática torna os meios de comunicação um fator decisivo na construção e imposição da opinião dominante. Se, como se viu, são os meios que oferecem o menu temático comum, são também os que têm prerrogativa de indicar qual é o enfoque a ser dado a cada um desses temas. No entanto, mesmo na discussão de assuntos políticos, por exemplo, outros fatores, além da opinião da mídia, influenciam uma possível manifestação pública. A competência específica reconhecida para abordar o tema é um deles.10 A maior disposição para que um indivíduo se manifeste e exiba sua opinião diante de outros sobre um tema político dependerá de sua maior ou menor familiaridade no manejo desses temas. Essa familiaridade, por sua vez, está vinculada ao grau de politização. Quanto maior o grau de politização, maior a tendência a uma manifestação política sobre um tema político. Esse grau de politização envolve um conjunto de elementos cognitivos, avaliativos e afetivos. Quando o tema abordado é a opinião de crianças, pode-se dizer que poucas teriam a legitimidade para manifestar-se. Levando em consideração que a construção identitária de um indivíduo ocorre aos poucos, compreende-se que, nesse período da vida, o indivíduo possui a identidade pouco sólida. Isso faz com que a opinião da mídia seja determinante para a tomada de posição da criança. Em paralelo a isso, a I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 147 criança está em plena construção de valores sobre o mundo, o que a torna mais influenciável e, portanto, a publicidade de produtos para crianças tem maior chance de ser uma opinião dominante. MÍDI A E IDEOLO GI A Até o desenvolvimento da mídia (impressa e eletrônica), a publicidade de um indivíduo ou de um tema era ligada ao compartilhamento de um lugar comum; afinal, ela dependia da presença f ísica do receptor, uma vez que era realizada essencialmente por meio da interação face a face. Para que se pudesse tornar pública uma ideia – algum tipo de ideal político, por exemplo –, era preciso ter à volta pessoas capazes e dispostas a escutar o que se tinha a dizer. Diante disso, seu caráter era essencialmente dialógico, com os indivíduos falando ou representado uns diante dos outros, argumentando e participando ativamente do debate acerca do tema discutido. Após o desenvolvimento dos meios de comunicação, novas formas de publicidade foram criadas além da copresencial. Ações e eventos passaram a se tornar públicos pela gravação e transmissão distantes do tempo e do espaço de suas ocorrências, o que se deu, sobretudo, com o surgimento das comunicações eletrônicas. Com o advento da televisão, por exemplo, passou-se a ter acesso à imagem audiovisual daquele jogo de futebol que não se pode ver ao vivo. Essas novas formas de publicidade, evidentemente, não substituíram por completo a tradicional, já que ainda existem encontros públicos, demonstrações de massa, etc. No entanto, de qualquer modo, ela passou a ser uma das mais importantes formas de publicidade atuais – publicidade que tem características um pouco distintas da tradicional. Em primeiro lugar, porque ela é menos dialógica. A possibilidade de o receptor intervir na programação televisiva, por exemplo, é muito menor do que em um diálogo. Em segundo lugar, porque as ações e os eventos publicizados – sobretudo pela televisão – são visíveis para um número muito maior de pessoas. E, em terceiro lugar, porque fenômenos que ocorrem em contextos muito distantes passaram a também ser visíveis. Em 148 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 quarto e último lugar, porque a direção da visão é praticamente de sentido único. Quando se assiste ao Jornal Nacional, pode-se ver a Patrícia Poeta e o William Bonner, mas eles não podem ver os espectadores. Assim, pode-se dizer que o desenvolvimento da mídia criou uma nova forma de publicidade, proporcionando, com isso, um tipo de visibilidade bastante diferente daquele tradicional de copresença.11 Isso, sem dúvida, alterou significativamente as condições sob as quais o poder político é exercido. Foram diversos os desdobramentos dessa transformação, porém o foco principal deste capítulo não é esse, e, sim, como essa visibilidade é administrada pelos meios de comunicação e como essa administração pode entrecruzar-se com as relações de dominação existentes na sociedade atual. Os meios de comunicação podem controlar a visibilidade de determinados assuntos de muitas formas. A principal delas é ocultando-os. Bourdieu, em seu clássico sobre a televisão, tece uma fina reflexão acerca de como esses meios ocultam muitos assuntos importantes, os quais, em suas palavras, seria preciso mostrar. Ocultam de maneira paradoxal, mostrando. Mas como exatamente? Mostrando outra coisa em seu lugar ou, ainda, mostrando esses assuntos de modo que sejam vistos como algo insignificante ou como algo muito diferente da realidade. Se os meios de comunicação de massa podem estabelecer e sustentar relações de dominação ao dar espaço para determinadas questões em detrimento de outras, como se viu, eles também podem fazer o mesmo por meio do conteúdo veiculado por suas mensagens, isto é, configurando as mensagens de tal e tal forma, mobilizando este ou aquele sentido. Como se verá a seguir, para algumas teorias, o receptor é mero espectador passivo, que absorve indiscriminadamente o que se passa diante dele, uma espécie de receptáculo das mensagens midiáticas, esponja que tudo absorve. Muitas das primeiras teorias da comunicação seguem esse viés. Embora seu valor heurístico seja reconhecido, pode-se crer que essas teorias são limitadas e caem naquilo que Thompson11 chamou de “mito do receptor passivo”. I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 149 Ao analisar o desenvolvimento dos meios de comunicação, Thompson observa que eles possibilitaram a produção, a reprodução e a circulação das formas simbólicas – expressões linguísticas, obras de artes, anúncios publicitários, gestos, ações, etc. – em uma escala antes inimaginável. Em suas palavras (p. 12), “vivemos, hoje, em sociedades onde a produção e recepção das formas simbólicas é sempre mais mediada por uma rede complexa, transnacional, de interesses institucionais”. Nunca antes na história houve a possibilidade de acesso a tantas formas simbólicas. Compõe-se hoje uma audiência extensa e potencialmente ampla, dispersa no tempo e no espaço e que, por conseguinte, amplia significativamente o raio de operação da ideologia, campo de análise que parece permanecer central para a compreensão de como, ainda que sejam ativas na recepção das mensagens midiáticas, as pessoas são, em algumas ocasiões, subjugadas por elas. Thompson11, ao analisar a história dessa disputa, distingue dois tipos gerais de concepção de ideologia: a neutra e a crítica. A primeira delas foi desenvolvida por autores como Destutt de Tracy, Lênin, Mannheim (em sua formulação geral da concepção total de ideologia) e Lukács, e compreende a ideologia como “um aspecto da vida social (ou uma forma de investigação social), entre outros, não [sendo] nem mais nem menos atraente ou problemático do que qualquer outro” (p. 72). Assim, dessa perspectiva, um fenômeno considerado ideológico não é necessariamente enganador ou ilusório nem precisa estar ligado aos interesses de um grupo particular. Por exemplo, quando se fala que a ideologia de um partido político é incompatível com a de outro, assume-se uma concepção neutra de ideologia. Afinal, nesse caso, o termo não denota necessariamente algo bom ou ruim, refere-se apenas à visão de mundo do partido em questão, ao seu ideário político. A concepção crítica de ideologia, por sua vez, foi desenvolvida, entre outros autores, por Napoleão, Marx e Mannheim (em sua concepção restrita de ideologia), e imputa aos fenômenos caracterizados como ideológicos um criticismo implícito ou sua própria condenação. Nas palavras de Thompson (2000, p. 73), “concepções críticas são aquelas que 150 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 possuem um sentido negativo, crítico ou pejorativo”. Assim, dessa perspectiva, todo fenômeno ideológico é enganador, ilusório e/ou parcial. Quando se fala que tal discurso não é científico, mas ideológico, assume-se uma concepção crítica de ideologia. Afinal, nesse caso, o termo está sendo empregado pejorativamente. Ao considerar o papel do contexto de produção, circulação e recepção das formas simbólicas na análise da ideologia, Thompson enfoca, sem dúvida, a participação ativa do sentido na constituição da realidade social, além de também enfocar seu caráter indeterminado, o que quer dizer que o sentido não é alguma coisa acabada, previamente determinada pela mensagem que o mobiliza, mas alguma coisa viva, em negociação, que depende também dos processos seletivos de recepção descritos no tópico anterior. Com isso, o autor abre a possibilidade de se pensar as mensagens mediáticas como potenciais estruturadores das relações de dominação, ainda que as pessoas sejam receptores ativos. Mas de quais relações de dominação se está falando propriamente? De qualquer uma. Seja de gênero, de idade, de raça, de classe, etc. Afinal, outra vantagem analítica da concepção de ideologia em questão é o fato de ela não colocar a ideologia como necessariamente dependente das relações de dominação de classe. Pelo contrário, ela se caracteriza justamente por uma abertura à análise da força simbólica de outras formas de dominação, derivadas ou não das relações de produção. Com isso, pode-se discutir ideologia na produção midiática sem, no entanto, reduzi-la a mero reflexo das estruturas econômicas e sociais. Isso decorre do fato de Thompson partir de uma teoria social que, embora confira importância à luta de classes na análise das sociedades contemporâneas, considera centrais também outros conflitos estruturais, não os condicionando necessariamente às contradições entre o trabalho e o capital. Se no campo jornalístico o discurso da objetividade pode ser interpretado como uma ideologia, no campo publicitário, o mesmo ocorre com o discurso acerca da criatividade. Esta é habitualmente vista pelos publicitários como uma abertura para uma potencialidade esquecida I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 151 ou reprimida. A ideia de que qualquer pessoa pode ser criativa, de que a criatividade está aberta a qualquer um, é quase uma unanimidade no discurso desses profissionais. Então, se todos podem ser criativos, por que não são de fato? Trata-se de uma pergunta capciosa, mas prontamente respondida por José Predebon, publicitário e professor de criação: porque a criatividade possui inimigos. Entre os principais, estão a acomodação, a miopia estratégica, o imediatismo, a timidez, a insegurança, a prudência, o desânimo e a decepção. Assim, uma pessoa criativa seria aquela que consegue combater esses inimigos, dando vazão a suas pulsões criativas. Sem dúvida, ao retratar a criatividade, o autor, assim como a maioria dos publicitários, assume uma perspectiva idealista. Não só porque a interpreta como uma potência universal, como uma entidade escondida ou recalcada nos porões da mente, mas também porque a interpreta como algo intrínseco às coisas do mundo, às suas produções. Afinal, imputa a elas um valor criativo interno, como se houvesse produções criativas de maneira intrínseca, independentemente de um agente assim as classificar. Desse modo, o anúncio criativo conteria valores, os quais estariam nas próprias mensagens que veiculam, em suas imagens e textos, bem como na relação entre ambos os valores passíveis de serem reconhecidos. Equívoco idealista. Inversão de realidade, ao menos da perspectiva materialista. Afinal, sob essa última perspectiva, o valor não pode estar nas próprias coisas. O real não diz o que vale, diria Comte-Sponville. Um anúncio, então, não pode conter valores, ser intrinsecamente bom ou ruim. Em consequência, não se reconhecem valores em um anúncio, mas atribuem-se valores a ele. Um anúncio é inovador e estética e culturalmente relevante porque assim é classificado, e não o contrário: é inovador e estética e culturalmente relevante, portanto, é assim classificado. Assim, um mesmo anúncio pode provocar reações completamente distintas. Os anúncios de cerveja, por exemplo, costumam agradar aos homens, aumentar sua potência de existir, elevar seu conatus. Afinal, apresentam mulheres bronzeadas, alegres e cheias de vida, trajadas 152 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 em minúsculos biquínis, exibindo a volúpia de seus corpos e uma deliciosa “gelada” em suas mãos. No entanto, os mesmos comerciais costumam provocar a ira das feministas, mulheres não tão bronzeadas assim, nem sempre tão alegres e cheias de vida. Afinal, na visão delas, tais comerciais reforçariam a concepção machista de mulher-objeto, a concepção de que a mulher não passa de um produto a ser consumido, um produto entre outros, um produto mercantilizado e banalizado. Não é necessário dizer que as palavras e a forma de se expressar carregam em si uma carga ideológica capaz de atingir mais um determinado público do que outros. A publicidade de biscoito que leva em sua embalagem o personagem favorito de uma criança vai convencê-la muito mais do que a seus pais. A publicidade vai alavancar o conatus da criança, vai extasiá-la, fazendo com que sua felicidade dependa da obtenção ou não do objeto desejado. Parece ficar claro que o valor de qualquer anúncio é sempre uma atribuição, que um comercial simplesmente é, não guardando nenhum valor (positivo ou negativo), intrínseco, e que, se possui valor criativo, é porque assim alguém os valorou. Mas se a perspectiva idealista da criatividade constitui evidentemente uma ilusão, por que ela constituiria uma ideologia? Porque no campo publicitário a criatividade é um bem, algo que possui utilidade, que pode ser acumulado e tem o poder de se reproduzir. Um capital, portanto, simbólico, de maneira mais específica, pois confere a seus detentores a autoridade profissional ao ser reconhecido como criativo e talentoso por seus colegas. Um profissional da publicidade adquire entre eles um prestígio que pode lhe trazer uma série de outros benef ícios, inclusive financeiros. Quando o Festival Internacional de Publicidade de Cannes premia determinados comerciais, estabelece, em certa medida, as diretrizes da boa publicidade. Diretrizes que, sem dúvida, possuem implicações políticas. Afinal, têm o poder de alçar comerciais premiados à condição de criativos eficientes, trazendo, em resultado, prestígio e reconhecimento para seus produtores – prestígio que pode, portanto, converter-se em lucro. I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 153 Dessa forma, ao interpretarem a criatividade como uma potencialidade universal, como uma entidade pronta a ser acessada, os profissionais da publicidade acabam servindo aos interesses daqueles que possuem mais poder nesse espaço. Afinal, essa interpretação coloca a criatividade como determinação do agente – determinação de uma subjetividade discriminada capaz de atualizar tal potência – em vez de apreendê-la como uma determinação de um espaço social estruturado de maneira objetiva. Com isso, o sucesso ou fracasso de um anúncio, sua consagração ou não, acabam sendo atribuídos ao próprio profissional que o produziu – sua competência e habilidade em saber trabalhar ou não com a potência criativa que supostamente possui –, e não aos interesses de quem assim o classificou. Isto é, aos interesses daqueles que dominam seu espaço de produção. Isso faz com que a estratégia utilizada pelas agências para se comunicarem com as crianças, fique de certa forma, consagrada. As empresas, portanto, reproduzem esse tipo de medida que permanece ao longo dos tempos. Voltando à implicação ética da comunicação, poderia ser diferente. C O N C LU S Õ E S Neste capítulo, foram apresentadas três formas imbricadas de interação da mídia com os agentes sociais: a agenda, a opinião e a ideologia. Denunciou-se a incipiência das pesquisas na área, em especial no que diz respeito ao público infantil. A sociedade lamenta. O trabalho universitário é essencial para que os embates políticos sobre a normatização da atividade publicitária tenham fundamento científico e se afastem das especulações e achismos de aventureiros interessados. Afinal, no desequilíbrio entre o capital e qualquer outro ideal, só evidências científicas irrefutáveis no momento podem converter-se em argumentos de proteção aos despossuídos. 154 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Eco U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2006. 2. Bourdieu P. Il n’y a pas d’actes désinteressé. In: Coisas ditas. São Paulo: Ática, 2004. 3. Wolf M. Teorias da comunição de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 4. Mccombs M. Public opinion quarterly. An agenda setting function of the media, 1971. 5. Barros Filho C. Ética na comunicação. São Paulo: Summus, 2008. 6. Barros Filho C. Agenda setting na educação. Rev Com Edu 1995; 5. 7. Barros Filho C. A publicidade como suporte pedagógico: a questão da discriminação por idade na publicidade da Sukita. In Famecos. Revista do Curso de Pós-graduação da PUCRS 2001; 16:122-35. 8. Noelle Neumann E. The social skin. Chicago: University of Chicago Press, 1993. 9. Piaget J. 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Os programas de pós-graduação em comunicação poderiam consagrar em suas linhas de pesquisa um espaço para essa relevante produção. R E G U L A M E N TAÇ ÃO V E R SU S AU TO R R E G U L A M E N TAÇ ÃO João Lopes Guimar ães Júnior A necessidade de restringir a publicidade de alimentos dirigida às crianças vem sendo debatida em todo o mundo por especialistas em nutricionismo e saúde pública, preocupados em reverter o problema da obesidade infantil a partir da constatação de que uma política pública séria não pode ignorar o impacto de estratégias de marketing cada vez mais agressivas adotadas pelas empresas para seduzir esse público. As razões que mobilizam as iniciativas no sentido da regulamentação da publicidade de alimentos não saudáveis para crianças baseiam-se nas seguintes constatações: • a obesidade, nas décadas recentes, evoluiu e se tornou um dos mais graves problemas mundiais de saúde pública, como resultado de profundas mudanças de hábitos alimentares e da adoção de estilos de vida sedentários; • as autoridades sanitárias devem conceber e implementar uma política pública ampla e eficiente, que atinja não apenas os efeitos, mas também as causas da obesidade, uma vez que “a saúde é direito de todos e dever do 156 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença” (Constituição Federal, Art. 196); • é impossível combater a obesidade sem promover a reeducação alimentar;. • a preocupação com a adoção de uma dieta saudável, que impeça o consumo excessivo de alimentos ricos em açúcar, sódio e gordura, deve começar na infância, em um esforço para reverter o alarmante aumento da obesidade entre as crianças e evitar agravos sanitários precoces; • a publicidade de alimentos dirigida ao público infantil exerce influência significativa nos hábitos alimentares das crianças, constituindo, assim, um fator importante para o agravamento de um problema de saúde pública, uma vez que estimula o consumo de produtos de baixo valor nutricional. O enfoque na proteção da saúde das crianças precisa ser ressaltado diante da reação de setores cujos interesses econômicos podem ser atingidos, os quais argumentam que restringir publicidade significaria violar os direitos à livre iniciativa e à liberdade de expressão. A estratégia dos lobbies que atuam contra a regulamentação consiste em desviar indevidamente o debate para um suposto conflito ideológico – liberalismo versus intervencionismo –, com espaço para argumentos ad terrorem sugerirem uma interferência paternalista, abusiva e arbitrária do Estado na vida dos cidadãos. A retórica diversionista de lobbies que colocam seus interesses corporativos acima de interesses sociais procura, estrategicamente, evitar a questão de fundo: como negar a legitimidade da intervenção estatal na economia quando se trata de proteger a saúde de crianças diante de um problema grave e concreto? Vale lembrar que o Brasil e diversos outros países de grande tradição democrática possuem, há muito tempo, legislação que restringe intensamente atividades econômicas consideradas de algum modo lesivas à saúde pública. A criminalização do comércio de entorpecentes, a restrição à venda de psicotrópicos e a proibição da publicidade de cigarros são apenas alguns exemplos bem conhecidos de I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 157 estratégias de políticas públicas que autoridades sanitárias adotaram em várias partes do mundo – não para eliminar o capitalismo ou as liberdades individuais, mas para proteger a saúde pública. Nesse contexto, a reação alarmista contra a regulamentação só se explica como desespero de quem quer que interesses privados prevaleçam sobre interesses públicos. É lembrado aqui que muitas das maiores empresas alimentícias têm reconhecido a gravidade do problema e vêm assumindo, voluntariamente, o compromisso de não veicular publicidade de produtos não saudáveis para as crianças. Essa é a responsabilidade social esperada dos agentes econômicos, com a consciência de que a livre iniciativa deve assegurar a todos existência digna, observado o princípio da defesa do consumidor, como prevê o Art. 170 da Constituição Federal. O filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873) estabeleceu um dos princípios que fundamenta o liberalismo, inclusive a liberdade de expressão. O Princípio do Dano fixa condição para que a interferência estatal sobre a liberdade humana seja aceitável na conhecida fórmula: “o único propósito pelo qual pode ser exercido com pleno direito o poder sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra a vontade deste, é o de prevenir o dano a outros”. A imposição de restrições às empresas na veiculação de publicidade que pode estimular hábitos alimentares não saudáveis legitima-se, segundo essa lógica, na prevenção de danos às crianças. Além disso, se por lei as crianças “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil”, não deveriam ser alvo de indução ao consumo por meio de estratégias que se aproveitem da sua deficiência de julgamento e experiência, proibidas pelo Center for Disease Control (CDC). Havendo, como efetivamente há, razões legítimas para a regulamentação da publicidade de alimentos pelo Estado, no contexto de política pública sanitária, a sociedade não deve se contentar com a autorregulamentação, isto é, a restrição interna corporis ditada pelo próprio mercado. 158 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 É certo que a publicidade comercial vai muito além da mera veiculação de informação. É inegável seu propósito imperativo: ela existe para persuadir o público, para instigar o consumo de determinados bens e serviços, para interferir na vontade dos destinatários de suas sofisticadas mensagens, para causar repercussão no comportamento das pessoas. É por isso que os próprios publicitários, por meio do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, definem publicidade como “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias” (Art. 8º) e reconhecem que “a publicidade exerce forte influência de ordem cultural sobre grandes massas da população” (Art. 7º). Mas qual é o limite ético e legal para as mensagens e estratégias publicitárias dirigidas ao público infantil? Até que ponto é lícito, para as empresas, “estimular o consumo de bens e serviços” e “exercer forte influência de ordem cultural” sobre massas de crianças por meio da publicidade? O que dizer quando essa influência é determinante na promoção de hábitos alimentares prejudiciais à saúde infantil? A ética publicitária é insuficiente para a proteção de todos os valores da sociedade brasileira. Embora o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) mereça todo o respeito, deve ser visto pelo que é: uma entidade corporativa que jamais se colocará contra interesses econômicos do mercado publicitário. Em uma sociedade plural e democrática, todos os setores devem se submeter a controle externo, especialmente quando se trata de observar interesses e valores protegidos pela Constituição. Essa regra deve valer também para o mercado publicitário, cuja atividade influencia fortemente o comportamento social. A importância da publicidade é inegável para a dinâmica de uma economia baseada na livre iniciativa, mas vale lembrar que a mensagem sempre será emitida com finalidade meramente venal – a intenção é vender. A preponderância de interesses mercantis não pode ser absoluta, especialmente em um país que tem como fundamentos a dignidade humano e os valores sociais da livre iniciativa, como quer a I I J O R NA DA D E PR O PAGA N DA D E A L I ME N TO S E O B E SI DA DE . . . 159 Constituição logo em seu primeiro artigo. Assim, conclui-se que a autorregulamentação, por si só, não basta para a garantia dos direitos constitucionais de proteção integral de crianças e adolescentes e de defesa dos consumidores diante da publicidade. I J O R NA DA S O B R E TA B E L A S D E C O MP O S I Ç ÃO D E A L I ME N TO S E C Á L C U L O I N F O R M AT I Z A D O D E D I E TA S 2 9 d e o u t ub r o d e 2 0 08 Te atro M a r c o s L i n den ber g – Un i fe sp D E T E R M I NAÇ ÃO D O N Í V E L D E H E MO G L O B I NA U T I L I Z A N D O A T É C N I C A DA G O TA S E C A E M PA P E L D E F I LT R O P E S Q U I S A NAC I O NA L D E D E MO G R A F I A E S AÚ D E P N D S , 2 0 0 6 Helio Vannucchi A anemia é a desordem nutricional mais generalizada no mundo, representando um grave problema de saúde pública. Na América Latina e no Caribe, aproximadamente 30 das mulheres e 25 das crianças abaixo de 5 anos de idade são anêmicas. No Brasil, a anemia tem sido encontrada em várias regiões e diferencia-se de outras condições carenciais por não se limitar a acometer apenas as populações de mais baixa renda ou apenas os desnutridos.1 Contudo, a anemia ferropriva compromete principalmente alguns grupos mais sensíveis à escassez de ferro devido ao crescimento rápido ou ao aumento de demanda: crianças entre 6 meses e 5 anos de idade, adolescentes do sexo feminino e mulheres em idade fértil.2-4 No Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 30 das crianças abaixo de 5 anos têm anemia, sendo a segunda maior prevalência na América Latina.2 Em um enfoque nacional, alguns autores consideram que essas estimativas estão subestimadas e que a prevalência efetiva do problema em crianças pode ser 50 maior que os valores ditados pela OMS, alcançando 45.5 164 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 O diagnóstico clínico de anemia de severidade moderada é complicado por causa da baixa percepção de palidez intermediária no exame f ísico.6-8 No Brasil, a validade e a confiabilidade da presença de palidez palmar e conjuntival para a detecção de anemia foi avaliada por Spinelli et al.9 A comparação entre os diagnósticos de anemia obtidos pelo exame palmar e conjuntival contra os resultados obtidos pela determinação dos níveis de hemoglobina mostrou baixa concordância. Uma alternativa relativamente simples para a avaliação de anemia pode ser observada pela utilização de um aparelho portátil com capacidade de medir a concentração de hemoglobina no sangue obtido por punção digital com resultado imediato. Entretanto, esse equipamento (hemoglobinômetro – Hemocue®) para pesquisas abrangendo distâncias e condições locais tão díspares, com grandes dificuldades em um país de dimensões continentais como o Brasil, não pode ser considerado viável. Isso exigiria a disponibilidade dos equipamentos em muitos municípios e os procedimentos dependeriam da habilidade de cada operador, cujo treinamento envolveria conhecimento de técnicas de laboratório, ainda que simples. Contudo, a gota seca preparada com sangue periférico tem sido indicada para testes (screening) em vários estudos epidemiológicos.10 Essa técnica, na qual o sangue colhido por punção digital é depositado em papel de filtro especial, seco em temperatura ambiente e depois eluído para dosagem, tem sido utilizada para análises semiquantitativas de aminoácidos11,12, hormônios13, lipídios14 e drogas terapêuticas15, assim como para testes genéticos.16 O teste da gota seca tem sido muito utilizado com sucesso nos testes neonatais para defeitos congênitos, tais como a fenilcetonúria, oferecendo grande contribuição ao diagnóstico desse problema metabólico. Considerando as dificuldades técnicas para o diagnóstico clínico de anemia, uma vez que o exame físico possui baixa sensibilidade, o exame de sangue é invasivo e a utilização de hemoglobinômetro foi considerada inviável por razões técnicas e econômicas, propõe-se estimar a I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 165 prevalência de anemia em mulheres e crianças menores de 5 anos pela técnica de gota seca. Esse método possui como vantagens: • a coleta das amostras é relativamente indolor, não invasiva e pode ser feita no domicílio, com menor necessidade de pessoal altamente qualificado; • as amostras dispensam centrifugação, separação ou congelamento imediato e proteção especial para transporte, como congelamento; • uma vez no laboratório, as amostras permanecem estáveis, congeladas por longos períodos. Uma gota típica contém 50 mcL de sangue total e tem aproximadamente 12 mm de diâmetro, permitindo a obtenção de até 7 discos de 3,2 mm. A principal desvantagem desse método é que, no momento, poucos laboratórios comerciais ou acadêmicos têm experiência direta com ele. Utilizando essa técnica, foram analisadas 3.455 amostras de sangue de crianças de 6 a 59 meses e 5.669 amostras de sangue de mulheres não grávidas de 15 a 49 anos de idade para a determinação de hemoglobina. As amostras de sangue coletadas em papel de filtro foram secas ao ar ambiente para posterior quantificação por meio de kit laboratorial (Labtest®, Brasil). Em crianças, os critérios diagnósticos para anemia, considerando-se a faixa etária e as recomendações da OMS, são: anemia leve (hemoglobina na faixa de > 9 a < 11 g/dL), anemia moderada (hemoglobina entre 7 e 9 g/dL) e anemia grave (abaixo de 7 g/dL).17 Os principais resultados desse estudo mostram que a prevalência de anemia em mulheres não grávidas é de 33 entre 15 e 19 anos, 29,2 entre 20 e 35 anos e 28,3 entre 36 e 49 anos. A região Nordeste apresentou a maior prevalência (39,1), seguida das regiões Sudeste (28,5), Sul (24,8), Centro-oeste (20,1) e Norte (19,3). Em crianças de 6 a 59 meses de idade, a prevalência de anemia seguiu a mesma tendência apresentada pelas mulheres, sendo a maior na 166 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 região Nordeste (25,5), seguida das regiões Sudeste (22,6), Sul (21,5), Centro-oeste (11) e Norte (10,4). A prevalência foi maior na área urbana (23,1) e não houve diferença entre as faixas etárias estudadas. No Brasil, os dados de prevalência de anemia variam de 22,7 a 77, e nas diferentes regiões essas discrepâncias estão relacionadas aos fatores socioeconômicos.18 Vale destacar que essa é a primeira pesquisa com gota seca realizada no Brasil e que o trabalho no laboratório ocorreu de modo seguro, sendo as amostras recebidas e identificadas conforme enviadas, ou seja, nenhum envelope foi violado ou rasurado, e o processamento das amostras seguiu o fluxo de chegada, sem acúmulo excessivo. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Bottoni A, Ciolette A, Schmitz BAS, Campanaro CM, Accioly E, Cuvello LCF. Anemia Ferropriva. Rev Paul Pediatr 1997; 15(3):127-34. 2. World Health Organization. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control. A guide for programme managers. Genebra: WHO, 2001. 3. World Health Organization. Vitamin and mineral requirements in human nutrition. 2.ed. Bangkok: WHO, 1998. 4. Centers for Diseases Control and Prevention. 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TA B E L A B R A S I L E I R A D E C O M P O S I Ç ÃO D E A L I M E N TO S DA U N I V E R S I DA D E D E S ÃO PAU L O T B C A U S P Eliana Bistriche Giuntini Eliz abete Wenzel de Menezes Fr anco Maria Lajolo I N T R O D U Ç ÃO Informações em relação ao conteúdo de nutrientes e de outros componentes de alimentos, in natura e processados, são necessárias para a elaboração de programas nos campos da nutrição, saúde e educação, além de agricultura, indústria e marketing de alimentos.1 De acordo com Sevenhuysen2, “os benef ícios econômicos de dados de composição de boa qualidade para a indústria e políticas governamentais são de fundamental importância”, tanto na padronização e na regulamentação de alimentos, como no favorecimento do comércio internacional, por meio da rotulagem. Segundo Southgate3, bancos de dados de alimentos são usados para inúmeras atividades, porém todos os usuários têm algumas expectativas comuns. Eles esperam que os dados representem os alimentos de sua região, que tenham sido obtidos por métodos de análise apropriados, de maneira criteriosa, e que reflitam a composição real do alimento. Dados de composição de alimentos, utilizados para determinar a ingestão de nutrientes, devem representar alimentos consumidos na 170 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 atualidade, a fim de que seja possível relacionar a ingestão alimentar e a função metabólica.4 Durante a década de 1990, inúmeros avanços baseados em dados epidemiológicos esclareceram o papel das dietas na redução de risco e no controle da morbidade e da mortalidade prematura resultante de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão e alguns tipos de câncer.5 Esses avanços só foram possíveis graças à evolução dos métodos analíticos, que, cada vez mais, são capazes de fornecer informações fidedignas sobre a composição química dos alimentos. O I N Í C I O D O S E S T U D O S D E C O M P O S I Ç ÃO D O S A L I M E N TO S Durante séculos, estudos químicos começaram a fundamentar o que seria o estudo sistemático sobre composição de alimentos. Em 1665, Robert Hooke publicou uma teoria sobre combustão; Scheele, na Suécia, e Priestley, na Inglaterra, descobriram, independentemente, o oxigênio; Cavendish identificou o hidrogênio em 1766; e Black, da University of Glasgow, descobriu a formação de gás carbônico na respiração, em 1757. Essas descobertas, não diretamente ligadas à nutrição, permitiram a Lavoisier, em 1780, demonstrar a natureza da combustão e entender o processo de produção de energia em relação ao alimento.6,7 Mulder, em 1838, introduziu o termo proteína em estudos sobre albumina. Magendie mostrou que as proteínas podem ter diferentes constituições e publicou, em 1841, um trabalho comparando a proteína da gelatina à da carne6,7, mas só em 1909 Thomas introduziu o conceito de qualidade proteica e o método para identificar o valor biológico das proteínas.7 O conhecimento sobre respiração e calorimetria permitiu o estudo sobre a necessidade energética do homem. Von Voit, professor de fisiologia da University of Munich, foi o principal pesquisador dessa linha; junto a Pettenkofer, conduziu muitos estudos sobre metabolismo e influenciou Henneberger. Por toda sua contribuição, Lavoisier foi considerado o pai da composição química.6 I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 171 Em 1850, um grupo de pesquisadores alemães, comandado por Henneberger e Stohmann, iniciou a análise de composição centesimal de alimentos, em ração animal. Essa proposta foi chamada de método Weende e tornou-se um procedimento comum em alimentos: determinação da umidade por meio de secagem por aquecimento (heat-drying); determinação dos lipídios por meio de extração contínua com éter; teor de proteína obtido pela aplicação do fator 6,25 ao conteúdo de nitrogênio; fibra bruta determinada pela fração insolúvel após tratamento com ácido e álcali em resíduo sem minerais e gordura; e carboidratos calculados por diferença. A utilização do fator 6,25 para a conversão de nitrogênio em proteína baseou-se no conteúdo de 16 desse componente em proteína animal isolada, considerando que toda proteína contém a mesma quantidade de nitrogênio e que todo o nitrogênio é produto da proteína. No entanto, soube-se mais tarde que ambas as hipóteses não eram verdadeiras.8,9 A aplicação desses conceitos na ciência da nutrição foi feita por Max Rubner, médico e fisiologista alemão, que, com sua equipe, em 1894, conseguiu demonstrar com um cão o resultado da combustão de alimentos pela excreção da ureia e das trocas gasosas ao mesmo tempo.10 A investigação sistemática do conteúdo de energia bruta dos alimentos pode ser atribuída a Rubner, na Alemanha, e a Atwater (que estudou com Rubner) nos Estados Unidos, usando bombas calorimétricas. Rubner, além de determinar a densidade energética de vários alimentos, demonstrou que o corpo humano não consegue aproveitar toda a energia proveniente da combustão dos alimentos. Atwater e Bryant aprofundaram esses estudos e determinaram coeficientes de disponibilidade energética (Tabela 1) para os macronutrientes11, por meio da determinação do conteúdo de lipídios e nitrogênio de alimentos consumidos em dietas mistas e da urina e fezes de indivíduos que consumiram essas dietas. Os carboidratos resultaram da diferença entre a quantidade total de material orgânico e a soma de proteína e gordura. 172 TA B E L A 1 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Fatores de Atwater para combustão, coeficiente de disponibilidade e energia disponível para macronutrientes em uma dieta mista M AC R O N U ENERGIA DE COEFICIENTE DE ENERGIA DISPONÍVEL TRIENTE C O M B U S TÃO D I S P O N I B I L I DA D E P O R TO TA L D E KC A L / G % N U T R I E N T E KC A L / G Proteínas 5,65 92 4* Lipídios 9,4 95 8,9 Carboidratos 4,1 97 4 *Corrigido para material não oxidado na urina (5,65 kcal/g × 0,923 – 1,25 kcal/g). Fonte: Buchholz e Schoeller, 2004.11 Em 1941, Jones12 sugeriu que o fator de conversão 6,25 para cálculo de proteína fosse substituído por fatores específicos, baseado no conhecimento de que o nitrogênio pode estar presente em outros compostos, como aminoácidos livres, nucleotídeos, creatina e colina, cujo nitrogênio não proteico (NPN) está disponível apenas em parte para a síntese de aminoácidos não essenciais, e que o conteúdo de nitrogênio varia de acordo com o peso molecular dos aminoácidos. Desse modo, o percentual de nitrogênio pode variar de 13 a 19, dependendo da composição de aminoácidos. Esses fatores específicos, chamados fatores específicos de Jones, apresentam variação de 5,3 para algumas nozes ou sementes a 6,4 para o leite.13 Em 1955, Merrill e Watt refinaram os fatores do sistema de Atwater, criando outros ainda mais específicos, baseados na variação do calor de combustão e no coeficiente de digestibilidade de diferentes proteínas, lipídios e carboidratos.14 Esses fatores, com poucas modificações, foram republicados em 1973.13,14 Paralelamente, Southgate e Durnin15 testaram novamente os fatores gerais de Atwater em 1970 e concluíram por sua validade, exceto quando há grande consumo de carboidratos não disponíveis, pois há aumento de excreção de lipídios, nitrogênio fecal e, consequentemente, da energia derivada desses nutrientes. I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 173 De acordo com Dwyer16, os estudos sobre composição de alimentos passaram por quatro revoluções. A primeira, com Atwater, descreveu a energia advinda dos alimentos; a segunda trouxe a caracterização de vitaminas e minerais, que se mostraram importantes para evitar as doenças decorrentes de sua deficiência; na terceira, conhecendo-se melhor a composição dos alimentos, foram feitas associações entre dieta e doenças, incluindo as relacionadas à má nutrição e as DCNT; e a quarta relacionou-se com a descoberta de outras substâncias nos alimentos que também podem afetar a saúde humana, como os compostos bioativos e fatores antinutricionais, que vêm sendo estudados e evidenciam que há um amplo campo de atuação a ser explorado. Possivelmente, a quinta revolução deverá estar relacionada com a biodiversidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o amplo conhecimento das informações de composição de alimentos de diferentes culturas das diversas regiões e países é importante para garantir a preservação e o uso sustentável da biodiversidade em programas de segurança alimentar e nutrição humana. A S P R I M E I R A S TA B E L A S D E C O M P O S I Ç ÃO D E A L I M E N TO S • 1844 – O francês Boussingault publicou uma tabela sobre o valor nutricional da ração animal.6 • 1851 – O alemão Liebig publicou uma tabela com o valor nutritivo de alimentos baseado no conceito de alimentos plásticos ou nitrogenados e não nitrogenados.6,9 • 1878 – Konig publicou a primeira tabela europeia na Alemanha, Chemie der Menschlichen Nahrungs und Genussmittel.17 • 1891 – Jenkins e Winton publicaram a Compilation of Analyses of American Feeding Stuffs, com dados de análise de grãos e hortaliças.6 • 1894 – Atwater lançou uma primeira tabela oficial norte-americana de composição de alimentos – Foods: Nutritive Value and Cost.18 174 • JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 1896 – Atwater e Wood8 publicaram o Boletim 28 do United States Department of Agriculture (USDA) com The Chemical Composition of American Food Materials. • 1906 – Atwater et al. editaram uma revisão do Boletim 28.6 • 1916 – McKillop publicou, na Grã-Bretanha, uma tabela com muitos dados de alimentos norte-americanos.6 • 1921 – Plimmer publicou Analyses and Energy Valuers of Foods em Londres.17 • 1925 – McKillop publicou a terceira edição da tabela, já com dados de alimentos britânicos, mas com influência de Atwater.6 • 1933 – McCance e Shipp publicaram, em Londres, The Chemie of Flesh Foods and their Losses on Cooking.17 • 1936 – Waller, do University of Michigan Hospital, publicou Nutritive Values of Foods, com dados sobre vitaminas.6 • 1937 – O USDA publicou Vitamin Content of Foods, com dados sobre vitaminas A, B, D, G e ácido ascórbico, compilados por Daniel e Munsell. Não havia dados sobre vitamina E, e os autores explicaram que se sabia que a riboflavina era essencial para algumas espécies, embora fosse desconhecido seu papel para o homem.6 • 1940 – Chatfield e Adams publicaram, pelo USDA, uma atualização da tabela de 1906, Proximate Composition of American Food Materials. O termo “proximal” foi utilizado em reconhecimento de que cada componente é composto por substâncias que têm propriedades em comum, mas que também podem conter pequenas quantidades de outras substâncias ainda não conhecidas do ponto de vista químico. Não havia dados de vitaminas.6 • 1940 – McCance e Widdowson publicaram The Chemical Composition of Foods, na Inglaterra, já apresentando maior divergência com relação aos dados norte-americanos, principalmente em função dos métodos aplicados.6,17 • 1942 – Booher, Hartzler e Hewston publicaram Vitamin Values of Foods in Relation to Processing and Other Variants, em que são relacionados os I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 175 fatores que afetam o teor de vitaminas, como variedade, método de cultivo, local de produção, processamento, estocagem, grau de maturação e métodos de análise.6 • 1942 – Vitamin Values of Foods in Terms of Common Measures foi publicado por Hewston e Marsh. Esses dados foram utilizados na publicação Table of Food Values Recommended for Use in Canada, no mesmo ano.6 • 1945 – Tables of Food Composition in Terms of Eleven Nutrients foi publicado pelo USDA, com dados de energia, proteína, lipídios, carboidratos, cálcio, fósforo, ferro, vitamina A, tiamina, riboflavina, niacina e ácido ascórbico.6 • 1944 a 1959 – Vários países lançaram suas primeiras tabelas: Vietnã, França, Alemanha, Noruega, Itália, Groelândia, Holanda, Grécia, África do Sul, Austrália, Japão, Filipinas, Índia, Coreia, Egito, Havaí.6 • 1949 – A FAO publicou pela primeira vez uma tabela de composição, Food Composition Tables for International Use, de Chatfield, na qual há uma referência datada de 1948 sobre dados de alimentos brasileiros.18 • 1954 – A FAO lançou, do mesmo autor, Food Composition Tables – Minerals and Vitamins – for International Use, a fim de complementar a tabela anterior.6 • 1961 – Foi lançada a primeira tabela para a América Latina – Food Composition Table for use in Latin America, de Leung e Flores –, cujos dados foram utilizados em programas de políticas governamentais em nutrição e saúde. Entretanto, muitos países na América Latina já tinham suas próprias tabelas (Tabela 2).1 Com o progresso da ciência da nutrição, referente às necessidades nutricionais e ao entendimento sobre a variabilidade do conteúdo dos nutrientes, tornou-se evidente a importância de aprimorar o conhecimento sobre os alimentos típicos de cada região. Assim, a partir de 1958, a FAO iniciou um programa de criação e publicação de tabelas de composição de alimentos regionais.2 176 TA B E L A 2 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Publicações de tabelas de composição de alimentos na América Latina PA Í S / R E G I ÃO P R I M E I R A S P U B L I C AÇ Õ E S América Latina 1961 Argentina 1935 a 1942 Bolívia 1966 Brasil 1948* a 1950 Chile 1961 Colômbia 1944 Equador 1954 México 1940 Peru 1960 República Dominicana 1964 Uruguai 1949 Venezuela 1950 *1948 – citada pela FAO.18 Fonte: Bressani.1 AT UAÇ ÃO DA FAO E DA U N I T E D NAT I O N S U N I V E R S I T Y A P Ó S A D É C A DA D E 1 9 8 0 Depois de colaborar na elaboração das tabelas regionais de composição de alimentos, a FAO reduziu suas atividades nessa área na década de 1970, quando completou sua série de tabelas.19 Anos mais tarde, baseada na recomendação de um grupo internacional coordenado pela United Nations University (UNU), em 1984, foi criada a International Network of Food Data Systems (Infoods), com o objetivo de estimular e coordenar esforços para melhorar a qualidade e a disponibilidade de dados analíticos de alimentos pelo mundo.20 Na América Latina, em 1986, ocorreu a primeira Conferência sobre Composição de Alimentos no Instituto de Nutrición de Centroamérica y Panamá (Incap), que visava a avaliar o grau de desenvolvimento I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 177 das tabelas de composição dos países individualmente e por região, propor programas para atingir os objetivos propostos pelo Infoods e, ainda, desenvolver uma rede de trabalho de composição de alimentos na América Latina – o Latinfoods.1 Após a International Conference on Nutrition em 1992, a FAO, por meio do Infoods, vem propondo novas diretrizes e critérios para a área de composição de alimentos, publicando guias e manuais com protocolos a serem usados na geração e compilação de dados e ampliando a comunicação e o intercâmbio de informações entre laboratórios. Outra proposta surgida nessa década foi a de incentivar a cooperação entre os governos e a indústria de alimentos, para o uso de dados de composição na informação pública e a promoção do comércio.2 As instituições governamentais, por sua vez, devem usar dados de composição de alimentos na formulação de políticas de saúde, alimentação e segurança alimentar, de acordo com a necessidade de grupos populacionais. A estratégia da FAO é a aplicação de um modelo regional de atuação, baseado na comunicação e no controle de qualidade, e tem como meta a geração, a disseminação e a promoção do uso da informação de composição de alimentos de alta qualidade e em larga escala por profissionais, pesquisadores e instituições governamentais. O modelo fornece bases para a geração e a distribuição dos dados por meio de padrões e critérios continuamente revisados e dá suporte a comitês governamentais e instituições representativas para a supervisão de procedimentos e atividades relacionadas.19 Em âmbito internacional, a padronização é necessária para aumentar a difusão e o intercâmbio de dados. Os bancos de dados devem ser compatíveis e padronizados, pois, dessa forma, o trabalho harmonizado promove a redução de gastos associados à geração e à manutenção de dados de composição em uma base global e, consequentemente, diminui custos de produção de dados em países em desenvolvimento.19 Uma das propostas de padronização é a adoção de identificadores para os nutrientes.20-23 Esses identificadores do Infoods (tagnames) representam o nutriente/componente de forma inequívoca, de acordo 178 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 com o método utilizado na análise, unidade e sua utilização em diferentes tabelas (Tabela 3). Uma das principais preocupações da FAO é referente à qualidade das informações. Os sistemas propostos para avaliação dos dados levam em conta o plano de amostragem, o número de amostras e tratamento dado a elas, o método analítico e o controle de qualidade analítica (exatidão e precisão). Esses aspectos e números estão relacionados a conceitos de abrangência e representatividade que, aliados à documentação e à harmonização das informações, são a chave para a obtenção de um banco de dados de qualidade. TA B E L A 3 Exemplos de identificadores (tagnames) do Infoods adotados para a descrição de cada componente NUTRIENTES U N I DA D E S I D E N T I F I C A D O R E S / D E S C R I Ç ÃO Umidade g <Water> Umidade em estufa a 105oC Lipídios totais g <FAT> Lipídios totais <FATCE> Lipídios totais obtidos por meio de extração contínua (método Soxhlet) Proteínas g <PROCNT> Proteína total. Para cálculo das proteínas a partir do nitrogênio total, foram usados fatores de conversão da FAO/73* Produtos animais: carnes e peixes - 6,25; gelatina - 5,55; leite e derivados - 6,38; caseína - 6,40; leite humano - 6,37; ovo: inteiro - 6,25, albumina - 6,32, vitelina - 6,12 Produtos vegetais: trigo: inteiro - 5,83, farelo - 6,31, embrião - 5,80, endosperma - 5,70; arroz e farinha de arroz - 5,95; centeio e farinha de centeio - 5,83; cevada e farinha de cevada - 5,83; aveia - 5,83; milho - 6,25; feijões - 6,25; soja - 5,71 Oleaginosas: castanha-do-pará - 5,46; outras - 5,30 Para os demais alimentos foi utilizado o fator 6,25 (continua) I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 179 (continuação) Fibra alimentar g total <FIBTG> Fibra alimentar total determinada por método enzímico-gravimétrico ou não enzímico-gravimétrico (para alimentos com baixo teor de amido) da AOAC** (24,25) Carboidratos g <CHODFAVL> Carboidratos metabolizáveis. Exclui a fração disponíveis fibra alimentar (100 g – gramas totais de umidade, proteína, por diferença lipídios, cinzas e fibra alimentar) Energia kJ <ENERC> Energia total metabolizável expressa em quilojoule (kJ), calculada a partir da energia dos nutrientes, considerando os fatores de conversão de Atwater: (17 × g proteína)+ (16 × g carboidratos (total de carboidratos - fibra alimentar) + (37 × g total de lipídios) + (29 × g de etanol) AOAC: Association of Official Agricultural Chemists. * Merril e Watt, 1973.13 ** Cho et al., 1997;24 Li e Cardozo, 1992.25 P E R F I L DA S P R I N C I PA I S TA B E L A S U T I L I Z A DA S N O B R A S I L • 1948 – Tabela de Alimentos Brasileiros, do Serviço de Alimentação da Previdência Social:18 foi citada pela FAO em 1949, na publicação Food Composition Tables for International Use, mas não há informações sobre a origem dos dados. • 1951 – Tabela de Composição Química de Alimentos, de Guilherme Franco, do Serviço de Alimentação da Previdência Social:26 foi reeditada inúmeras vezes, embora não apresente informações sobre a forma de obtenção dos dados e nunca tenha sido atualizada. • 1977 – Tabelas de Composição de Alimentos – Estudo Nacional de Despesas Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):27 adaptada aos objetivos do Endef, essa tabela é uma compilação de dados nacionais e internacionais, quando foram escolhidos os dados mais representativos, considerando-se números de amostras e métodos analíticos utilizados na época. Essas informações são mencionadas na parte introdutória da publicação, onde também é identificada sua origem. As publicações e metodologias utilizadas são das décadas de 1960 e 1970; em 180 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 função disso, os dados sobre fibra apresentados referem-se à fibra bruta e, no caso de vitaminas e minerais, são pouco precisos. Apresentam o nome científico dos alimentos e informações de alimentos crus e preparados. • 1995 – Tabela de Composição de Alimentos, de Mendez et al.: editada pela Universidade Federal Fluminense28, apresenta informações sobre preparo das amostras, nome científico, nome em espanhol e em inglês dos alimentos e metodologia utilizada na análise. Contudo, a fibra insolúvel foi obtida com solução detergente (ácido e neutro) e, a solúvel, por método que determina parte da pectina, de modo que os dados podem estar subestimados, assim como os dados sobre energia. • 1998 – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – Universidade de São Paulo (TBCA-USP), Brasilfoods, Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo29: trata-se da primeira tabela da América Latina a ser disponibilizada na internet e vem sendo constantemente atualizada. Adota padrões internacionais (Infoods/Latinfoods) no que se refere aos métodos analíticos e à identificação de alimentos e nutrientes; apresenta os alimentos de maneira detalhada (nome científico, parte do alimento, processamento, grau de maturação, etc.) e os dados por 100 g, bem como por medidas caseiras mais utilizadas ao respectivo alimento. É a primeira tabela que conta com informações sobre as diferentes frações de carboidratos e resposta glicêmica. As informações são encontradas pelo sistema de busca por alimento, que contém dados de 2.089 alimentos entre composição centesimal, fibra alimentar, amido resistente, vitamina A e carotenoides, ácidos graxos e colesterol. É também a primeira tabela que conta com informações sobre diferentes frações de carboidratos e resposta glicêmica. Os dados sobre fibra alimentar foram obtidos por método enzímico-gravimétrico, há informações sobre carboidratos totais e disponíveis e os dados sobre energia são apresentados em quilocaloria (kcal) e quilojoule (kJ), calculados sobre o teor de carboidratos disponíveis, ou seja, não incluem a fibra alimentar.30 Oferece, ainda, informações sobre porções recomendadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sobre a origem dos dados.31 I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... • 181 2001 – Tabela de Composição de Alimentos – Suporte para Decisão Nutricional de Philippi32: tem como base o banco de dados utilizado no Virtual Nutri, um programa de nutrição e cálculo de dietas da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo33, que traz dados de várias tabelas, nacionais e internacionais, e dados de rótulos de produtos industrializados. • 2004 – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (Taco), do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (Nepa/Unicamp): é uma tabela com dados de energia, macronutrientes, fibra alimentar, vitaminas, minerais de dados de frações de ácidos graxos de 495 alimentos, considerados representativos do hábito alimentar brasileiro. O teor energético foi obtido utilizando-se dados de carboidratos totais, o que inclui a fração de fibra alimentar. É importante destacar a elaboração de manuscritos internos (compilados e traduzidos de dados internacionais) para seu emprego em unidades e instituições, como os utilizados na Faculdade de Saúde Pública, no Curso de Graduação de Nutricionistas, durante as décadas de 1970 e 1980. TBCAUSP A TBCA-USP29, criada em 1998, vem sendo elaborada mediante a adoção de uma série de critérios que incluem informações referentes a amostragem, procedimento analítico e identificação detalhada do alimento, conferindo confiabilidade aos dados analisados diretamente ou compilados a serem incluídos.34-36 A Rede Brasileira de Dados de Composição de Alimentos (Brasilfoods)A iniciou suas atividades na década de 1980 e, ao longo dos anos, vem discutindo aspectos relacionados à importância da obtenção de dados de qualidade. Entre esses aspectos, estão os estudos colaborativos para aferição de técnicas analíticas para nutrientes críticos, com a realização de estudos para composição centesimal, aminoácidos, fibra 182 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 alimentar, vitamina A e carotenoides; compilação de dados com avaliação e documentação de metodologia utilizada; e integração com organismos internacionais, como Infoods, que define normas e padrões, com base científica, na área de composição de alimentos.37,38 Uma primeira iniciativa de compilação de dados nacionais no início da década de 1990 detectou a reduzida qualidade dos dados de composição de alimentos.39 Muitos alimentos, basicamente de origem vegetal, não apresentavam a descrição dos métodos analíticos utilizados ou haviam sido analisados por métodos inadequados, principalmente em relação à fibra alimentar (FA). Inúmeros dados foram descartados, outros foram utilizados após a complementação de informação com a realização de análise da FA por métodos validados pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP).35 Dessa forma, reiterou-se a necessidade de uniformizar procedimentos analíticos. O Projeto Integrado de Composição de Alimentos, criado pelo Brasilfoods, tem como objetivo principal a elaboração e a manutenção de uma tabela nacional de composição de alimentos, mediante a análise de novos alimentos, da compilação e avaliação da qualidade de dados de composição. Para tanto, foi criado um banco de dados de alimentos brasileiros, baseado nas diretrizes preconizadas pelo Infoods e adotadas pelo Latinfoods, relativas à identificação de nutrientes e alimentos, que visam a facilitar a troca de informações entre pesquisadores da área e bancos de dados de diferentes regiões do mundo.34,30 A TBCA-USP, que se tornou realidade em 1998, é o resultado da soma de esforços de mais de 27 laboratórios participantes do Projeto Integrado de Composição de Alimentos. É coordenada pela Rede Brasileira de Dados de Composição de Alimentos (Brasilfoods)/Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF/USP e visa a disponibilizar informações de qualidade sobre composição de alimentos.30 Esses esforços foram reconhecidos pelo Ministério da Saúde, que indicou a TBCA-USP como referência para o estabelecimento da I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 183 Resolução RDC 40, da Anvisa, sobre a rotulagem nutricional obrigatória em alimentos e bebidas embaladas40, e da RDC 360 de dezembro de 200331, que substituiu a RDC 40 para se tornar compatível com o Mercado Comum do Sul (Mercosul). O Brasilfoods, além de centralizar as informações nacionais de composição de alimentos, colabora com a Tabla de Composición de Alimentos de América Latina, disponibilizando suas informações atualizadas para essa base de dados e participando de atividades que têm como meta gerar, compilar e difundir informações adequadas e confiáveis sobre composição de alimentos na região, além de promover a melhoria da qualidade desses dados.41 De acordo com Greenfield e Southgate36, para a elaboração de tabelas de alimentos os dados de composição podem ser obtidos de três formas: análise direta, compilação e análise/compilação. A análise direta é a forma ideal, mas envolve custo elevado, infraestrutura (equipamentos e pessoal treinado), padronização e validação de metodologias, entre outras variáveis. A compilação envolve uma base teórica complexa, com critérios preestabelecidos para avaliação cuidadosa da qualidade dos dados. Nessa avaliação, devem ser considerados diversos fatores, como plano de amostragem, descrição do tratamento dado à amostra, identificação e procedimento do método analítico adotado, fatores de conversão, controle de qualidade analítica, identificação detalhada dos nutrientes e alimentos.34-36 O banco de dados da TBCA-USP baseia-se em análises químicas efetuadas na FCF/USP e compilação de dados de alimentos nacionais, levantados em publicações, dissertações, teses, informações internas de laboratórios públicos e privados, bem como de indústrias de alimentos. Os dados levantados são avaliados criteriosamente para a verificação das informações disponíveis sobre a metodologia analítica utilizada, o plano de amostragem, o número de amostras, o controle de qualidade analítica, o tratamento dado à amostra, a descrição detalhada do alimento, entre outros. Análises de certos componentes são, às vezes, efetuadas na FCF/USP 184 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 a fim de complementar a informação, como é o caso da FA ou, ainda, umidade e cinzas. A FA deve ser analisada por metodologia específica – enzímico-gravimétrico –, a fim de que o teor de carboidratos e o valor energético possam ser calculados de maneira adequada.42 Infor m açõe s disp oní veis na TB C A -USP Desde seu lançamento, a TBCA-USP passou por inúmeras modificações em termos de formato e introdução de dados de novos alimentos e componentes. Na Tabela 4, encontram-se as principais alterações e a evolução em número de dados de composição centesimal. O banco de dados da TBCA-USP é composto, atualmente, por várias planilhas: de dados de nutrientes por 100 g de alimento, de identificação geral do alimento e uma de medidas caseiras/unidade e porção recomendada. No website, é feita a interface entre essas planilhas utilizando o código alfanumérico de identificação do alimento. O nome do alimento é composto pela sequência de colunas preenchidas na planilha de identificação, que segue a mesma ordem do formulário de compilação, e o programa executa cálculos cruzando as informações do banco de dados por 100 g com os gramas correspondentes à(s) determinada(s) medida(s) caseira(s), que aparecerão no resultado da busca (Figuras 1 e 2), ao lado das informações por 100 g (Figura 3).42 Um resumo das informações disponíveis na TBCA-USP pode ser visto na Tabela 5. Como os carboidratos e a resposta glicêmica dos alimentos estão relacionados à redução de risco de desenvolvimento de DCNT, dados dessa natureza vêm sendo analisados na FCF/USP para serem incorporados à TBCA-USP. O mesmo acontece com as vitaminas, ácidos graxos, compostos bioativos (flavonoides, carotenoides, organossulfurados e fitosteróis). I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... FIGURA 1 Página inicial da TBCA-USP 5.0. FIGURA 2 Exemplo da página de resultados da busca na TBCA-USP 5.0. 185 186 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 FIGURA 3 Exemplo de apresentação dos dados na TBCA-USP 5.0. 187 I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... Versões, data de lançamento e número de alimentos com dados de TA B E L A 4 composição centesimal da TBCA-USP V E R S ÃO DATA D E NÚMERO DE P R I N C I PA I S A LT E R AÇ Õ E S L A N Ç A M E N TO DA D O S C C TBCA-USP 1.0 Julho/1998 300 Formato de tabela tradicional TBCA-USP 1.1 Março/1999 390 Número de dados TBCA-USP 2.0 Junho/2000 390 Apresentação gráfica TBCA-USP 3.0 Março/2001 696 Tabela blocada, divisão por grupos de alimentos, número de dados TBCA-USP 4.0 Julho/2004 1.205 Sistema de busca por alimento, medidas caseiras, energia em kj, número de dados TBCA-USP 4.1 Novembro/2004 1.205 Sistema de busca alimento/nutriente Conferência eletrônica TBCA-USP 5.0 Agosto/2008 1.205 Informações sobre frações de carboidratos e resposta glicêmica CC: composição centesimal. Resumo das informações disponíveis na TBCA-USP sobre número de TA B E L A 5 alimentos e componentes COMPONENTE N Ú M E R O D E A L I M E N TO S Composição centesimal* 1.205 FA total** 194 Amido resistente Vitamina A/carotenoides 128 # Ácidos graxos/colesterol Fenilalanina ## 290 119 251 Frações de carboidratos 112 Resposta glicêmica 41 FA: fibra alimentar. * Inclui dados de FA por métodos enzímico-gravimétrico. ** FA por métodos enzímico-gravimétrico, sem composição centesimal. # Parte das amostras foram analisadas com separação de isômeros. ## Link disponibilizado. 188 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 No item “Como enviar dados”, o formulário para compilação de dados, acompanhado de manual de preenchimento, está disponível para download, tanto para estimular a remessa de dados como para incentivar os pesquisadores a divulgarem seus dados de maneira mais completa, a fim de que possam ser devidamente avaliados em termos de qualidade da informação.30 Para facilitar o trabalho de compilação de dados e promover a uniformização das informações enviadas, o formulário é composto de planilhas de compilação independentes para os grupos de nutrientes: carboidratos, aminoácidos, ácidos graxos, minerais, vitaminas lipossolúveis, vitaminas hidrossolúveis, composição centesimal, além de incluir as planilhas para a identificação dos alimentos e para avaliação da qualidade analítica dos dados.43 Esse formulário e o manual de preenchimento foram traduzidos para o espanhol e vêm sendo utilizados por diversos países participantes do Latinfoods.44 Com a finalidade de facilitar a busca por informações de alimentos/produtos não contemplados pela TBCA-USP, estão disponíveis aos usuários links com websites relacionados, assim como referências bibliográficas publicadas pela Rede Brasilfoods e outros órgãos internacionais relevantes na área de composição de alimentos e bancos de dados. Várias dessas publicações estão em formato portable document format (PDF), possibilitando arquivamento ou impressão.30 Comparações e utilização de dados de alimentos de diferentes tabelas podem ocorrer, porém algumas informações são imprescindíveis para tal. Entre as tabelas disponíveis na internet, a tabela dinamarquesa Danish Food Composition Databank45, a Souci-Fachmann-Kraut46, a do U.S. Department of Agriculture47, a da rede Latinfoods41, a da Argentina48, a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (Taco)49 e a TBCA-USP apresentam dados de umidade e cinzas, o que possibilita a completa avaliação da composição centesimal, a conversão de dados para a base seca durante comparações e a importação/exportação de dados. I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 189 P R O G R A M A S C O M P U TA D O R I Z A D O S E VA R I A B I L I DA D E D E DA D O S Ao se utilizar um programa computadorizado para cálculo de dietas ou consultar uma tabela de composição química de alimentos, deve-se ter em mente que os dados são valores médios, referentes a um determinado número de amostras analisadas. Portanto, variações entre tabelas são absolutamente normais, mesmo utilizando-se métodos analíticos oficiais, reconhecidos internacionalmente e validados. Segundo Klensin20, “dados de composição de alimentos, assim como a maioria de outros dados científicos, raramente são verdadeiros ou falsos de forma absoluta”. Os alimentos, por seu caráter biológico, podem conter diferentes teores de nutrientes, em função de variedade, safra, solo, clima, produção, formulação, entre outros; dessa forma, variações encontradas não podem ser consideradas erros. No entanto, é de primordial importância a adoção de cuidados que envolvam desde a identificação detalhada do alimento até o controle da qualidade analítica, para garantir a qualidade das informações, mesmo que os dados provenientes de diferentes laboratórios não sejam exatamente iguais. Quando são avaliados e comparados valores oriundos de diferentes tabelas, usadas em diferentes programas, devem-se observar quais critérios foram adotados para esse fim. A omissão de detalhes analíticos ou a adoção de procedimento analítico inadequado, por exemplo, pode afetar o julgamento das informações. Minimizando essas interferências, podem-se, então, identificar fontes de variações, que não configuram erros. Alguns critérios básicos devem ser observados para que haja maior confiabilidade das informações, como referência sobre procedimentos analíticos adotados e sua adequação para o nutriente, forma de seleção dos dados de alimentos a serem compilados, número de amostra que originou os dados e identificação detalhada do alimento. Uma observação importante refere-se aos dados de FA, que devem ser obtidos por método enzímico-gravimétrico. Muitas tabelas em uso 190 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 ainda apresentam dados de fibra bruta (basicamente, celulose e parte de hemicelulose e lignina), que é apenas uma parte da FA. Além da importância de ser identificado o real teor de FA, responsável por inúmeros efeitos fisiológicos e associada à redução de risco de desenvolvimento de certas doenças, o valor obtido deve ser descontado da quantidade de carboidratos totais da dieta, para fins de cálculo de energia. A estimativa de carboidratos totais por diferença é um exemplo clássico de prática adotada que interfere nos resultados. Embora bastante utilizada, essa estimativa permite que esse dado seja uma fonte de erro recorrente, pois se trata de cálculo dependente de análise de outros nutrientes e pode acumular variações referentes a elas, bem como incluir outros componentes.9 Ainda hoje, algumas tabelas de composição de alimentos adotam essa estimativa, ou seja, descontam-se de 100 os valores de umidade, cinzas, lipídios e proteínas. Esse valor obtido refere-se ao total de carboidratos, no qual a FA está incluída. Para o cálculo do valor energético do alimento, é necessário descontar o teor de FA da quantidade de carboidratos totais do alimento (carboidratos totais por diferença – FA = carboidratos disponíveis por diferença). Portanto, quando se utiliza uma tabela com dados de fibra analisada pelo método de fibra bruta, ou no caso de a FA não ter sido analisada, deve-se saber que esses alimentos podem estar com teor de energia superestimado. O ideal é que os diferentes carboidratos sejam analisados por métodos específicos para cada tipo.50 Países como Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido apresentam em suas tabelas os carboidratos analisados separadamente. É importante ressaltar que a TBCA-USP, desde sua criação, vem apresentando dados de alimentos de forma individualizada, fornecendo informações detalhadas sobre variedade, espécie, grau de maturação, sazonalidade, entre outras. Essas informações são extremamente importantes do ponto de vista nutricional, porque podem implicar variações na quantidade de nutrientes dos alimentos. Tal detalhamento vem também ao encontro da preocupação que muitos órgãos internacionais têm I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 191 demonstrado em relação à biodiversidade de alimentos, pois os bancos de dados e tabelas de composição de alimentos, em sua maioria, apresentam valores médios de amostras compostas ou provenientes de cálculos sobre dados de amostras individuais. Vale lembrar que Atwater enfatizou que bancos de dados de composição de alimentos são ferramentas científicas que devem ser usadas corretamente e que seu uso adequado depende do treinamento e da perícia do usuário.16 REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Bressani R. Report on Latinfoods. The United Nations University Press. Food and Nutrition Bulletin 1990; 12(2). Tóquio. Disponível em: http://www.unu. edu/unupress/food/8F122e/8F122E0a.htm. 2. Sevenhuysen GP. FAO’s food composition activities. In: FAO celebrates 50 years. 1995. Disponível em: http://www.fao.org/docrep/V7700T/v7700t07.htm. 3. Southgate DAT. 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JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Carpenter KJ. A short history of nutritional science: Part 1 (1785–1885). J Nutr 2003; 133:638-45. 11. Buchholz AC, Schoeller DA. Is a calorie a calorie? Am J Clin Nut 2004; 79(Suppl):899-906. 12. Jones DB. Factors for converting percentages of nitrogen in foods and feeds into percentages of protein. U.S. Department of Agriculture, Circular 1941; 183. 22p. Disponível em: http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/Data/Classics/ cir183.pdf>. 13. Merril AL, Watt BK. Energy value of foods, basis and derivation (revision). Agric. Handbook 94, US Department of Agriculture, Washington. 1973. 105p. Disponível em: http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/Data/Classics/ah74.pdf. 14. Food and Agriculture Organization. Food energy: methods of analysis and conversion factors. Report of a technical worshop. FAO, Food and Nutrition Paper, 77, Rome, 2003. Disponível em: ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/006/y5022e/ y5022e00.pdf. 15. Southgate DAT, Durnin JV. 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Uniformização internacional de dados brasileiros de composição de alimentos. Bol SBCTA 1997; 31(2):93-104. 194 35. JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Menezes EW, Gonçalves FAR, Giuntini EB, Lajolo FM. Brazilian food composition database: Internet dissemination and others recent developments. J Food Compos Anal 2002; 15(4):453-64. 36. Greenfield H, Southgate DAT. Food composition data: production, management and use. 2.ed. Londres: Food and Agriculture Organization of United Nations (FAO), 2003. 37. Lajolo FM. Grupo de trabalho: composição de alimentos. Bol SBCTA 1995; 29:57-69. 38. Lajolo FM, Menezes EW. Atividades nacionais sobre composicão de alimentos no Brasil,1995-1997, Simposio FAO/SLAN/LATINFOODS sobre Composición de Alimentos. XI Congresso da Sociedad Latinoamericana de Nutrición. SLAN 97, Guatemala 1997a. 39. Lajolo FM, Menezes EW. Uma análise retrospectiva e contextualização da questão. Grupo de trabalho de composição de alimentos. Bol SBCTA 1997b; 31(2):90-2. 40. 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J Food Compos Anal 2011; 24:678-81. I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 45. 195 Danish Food Composition Databank. Danish Institute for Food and Veterinary Research. Disponível em: http://www.foodcomp.dk/fcdb_default. htm. 46. Souci-Fachmann-Kraut Online-Database. Food Composition and Nutrition Tables, based on the 6th ed. 2000. Disponível em: http://www.sfk-online.net. 47. U.S. Department of Agriculture. Agricultural Research Service (USDA-ARS). Nutrient Data Laboratory. Disponível em: http://www.nal.usda.gov/fnic/ foodcomp. 48. Closa SJ, Landeta MC. Tabla de Composición de Alimentos. Disponível em: http://www.unlu.edu.ar/~argenfoods/Tablas/Tabla.htm. 49. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (Taco)/Nepa – Unicamp. Campinas: Nepa-Unicamp, 2006. Disponível em: http://www.unicamp.br/nepa/taco. 50. Monro J, Burlingame B. Carbohidratos y componentes alimentarios relacionados: identificadores de INFOODS, significados y usos. In: Morón C, Zacarías I, Pablo S (eds.). Produccíon y Manejo de datos de composición química de alimentos en nutrición. Santiago: FAO/INTA, 1997, p.327-56. N O TA A O Brasilfoods está ligado ao Latinfoods (Red Latinoamericana de Dados de Composición de Alimentos)/Infoods (International Network Food Data Systems). V I R T UA L N U T R I P LU S : P R O G R A M A PA R A A P O I O À S D E C I S Õ E S N U T R I C I O NA I S Sonia Tucunduva Philippi Greisse Viero da Silva Leal É importante o conhecimento dos dados sobre a composição de alimentos produzidos e consumidos nas diferentes regiões do Brasil, pois eles fornecem elementos básicos para ações de promoção da saúde, como orientação nutricional baseada em princípios de desenvolvimento local e diversificação da alimentação, em contraposição à massificação de dietas monótonas e inadequadas. Esses dados precisam ser confiáveis e apresentar informações sobre a composição do alimento in natura, processado ou como preparação culinária, para possibilitar a tomada de decisão sobre os tipos de alimentos que devem compor a dieta, observadas as recomendações nutricionais. O conhecimento da energia, dos macro e micronutrientes dos diferentes alimentos possibilita, em conjunto com outras informações, um adequado planejamento da dieta não só para coletividades sadias como para indivíduos com dietas específicas que necessitam de controle de nutrientes especiais.1 Os profissionais da área de alimentação e nutrição (nutricionista, gastrônomo, engenheiro de alimento, médico) buscam programas e tabelas de composição para consultas sobre a composição centesimal de 198 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 alimentos ou a utilização dos dados em trabalhos clínicos, ambulatoriais, laboratoriais, de desenvolvimento de novas tecnologias e melhoramento da qualidade do valor nutritivo dos alimentos. As indústrias de alimentos e pequenas empresas também podem utilizar a composição centesimal de alimentos e ingredientes para planejamento da informação nutricional nos rótulos. As Unidades Produtoras de Refeições públicas ou privadas buscam informações em programas e em tabelas para planejamento e cálculo de seus cardápios, que estão cada vez mais disponíveis para conhecimento do consumidor exigente e comprometido com uma qualidade de vida saudável.1 O programa Virtual Nutri Plus (VNPlus) é um sistema computadorizado para avaliação da composição nutricional de indivíduos e grupos populacionais em versão nova2 e norteada pelo primeiro programa nutricional do Brasil desenvolvido por nutricionista, o Virtual Nutri.2 O VNPlus foi desenvolvido3 a partir de 2001 utilizando a linguagem Delphi 5.0 da Borland como linguagem de programação e banco de dados Paradox, seguindo o modelo incremental segundo os paradigmas de engenharia de software. Esse software tem como objetivo auxiliar no planejamento e na avaliação de dietas e no acompanhamento e na evolução de pacientes e grupos populacionais, além de possibilitar funcionalidades como o cadastramento e a inclusão de alimentos e preparações culinárias, a criação de banco de dados (pacientes, dietas, protocolos de preparações culinárias/receitas), a avaliação de dietas de grandes grupos populacionais (pesquisa), bem como a utilização em academias, consultórios, trabalhos acadêmicos de graduação, especialização e de pós-graduação, universidades, unidades produtoras de alimentação e nutrição, hospitais, escolas e creches. É possível exportar dados de um determinado grupo de pacientes para, por exemplo, uma planilha de Excel (.xls), possibilitando que o usuário proceda as análises estatísticas necessárias. Permite também o acesso ao manual de utilização com explicações detalhadas de todas as funcionalidades.3 I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 199 Destaca-se que a funcionalidade “Cadastro de alimentos” permite ao usuário incluir seus próprios alimentos no banco de dados, alterar alimentos já existentes e imprimir relatórios da composição nutricional de determinados alimentos ou dietas. Possibilita a análise de dados coletados em pesquisas de consumo alimentar por meio de inquéritos alimentares, como o recordatório de 24 horas, o diário alimentar e o questionário de frequência alimentar.3 Além do VNPlus, outro material de consulta que se mostra rápido e prático no planejamento e cálculo do valor nutritivo de dietas, principalmente em locais e situações nas quais não há possibilidade de utilização de um programa destinado a este fim, é a Tabela de composição de alimentos: suporte para decisão nutricional.4 A elaboração dessa tabela partiu da necessidade da existência de um banco de dados, com composição de alimentos atualizada, com os alimentos consumidos em sua forma usual, e não apenas uma lista de alimentos crus, com informações sobre alguns principais nutrientes. O trabalho com pesquisas sobre o consumo de alimentos em indivíduos e populações demanda necessidade de informações sobre os alimentos industrializados, com as respectivas marcas comerciais e as preparações culinárias mais habitualmente consumidas. As informações sobre o valor nutritivo dos alimentos, reunidas em uma tabela, possibilitam a tomada de decisão sobre os alimentos e as preparações culinárias que devem integrar o planejamento dietético de acordo com as recomendações nutricionais. O conhecimento sobre os valores de energia (kcal), umidade, proteína, lipídios, carboidratos, vitaminas, minerais, fibras, ácidos graxos, aminoácidos e outros micronutrientes dos alimentos é imprescindível para um diagnóstico eficiente do consumo alimentar e planejamento de políticas públicas de intervenção nutricional, principalmente em grupos com maior vulnerabilidade.4 Inicialmente, para a composição dessa tabela, foi utilizado como base o banco de dados do programa Virtual Nutri versão 1.0, para Windows.3 Para os alimentos in natura, as informações foram retiradas 200 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 de várias tabelas de composição de alimentos nacionais e internacionais.5-10 Para conhecer o conteúdo nutricional dos alimentos industrializados, foi realizado um trabalho de leitura e interpretação das informações contidas em rótulos/embalagens, fichas técnicas, consultas a serviços de orientação ao consumidor e sites das indústrias alimentícias (período de 1995 a 2000). A tabela é também composta por alimentos consumidos pela população em forma de preparações, possibilitando a consulta imediata daqueles mais consumidos, como arroz, feijão, pizza, pastel de feira e fast-food, e traz informações sobre o valor nutritivo por 100 g do alimento pronto para consumo. Nas receitas das preparações culinárias, foram considerados o rendimento, a forma de preparo e o indicador de conversão (IC) do estado do alimento. Posteriormente, o banco de dados da tabela foi atualizado para o desenvolvimento e aprimoramento do VNPlus, com a inclusão de dados da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (Taco)11, coordenada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de novas inclusões de alimentos, fórmulas e suplementos por meio da interpretação das informações contidas em rótulos/embalagens, fichas técnicas e novas consultas a Serviços ao Consumidor (período de 2000 a 2010). Mais recentemente, as partes não convencionais dos alimentos também foram incluídas, com base no material técnico publicado pelo Sesi.12 O banco de dados atual do VNPlus possui mais de 2.900 alimentos entre naturais (270), preparações (490) e industrializados (2150); apresenta mais de 3.200 variações de alimentos de acordo com forma de preparo (cru, assado, grelhado, etc.) e com suas medidas usuais; entre elas, unidade, copo, fatia, folha, ramo, gomo, bago, colher de servir, colher de sopa, colher de sobremesa, colher de chá, colher de café, xícara de chá, escumadeira e concha.2 As preparações culinárias do hábito alimentar brasileiro presentes no programa, em sua maioria, foram elaboradas no laboratório de Técnica Dietética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 201 (FSP-USP), com variações culinárias de diversas regiões do Brasil, como abobrinha frita, arroz com lentilha, bife à milanesa, acarajé, feijoada, entre outras.3 O programa avalia energia (kcal), unidade (g), proteína (g), carboidrato (g), fibra total (g), fibra insolúvel (g), fibra solúvel (g), gordura total (g), gordura saturada (g), gordura monoinsaturada (g), gordura poli-insaturada (g), colesterol (mg), vitamina A (RE), vitamina B1 (mg), vitamina B2 (mg), vitamina B6 (mg), vitamina B12 (mcg), vitamina C (mg), vitamina D (mcg), vitamina E (mg), niacina (mg), cálcio (mg), cobre (mg), ácido pantotênico (mg), folato (mcg), ferro (mg), fósforo (mg), iodo (mcg), magnésio (mg), manganês (mg), potássio (mg), selênio (mcg), sódio (mg) e zinco (mg).2 O VNPlus possui diversas funções, como avaliação do estado nutricional segundo as recomendações das DRI; recomendação diária de ingestão de energia e nutrientes de acordo com peso, altura, idade, sexo e atividade física; relatórios que descrevem o valor nutritivo dos alimentos por gramas; visualização da distribuição de nutrientes por refeição; e descrição da dieta em medidas usuais e em gramas.2 É importante ressaltar a necessidade de se conhecer as tabelas de composição de alimentos que compõem o banco de dados de um programa a ser utilizado para planejamento e avaliação dietética. Devem-se utilizar tabelas que apresentem dados de alimentos locais com análises padronizadas realizadas por laboratórios certificados, como é o caso das tabelas Taco11 e Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA-USP).13 Em 1984, foi criada a rede Infoods (International Network of Food Data Systems), ligada à Universidade das Nações Unidas (UNU) e à Food and Agriculture Administration (FAO), que propôs diretrizes e criou ferramentas que implicaram grande avanço nas tabelas de composição. Atualmente, a consciência relativa à biodiversidade de alimentos existentes vem ampliando o enfoque das tabelas e dos bancos de dados de composição química de alimentos. No Brasil, a TBCA-USP, da Rede Brasileira de Dados de Composição de Alimentos (Brasilfoods), desde sua criação em 202 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 1998, vem adotando esses padrões internacionais e encontra-se disponível na internet (http://www.fcf.usp.br/tabela).13 Os dados de porções e medidas usuais de consumo dos alimentos utilizados na TBCA foram compilados do VNPlus. A Taco foi coordenada pelo Nepa da Unicamp e teve a participação de diferentes instituições brasileiras e de pesquisadores renomados. Teve financiamento dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O objetivo era proporcionar informações sobre um grande número de nutrientes em alimentos nacionais e regionais obtidos por meio de amostragem representativa e análises realizadas por laboratórios com competência analítica comprovada por estudos interlaboratoriais, segundo critérios internacionais. Teve início em 1997 e foi desenvolvida em cinco fases, sendo que a quinta fase teve início em 2005. Foi lançada em 2004 e atualmente totaliza 495 alimentos. Essa tabela inovou ao apresentar 90 protocolos padronizados por Philippi11 para alimentos preparados, do hábito alimentar e de caráter regional, desenvolvidos e inseridos na Tabela após análise em 100 g de alimento pronto. Exemplos: pintado assado/grelhado, mandioca cozida, feijão-roxo cozido, coxinha frita, bolinho de arroz, entre outros. O projeto Taco foi desenvolvido em fases com a preocupação de inserir na Tabela um número expressivo de informações sobre nutrientes em alimentos nacionais, regionais e alguns industrializados, obtidos por amostragem representativa e com análises realizadas apenas por 20 laboratórios com competência comprovada por estudos interlaboratoriais e internacionais, sendo sete de São Paulo, dois do Paraná, dois do Rio de Janeiro e nove de outros estados brasileiros. No caso, por exemplo, de frutas, verduras e legumes, as coletas foram realizadas no Ceasa em Campinas, no Ceagesp em São Paulo, no Mercado Municipal em São Paulo ou em supermercados, sempre de fornecedores com maior volume de vendas, com coleta aleatória para cada alimento. No Instituto Tecnológico de Alimentos (ITAL Campinas), todos os alimentos foram homogeneizados, com protocolos específicos e três amostras compostas I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 203 (100 a 200 g) encaminhadas para análises laboratoriais. Como exemplo de metodologia analítica, todas de alta complexidade, foram avaliados teores de minerais e vitaminas. Os minerais (Ca, Fe, MG, Mn, P, Na, K, Cu e Zn) foram determinados por espectrometria de emissão atômica com fonte de plasma indutivamente acoplado ICP-OES, segundo a Association of Official Analytical Chemists (AOAC, 2000). As vitaminas, como o retinol, foram determinadas por cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) com detecção por fluorescência, segundo Mans e Philippi e Zahar e Smith (referências completas no site da Taco).1 Após todo o procedimento analítico, os valores definidos foram incluídos na Tabela por 100 g do alimento.1 As tabelas de composição de alimentos nacionais e internacionais devem ser sempre consultadas, para avaliar as informações disponíveis e complementar as lacunas existentes quando da busca dos dados. Os bancos de dados dos alimentos dos programas nutricionais nacionais ou internacionais devem também trazer suas referências para identificar a fonte dos dados e sua confiabilidade. De acordo com Johana Dwyer14, nutricionista e pesquisadora norte-americana, os estudos sobre composição de alimentos passaram por quatro revoluções. A primeira, com Atwater15, descreveu a energia advinda dos alimentos; a segunda apresentou a caracterização de vitaminas e minerais que se mostraram importantes para evitar as doenças decorrentes de sua deficiência; na terceira, conhecendo-se melhor a composição dos alimentos, foram feitas associações entre dieta e doença, incluindo as relacionadas a má nutrição e doenças crônicas não transmissíveis; e a quarta revolução relaciona-se com a descoberta de outras substâncias nos alimentos que também podem afetar a saúde humana, como os compostos bioativos e fatores antinutricionais. A quinta revolução deverá estar relacionada com a biodiversidade. Segundo a FAO, o amplo conhecimento das informações de composição de alimentos de diferentes culturas das diversas regiões e países é 204 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 importante para garantir a preservação e o uso sustentável da biodiversidade em programas de segurança alimentar e nutrição humana. Portanto, um banco de dados de um programa ou de uma tabela deve estar sempre em construção, atualização e aperfeiçoamento.1 A partir de 2011, uma equipe de programadores deu início à construção do Virtual Nutri Plus Web, a partir do VNPlus. O trabalho foi apresentado no Congresso Latinoamericano de Nutrição (SLAN), em 2012, em Havana, Cuba.16 O Virtual Nutri Plus Web2 foi desenvolvido na plataforma ASP. NET da Microsoft, sendo, portanto, um software 100 Web. Sua concepção e seu desenvolvimento foram idealizados pela Dra. Sonia Tucunduva Philippi e realizados pela empresa Keeple. A equipe contou com dois nutricionistas, um gerente de projeto, um designer e três desenvolvedores. Por se tratar de um sistema totalmente Web, não requer instalação e funciona com dispositivo conectado à internet com um browser (Internet Explorer, Mozilla, Safari, Chrome, etc.) e é compatível com qualquer sistema operacional (Windows, Mac OS, Linux, etc.). O aplicativo é executado nas “nuvens” e, por consequência, seu desempenho é garantido pela empresa desenvolvedora. O novo Virtual Nutri Plus está hospedado em um dos maiores Data Centers do Brasil, o que garante alto desempenho e manutenção adequada para seu perfeito e constante funcionamento, além de total segurança no armazenamento das informações. Em relação ao modelo de cobrança, o VNPlus foi desenvolvido no modelo SaaS (software as a service), que permite ao nutricionista obter uma assinatura somente pelo tempo que desejar utilizar o sistema. As principais vantagens de utilização do VNPlus são a automatização, a garantia de que a informação sobre a composição nutricional dos alimentos está atualizada, a otimização de alguns passos no processo de atendimento nutricional (p.ex., avaliações) e o acompanhamento das ações pelo usuário, facilitando as atividades de planejamento e avaliação pelo nutricionista.2 I J O RNA DA S OBRE TA BE L A S DE COMP OSI ÇÃO... 205 O desenvolvimento de pesquisas sobre valor nutritivo e composição dos alimentos deveria ser uma atribuição governamental, com recursos financeiros, materiais e humanos alocados em alguma esfera governamental, para permitir plenas condições operacionais, com continuidade, atualização permanente e divulgação imediata dos dados obtidos. Contudo, essa tarefa tem ficado na iniciativa dos pesquisadores que buscam recursos financeiros junto aos órgãos governamentais, mas sempre insuficientes e descontínuos. Existe morosidade em razão da complexidade e é necessário rigor nas análises laboratoriais, permitindo a existência de lacunas entre as necessidades e as reais possibilidades. Como reflexão sobre o tema de programas de nutrição informatizados, deveria haver uma tabela oficial brasileira, com alimentos naturais, processados e preparações tipicamente de nosso país, coordenada por um órgão governamental como Ministérios da Saúde, Agricultura, Ciência e Tecnologia, com parcerias técnicas com universidades, órgãos de pesquisa, instituições privadas e empresas alimentícias, em um esforço único de desenvolver programas específicos para a área de alimentação e nutrição, possibilitando conhecer a composição dos alimentos nacionais e todo o potencial de seus macro e micronutrientes, além de outros compostos ainda não conhecidos. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Virtual Nutri Plus (Software online). Disponível em: http://www.virtualnutriplus.com.br. 2. Philippi ST. Tabela de composição de alimentos: a palavra da Profa. Dra. Sonia Tucunduva Philippi. Nestlé Bio-Nutrição e Saúde São Paulo 2011; 4:4-9. 3. Philippi ST. Virtual Nutri Plus (Software) versão 1.0. São Paulo, 2008. 4. Bowes AP, Church CF. Food values of portions commonly used. Rev By JAT Pennington. 17.ed. Nova York: Lippincott – Raven Publishers, 1998. 5. Geltz R, Geltz B. The food processor for Windows. Versão 6.0: nutrition analysis software. Salem: Esha research, 1995. 206 6. JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Holland B, Welch AA, et al. Mc Cance and Winddwson’s. The composition of foods. 5.ed. Cambridge: TheRoyal Society of Chemistry/ Ministry of Agriculture, Fisheries and Food, 1991. 7. Instituto de Geografia e Estatística. Estudo Nacional de Despesa Familiar – ENDEF: Tabela de Composição de Alimentos. Publicações especiais. Rio de Janeiro 1997; 3. 8. Souci SW, Farchman W, Kraut K. Food composition and nutrition tables. 5.ed. Stutgard: Medpharm Scientific Publishers, 1994. 9. 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Esse documento também define os seguintes campos de ação para promoção da saúde: elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis, criação de ambientes favoráveis à saúde, fortalecimento da participação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais e reorientação dos serviços de saúde. Assim, chama-se a atenção para os determinantes múltiplos da saúde e para a necessidade de um trabalho intersetorial e interinstitucional na mediação entre os diferentes interesses existentes em relação à saúde. Os conceitos ligados à promoção da saúde, assim como suas práticas, vêm sendo elaborados mundialmente em diferentes contextos sociais, levando à produção de vários documentos voltados para os diferentes campos de promoção da saúde.2 No caso brasileiro, o desenvolvimento da promoção da saúde ocorre no contexto da redemocratização do país e da reforma sanitária, cujos princípios e diretrizes estão incorporados no texto constitucional. Os conceitos trazidos do contexto 210 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 internacional encontraram, no Brasil, um debate com forte participação popular que resgata a noção de saúde como produção social e direito de cidadania.3 Entende-se promoção da saúde como mais do que a adoção de estilos de vida saudáveis, sendo fundamentais a discussão das condições objetivas de existência dos indivíduos e grupos sociais e a luta pela garantia de seus direitos. Em 2006, por meio da Portaria n. 687 do Ministério da Saúde, oficializou-se a Política Nacional de Promoção da Saúde, articulando e reforçando programas e iniciativas anteriores, visando a consolidar uma agenda nacional, coerente com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).4-6 Além das ações desenvolvidas nos serviços de saúde, numerosas iniciativas de promoção da saúde vêm se articulando no espaço das políticas públicas de desenvolvimento, da intersetorialidade e da ação comunitária. Entre essas iniciativas, destacam-se as experiências de Escolas Promotoras de Saúde, que envolvem parcerias entre os Ministérios da Saúde e da Educação, as universidades, os estados e os municípios, com o apoio da Sociedade Brasileira de Pediatria.5-8 A Escola Promotora da Saúde considera as pessoas, em especial as crianças e os adolescentes, inseridas em seu ambiente familiar, comunitário e social, e tem três princípios básicos, relacionados entre si9: • educação para saúde com enfoque integral, incluindo o desenvolvimento de habilidades para a vida: discute a saúde como construção social, abordando a relação entre a saúde e seus determinantes, e usa todas as oportunidades educativas para promover a saúde; • criação e manutenção de ambientes f ísicos e psicossociais saudáveis: destaca o desenvolvimento humano saudável e as relações construtivas e harmônicas, promove aptidões e atitudes para a saúde, busca oferecer um espaço f ísico seguro e confortável, com água potável e instalações sanitárias adequadas e uma atmosfera psicológica positiva para a aprendizagem. Promove a autonomia, a criatividade e a participação dos alunos, bem como de toda a comunidade escolar;10 I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . • 211 oferta de serviços de saúde: visa ao fortalecimento da articulação entre os setores da educação e da saúde; no caso brasileiro, estimula-se o acesso a serviços de saúde, com definição conjunta e participativa das prioridades e estratégias, contribuindo para a consolidação do SUS.11 Como lembrou Cerqueira12, essa visão se contrapõe ao que ocorre na maioria dos casos, em que a escola é vista pelo setor da saúde como “lugar de aplicação de medidas de controle e prevenção de doenças”, em que os alunos seriam um grupo passivo, alvo de ações isoladas e assistencialistas, em que se usa a escola, mas não se oferece uma atenção integral nem se aproveitam as oportunidades pedagógicas para promover o desenvolvimento e o protagonismo da criança e do adolescente em relação à sua saúde e à de sua comunidade. Essa visão também é coerente com o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais13, que elege como temas transversais: saúde, meio ambiente, trabalho e consumo, pluralidade cultural, orientação sexual e ética. As questões sociais contemporâneas passam a ser abordadas não apenas como conteúdo de disciplinas específicas, mas por todas as disciplinas e também em projetos interdisciplinares. Nesse contexto, a segurança alimentar e nutricional torna-se um componente fundamental e indissociável das estratégias de promoção da saúde no contexto escolar.14 A articulação das ações de promoção da saúde com o Programa Nacional de Alimentação Escolar pode ocorrer em vários momentos, trazendo valiosas oportunidades de aprendizagem, de discussão sobre as condições de vida e de construção de estilos de vida saudáveis, por meio de conteúdos de várias disciplinas e também nos temas transversais, como a origem dos alimentos, o alimento nas diferentes culturas, os processos de trabalho e produção de alimentos, a escolha de alimentos saudáveis e a pressão pelo consumo de alimentos industrializados, a questão do desperdício e da sustentabilidade, entre outras. O momento da merenda não deve ficar dissociado dos outros momentos da vida escolar.15,16 Nesse contexto, merecem destaque os aspectos descritos a seguir. 212 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 C O N D I Ç Õ E S S A N I TÁ R I A S Garantia das condições de higiene e de qualidade na aquisição, na conservação e no preparo dos alimentos. Esses aspectos também podem ser objeto de discussão com os alunos e pais, possibilitando sua participação no processo.17,18 A L I M E N TAÇ ÃO C O M O D I R E I TO F U N DA M E N TA L Toda criança tem o direito de se manter alimentada durante o período escolar, com alimentos em quantidade e qualidade adequadas às suas necessidades e respeitando seus hábitos culturais. A alimentação escolar é parte do dia alimentar da criança e não deve ser tratada como política meramente assistencial nem como solução para a desnutrição ou o fracasso escolar, como se observou em vários momentos de sua história. A alimentação escolar precisa ser entendida como a garantia de um direito de cidadania.17 T R E I NA M E N TO E S U P E RV I S ÃO D E R E C U R S O S H U M A N O S Todos os profissionais que participam da elaboração e distribuição da merenda escolar devem ser vistos como membros da equipe escolar, tendo, portanto, seu papel como educadores. Tudo o que acontece na escola pode e deve ser aproveitado como oportunidade pedagógica. Para isso, deve-se proporcionar formação profissional compatível com esse papel, além de condições adequadas de trabalho e acesso à educação continuada/permanente a todos os envolvidos. I N T E G R AÇ ÃO DA E Q U I P E O planejamento conjunto das atividades pode promover a ligação entre os conteúdos da sala de aula e a alimentação. Uma possibilidade de trabalho educativo é envolver o professor no trabalho junto aos alunos, no momento da merenda, buscando valorizar, assim, os aspectos simbólicos e vivenciais relacionados à alimentação e proporcionando novas relações entre educadores e educandos, pelo compartilhamento das I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 213 refeições. Esse trabalho pode e deve ser compartilhado com merendeiras e nutricionistas.19-21 C A N T I NA S Para as escolas que têm cantinas, além da regulamentação da venda de alimentos, é importante realizar um trabalho educativo com os profissionais e proprietários desses estabelecimentos, com a finalidade de oferecer e estimular a escolha de alimentos saudáveis. Um exemplo é o trabalho de Schmitz et al.22 AT E N Ç ÃO Não se pode deixar de lado a discussão sobre as condições de vida, saúde e trabalho da equipe da escola, incluindo-se também as merendeiras. O trabalho digno e a atenção à saúde desses profissionais são componentes indissociáveis da meta de se construir uma escola promotora de saúde. O R I G E M E P R E PA R O D O S A L I M E N TO S A abordagem dos conteúdos relativos à origem dos alimentos e seu preparo pode também motivar a escolha de alimentos saudáveis e propor novas relações entre produção e consumo. Projetos interdisciplinares, como a instalação de hortas escolares e a participação do escolar na seleção e preparação das refeições, podem ser de grande valia para discutir a origem do alimento; os processos de produção, transporte, armazenamento e consumo; a importância dos produtos locais e dos alimentos próprios de cada estação do ano; a relação entre o clima, a água e a produção de alimentos, entre outros. Esses projetos podem também constituir um valioso incentivo à escolha de alimentos saudáveis provenientes da produção local.23,24 A O R I G E M D O A L I M E N TO F R U TO DA NAT U R E Z A E D O TR ABALHO COLETIVO Seus significados nas diferentes culturas e em diferentes momentos da vida, a culinária regional, as relações sociais e afetivas envolvidas no servir e no 214 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 comer são aspectos importantes que podem dar origem a vários projetos e atividades transversais e interdisciplinares, que respeitam e valorizam a criança como sujeito, e não como consumidor. Alimentação não é prescrição ou treinamento, mas envolve dimensões simbólicas e vivenciais e traz possibilidades de compartilhamento de experiências e maior proximidade entre os alunos e a equipe da escola.17 Nas palavras de Domene16: “O comportamento alimentar reflete o resultado de experiências vividas em diferentes níveis de relação, desde interpessoais, ambientais, comunitários e até políticos”. C O N C LU S Õ E S Objetiva-se, com isso, satisfazer as necessidades biológicas, mas também de afeto e cidadania, recuperando-se a alimentação escolar como espaço pedagógico repleto de significados.16,17 O aproveitamento da alimentação escolar como oportunidade de promoção da saúde requer planejamento interdisciplinar e intersetorial, respeito à cultura e conhecimento das necessidades locais, além da elaboração de materiais didáticos e de apoio apropriados para esse fim. Para projetos locais, é necessário o envolvimento de toda a equipe, merecendo destaque também o papel dos gestores, articulando e facilitando os projetos e iniciativas dos educadores e demais membros da comunidade escolar. Em âmbito regional, é importante o compromisso dos gestores da educação e do Programa de Alimentação Escolar, para implementação das políticas de promoção da saúde, preferencialmente definidas em conjunto com os Conselhos de Escola e outras instâncias de participação popular. Esses conselhos surgiram no processo de redemocratização da sociedade brasileira e são compostos por representantes de todos os atores participantes dos processos educativos – pais, professores, diretores, funcionários e alunos. Segundo Silva25, constituem espaços de educação para a democracia e sua implantação demandou esforços dos setores progressistas da sociedade. Valorizar os Conselhos de Escola como instâncias de planejamento local requer uma concepção de educação como “processo coletivo, partilhado entre a escola e a sociedade” e, consequentemente, promover a I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 215 democratização do planejamento e da gestão, incluindo os “leigos” historicamente excluídos desses processos. Como locais de construção coletiva e de poder partilhado, os conselhos de escola devem ser fortalecidos, valorizando-se a cidadania ativa em oposição às relações de consumo. A participação é entendida, assim, como forma de conquista de poder e, por meio dele, de direitos.26 Essa participação possibilita a consolidação do trabalho voltado para a promoção da saúde, pela apropriação do processo pelos conselhos e por cada um dos segmentos envolvidos. A implantação de políticas intersetoriais e participativas requer decisões políticas e envolve mudanças nas estruturas de poder, assim como o enfrentamento de contradições e restrições de vários tipos. No caso da saúde escolar, observa-se a convivência do modelo antigo – higienista e assistencialista – com novas propostas, mais próximas dos princípios da promoção da saúde em seus aspectos transformadores. Assim, a exemplo de Valadão27, observa-se que a saúde escolar, ao mesmo tempo que serve para estabelecimento de “práticas compensatórias da inexistência de serviços de saúde, da iniquidade e da falta de acesso à cidadania”, permite vislumbrar oportunidades para o fortalecimento de políticas públicas e da construção de projetos com real impacto na qualidade de vida. Como lembra a mesma autora, “é precisamente a valorização de suas especificidades que faz das instituições de educação e de saúde parceiras privilegiadas.” Por isso, afirma que a política para promoção da saúde na escola deve sustentar-se menos na inflexibilidade das normas e mais na exigência de conexão entre as normas e o compromisso de transformação social; apresentar-se como uma estratégia, entre outras, para qualificar a escola na recomposição de sua identidade política e pedagógica, visando a tornar mais saudáveis e solidárias as experiências de conviver e aprender cidadania. Faz-se necessário, portanto, superar a visão da escola e da comunidade escolar como objetos, combatendo a transformação da escola em mero local de assistência social. A participação da escola na rede de proteção social só pode se efetivar por meio do respeito à especificidade da educação e às tarefas primordiais da escola. No dizer de Silva28: 216 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 O bom trabalho pedagógico é aquela atividade intencional que acontece na escola, que possibilita as relações de aprendizagens entre sujeitos, orientadas pela ética profissional; é aquele que se alcança por meio de atividades voltadas para produção de ideias, de concepções, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes e habilidades. A educação de qualidade social implica, pois, assegurar a redistribuição da riqueza produzida e que os bens culturais sejam socialmente distribuídos entre todos. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto promoção da saúde. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 2. Buss PM. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM (org.). Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p.15-38. 3. 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A escola representa um dos locais mais interessantes para ações de promoção de educação em saúde, pois propicia inúmeras situações de aprendizagem direcionadas a um extenso setor da população, com ampla faixa etária que frequenta da creche à Educação de Jovens e Adultos (EJA), permitindo, ainda, a articulação com a família e a comunidade.1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais reforçam esse papel ao incluírem a saúde como um dos temas a serem trabalhados transversalmente e ao colocarem como um de seus objetivos que os alunos sejam capazes de “conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva”.2 220 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Dentro da perspectiva da adoção de hábitos saudáveis, a nutrição merece destaque, ressaltando-se a necessidade de implementação de ações de Educação Alimentar e Nutricional no ambiente escolar. Boog3 descreve que “a educação alimentar e nutricional não tem por finalidade prescrever formas adequadas de se alimentar, mas, sim, ensinar a pensar certo a respeito da alimentação” e que, “pensar certo não é transferir um conhecimento pronto e inerte sobre o que ‘deve’ ser consumido, às vezes desconexo com o cotidiano alimentar da casa e da escola”. Assim, fica claro que esse processo na escola deve levar ao desenvolvimento da capacidade crítica e de habilidades que se traduzam em mudança no comportamento, ou seja, autonomia para a tomada de decisões relacionadas a aquisição, preparação, preservação e consumo de alimentos, principalmente diante das consequências da transição nutricional, que incluem a grande diversidade e a constante ampliação de opções de alimentos processados, bem como a perda de aspectos culturais e sociais da alimentação.4 Neste texto, pretende-se ressaltar alguns aspectos envolvidos no complexo processo da educação alimentar e nutricional no ambiente escolar. E D U C AÇ ÃO A L I M E N TA R E N U T R I C I O NA L NA E S C O L A A imp ortância de açõe s inter setoriais A publicação da Portaria Interministerial n. 1.010, em maio de 2006, representou um marco no processo de fortalecimento das ações de Educação Alimentar e Nutricional ao instituir as diretrizes para a promoção da alimentação saudável nas escolas de educação infantil, fundamental e de nível médio, públicas e privadas, em âmbito nacional, em consonância com a Política de Alimentação e Nutrição, que prevê a “incorporação do tema alimentação saudável no projeto político pedagógico da escola, perpassando todas as áreas de estudo e propiciando experiências no cotidiano das atividades escolares”.5 I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 221 Em 2009, essa portaria foi reforçada com a sanção da Lei n. 11.947, de junho de 2009, e a publicação da Resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) n. 38, de julho de 2009, ambas enfatizando a importância da Educação Alimentar e Nutricional como parte do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).6,7 Nesses documentos são sugeridas estratégias para a implementação da Educação Alimentar e Nutricional visando à oferta de alimentação saudável na escola, sendo elas a implantação e manutenção de hortas escolares pedagógicas, a inserção do tema alimentação saudável no currículo escolar, a realização de oficinas culinárias experimentais com os alunos, a formação da comunidade escolar, bem como o desenvolvimento de tecnologias sociais que a beneficiem. Esses documentos ressaltam que não só o responsável técnico (nutricionista) deve estar envolvido, mas todos os profissionais da educação relacionados a esse processo.5-7 A ênfase dada à educação alimentar e nutricional no PNAE a partir da publicação dessas regulamentações é fundamental para que a alimentação escolar tenha sua dimensão ampliada, desviando-se do objetivo puramente biológico de fornecer energia e nutrientes, e passando a ter um papel pedagógico, ainda mais quando se avalia o alcance do Programa, cuja expectativa foi atender a 47 milhões de alunos, da educação básica à educação de jovens adultos em 2010.8 Quanto à sociedade, vale ressaltar sua participação em um importante instrumento de controle social – o Conselho de Alimentação Escolar (CAE). Esse órgão colegiado deliberativo, criado com a missão de acompanhar e assessorar as Entidades Executoras do PNAE em cada um dos municípios, é formado por representantes do poder executivo, entidade civil local, representantes das entidades de trabalhadores da educação e representantes dos pais e alunos.6,7 Atua verificando se a distribuição da alimentação escolar está sendo regular, se há falta de alimentos, se os alunos estão satisfeitos com a qualidade da alimentação e se existem falhas que prejudicam a qualidade do PNAE. Dessa forma, contribui para a constante melhora do Programa.9 222 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Segundo a Lei n. 11.947, os CAE podem desenvolver suas atribuições em regime de cooperação com os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional estaduais, municipais e demais conselhos afins e devem observar as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).6 Outra questão que mostra a importância da consolidação de ações intersetoriais diz respeito ao previsto, desde a publicação da Portaria n. 1.010, sobre a orientação de “restrição ao comércio e à promoção comercial no ambiente escolar de alimentos e preparações com altos teores de gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal e incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras”6, a qual estimulou a publicação de regulamentações em diversos municípios e estados e que, embora com abordagens distintas, visavam a contribuir com a promoção da alimentação saudável na escola.10 Esses dispositivos legais definem os alimentos cuja comercialização deve ser proibida, permitida ou obrigatória, ações educativas, capacitação de cantineiros, alvará sanitário, assessoria técnica, venda nas cercanias, propaganda de alimentos e fiscalização e sanções. O fato de essas regulamentações existirem em apenas algumas localidades e de nem todas estarem em vigor sugere a necessidade de uma regulamentação nacional.10 Quanto a publicidade e marketing de alimentos, a World Health Organization11 identificou que as principais formas de incentivar a venda de alimentos para crianças são a televisão e o marketing na escola. Princípios internacionais foram estabelecidos para que as crianças não sejam prejudicadas pela propaganda e por outras estratégias de marketing de alimentos (p.ex., associação do alimento a personagens famosos, brindes na embalagem), uma vez que estudos já mostraram que esses jovens consumidores são influenciados pelos comerciais e incentivos agregados e solicitam que os pais comprem os alimentos anunciados.11,12 No Brasil, recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a RDC n. 24/2010, que estabelece: I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 223 [...] assegurar informações indisponíveis à preservação da saúde de todos aqueles expostos à oferta, propaganda, publicidade, informação e outras práticas correlatas cujo objetivo seja a divulgação e a promoção comercial dos alimentos.13 Nessa estratégia, são apresentadas as definições de alimento com quantidade elevada de açúcar, gordura saturada, gordura trans e sódio. Isso contribui para que os consumidores tenham maior possibilidade de tomada de decisão diante da ampla oferta de alimentos, porém outras medidas de regulamentação ainda são aguardadas. Monteiro e Castro14 reforçam que as ações públicas não devem limitar-se apenas à restrição da publicidade desses alimentos, mas garantir campanhas que incentivem o consumo de alimentos saudáveis. I m p o rtâ n c i a da at uaç ã o i n t e r d i s c i pl i n a r d os di ver sos atore s da e scol a Segundo o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), as atribuições do nutricionista na escola incluem [...] planejar, organizar, dirigir, supervisionar e avaliar os serviços de alimentação e nutrição, além de realizar assistência e educação nutricional a coletividade ou indivíduos sadios ou enfermos em instituições públicas e privadas.15 A gestão do PNAE tem sido indicada como a atribuição que ocupa o maior tempo dos nutricionistas.16 Esse fator, muitas vezes associado a um número reduzido de nutricionistas nas equipes, dificulta que estes estejam à frente do desenvolvimento e da implantação de ações permanentes de educação alimentar e nutricional na escola. Para viabilizar essas ações, é fundamental que o nutricionista conte com a parceria da comunidade escolar. Todos os atores que estão envolvidos no processo educativo devem participar, mesmo tendo diferentes graus de influência – 224 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 o esforço conjunto de diretores, coordenadores pedagógicos, assistentes de direção, professores, agentes escolares e outros funcionários garante que o processo educativo ocorra, sendo essencial que esses profissionais desenvolvam trabalho interdisciplinar.3 Para o pleno envolvimento, esses atores também devem passar pelo processo de educação alimentar e nutricional, a fim de que se apoderem desses conceitos para suas próprias vidas – dessa maneira, espera-se que todos sejam sensibilizados e capacitados para produzir e desenvolver estratégias de formação do aluno.17 Ao nutricionista, citando Costa et al.18, cabe “estabelecer relação de diálogo entre o saber popular e o saber técnico, rompendo com o tradicional modelo tecnicista”. Nesse contexto, a relação do nutricionista com as cozinheiras e os professores deve ser evidenciada. Considerando o ambiente escolar, vale enfatizar o papel das cozinheiras (também denominadas merendeiras). Carvalho et al.19, em estudo sobre o seu papel na produção e distribuição da alimentação escolar, identificaram uma série de fatores que apontam para a importância da inclusão dessas profissionais no processo educativo. Além de suas atribuições na produção das refeições, que garantem que o alimento oferecido seja adequado higienicamente, nutricionalmente e em termos de características sensoriais, as cozinheiras desenvolvem uma relação de afeto com os escolares ao acompanhá-los no dia a dia, podendo, dessa maneira, envolver-se no processo de formação de seus hábitos alimentares e, por essa razão, devem ser valorizadas.3,18-20 No processo de formação/capacitação das cozinheiras, é fundamental que, assim como temas voltados à higiene dos alimentos, sejam abordadas questões relativas à alimentação saudável dos escolares, pois além de serem agentes multiplicadores desses conhecimentos durante o contato com os alunos, muitas vezes podem, por desconhecimento, tomar atitudes baseadas em percepções que afetam negativamente o processo educativo. Por exemplo, ao servir pratos com quantidade de I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 225 acordo com sua percepção do que acham que determinada criança precisa consumir, e não com base no per capita previsto, ou ao atribuir valor aos alimentos com base em sua capacidade de provocar saciedade (alimentos fortes versus fracos) ou, ainda, decidir por formas de preparo que podem levar à monotonia alimentar ou estar em desacordo com as recomendações nutricionais.19-21 Os professores têm enorme importância no processo, pois convivem por muitas horas diárias com os escolares, desenvolvendo forte vínculo, tendo a oportunidade de atuar como modelo e vivenciando inúmeras situações que permitem que trabalhem temas sobre alimentação e nutrição.3 Doyle e Feldman22, em estudo realizado com estudantes do Ensino Médio de Manaus, apontaram a importância da identificação dos educandos com os comunicadores. Nesse estudo, houve uma resposta positiva às mensagens sobre nutrição quando os comunicadores foram percebidos pelos estudantes como mais semelhantes a eles, independentemente do nível de especialização, característica que beneficia os professores nessa missão. No entanto, além da identificação com o grupo, também é necessário que professores tenham formação técnica adequada em nutrição e acesso a materiais que os auxiliem nessa tarefa. A detecção dessas necessidades aponta para alguns benef ícios que a parceria professor-nutricionista pode gerar. Ressalta-se que para essa parceria se efetivar é fundamental que a direção da escola esteja sensibilizada para o desenvolvimento das ações propostas, além de ter pleno conhecimento da legislação e atuar como facilitadora do processo. Em relação às barreiras que os professores podem encontrar, Olivares et al.23, em levantamento realizado com 80 instituições de ensino primário de 50 países da Ásia, África, América Latina, Caribe e Oriente Médio, por meio de questionário, identificaram carências que limitam o desenvolvimento da educação alimentar e nutricional; entre elas, as relacionadas a formação em nutrição dos professores, com programas de 226 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 capacitação e atualização suficientes, frequentes e com ampla cobertura, materiais educativos apropriados para educadores e educandos, apoio político, financiamento e pessoal especializado. Quanto à formação, segundo Contento et al.24, a partir de análises de programas de educação alimentar e nutricional implementados em escolas nos Estados Unidos durante a década de 1980, professores preparados apresentaram maior interesse por nutrição, melhora na atitude em relação à seleção alimentar e maior tempo de aula dedicado a esse tema. Estudo de Gaglianone et al.25 mostrou aumento significativo no conhecimento sobre nutrição e nas atitudes positivas em relação à implementação de ações educativas sobre esse tema, após capacitação. Contudo, Boog3 enfatiza que mais do que o conhecimento técnico, o professor deve “estar comprometido com a busca ativa: do direito ao acesso a uma alimentação saudável para si e para a coletividade, da valorização da alimentação de boa qualidade”. Entre os materiais utilizados pelos professores para a discussão sobre alimentação e nutrição, destaca-se o livro didático. Vários estudos têm identificado limitações nesse material, que apresenta muitos dos conteúdos desatualizados e até mesmo informações incorretas.26,27 Como exemplo, Gaglianone26, em seu estudo sobre os conteúdos de 23 livros didáticos de Ciências, encontrou ausência de informações que relacionassem maus hábitos alimentares e o surgimento de doenças, estímulo ao consumo de alimentos de origem animal (supervalorização das proteínas), tratamento preconceituoso da obesidade e falta de incentivo ao aleitamento materno. Em estudo realizado em Piracicaba/SP, também foi observado que, em sua maioria, os professores avaliados planejavam seu ensino com base em currículos previamente construídos, sem realizar diagnóstico do interesse dos alunos e sem evolução dos conteúdos, que foram ministrados de forma semelhante para as 4a, 5a e 7a séries, ignorando-se o processo cognitivo dos escolares. Além disso, há uma tendência em concentrar essa temática nas aulas de ciências, privilegiando o enfoque I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 227 biológico28 e distanciando-se do papel social e cultural do alimento, assim como das situações de vivência. Para que o ensino sobre a alimentação e a nutrição possa atender ao proposto nas diretrizes para a promoção da alimentação saudável nas escolas5-7, é importante que o tema não fique restrito às aulas de ciências, a um determinado período do ano, ou que seja trabalhado em projetos específicos e desconectados do comer cotidiano.3 Deve-se, ainda, valorizar o conhecimento prévio dos alunos28 e identificar os interesses e as motivações sobre o tema, tanto de alunos como de professores, sempre respeitado o contexto cultural da comunidade.1 Mesmo com essas limitações, estudos têm mostrado que professores percebem a importância de desenvolver temas de alimentação e nutrição e vêm realizando esse trabalho.25,27,29 Contudo, é importante salientar que os próprios professores indicam outras dificuldades, além das que já foram mencionadas, para a implementação de programas de educação alimentar e nutricional, como o calendário escolar e a necessidade de dedicar maior tempo aos conteúdos tradicionais.25 Ademais, ao mesmo tempo que reforçam a necessidade de mais conhecimento/formação sobre o tema, apontam outros fatores relevantes como barreiras para seu trabalho: a integração entre o que é desenvolvido na escola e na família e a inclusão do tema no projeto pedagógico.21,25,30 A efetivação dessas parcerias não é um processo simples, pois exige grande colaboração entre as partes para que a interdisciplinaridade possa realmente ser praticada. Açõe s na e scol a Ao se planejarem programas de educação alimentar e nutricional no ambiente escolar, as necessidades e os fatores motivacionais da população-alvo (incluindo estudantes, professores e comunidade escolar), assim como o conhecimento prévio, devem ser avaliados cuidadosamente para que sejam adotadas estratégias adequadas, respeitando-se as questões culturais que envolvam modificações dos conhecimentos 228 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 e das atitudes e que resultem em transformação e mudança no comportamento.4 Contento31 propõe um modelo para o desenvolvimento de projetos que se baseia em três eixos: • fase diagnóstica, na qual ocorre a identificação de recursos e pessoal disponível para o desenvolvimento do programa, assim como os processos que identificam as necessidades de saúde do grupo, os comportamentos individuais e as práticas da comunidade que possam melhorar a saúde; • fase de desenvolvimento definido por meio de uma série de passos, a partir dos quais são identificados os mediadores potenciais da mudança de comportamento desejada, a determinação da teoria ou modelo para mediar essas mudanças, o estabelecimento dos objetivos educacionais e o planejamento de estratégias e atividades baseadas em teorias. A forma de avaliação dos resultados também deve ser planejada nessa fase; • fase de análise dos resultados que refletem o impacto do programa sobre o comportamento e as práticas, cujas mudanças foram inicialmente objetivadas. Dentro dessa perspectiva, dois aspectos do desenvolvimento de programas serão discutidos: a seleção de algumas estratégias de trabalho e o processo de avaliação. A prender fa z end o Além da importância de os temas serem tratados de forma transversal5-7, a metodologia pedagógica adotada para o desenvolvimento dos programas e projetos de Educação Alimentar e Nutricional deve privilegiar o diálogo horizontal.32 As atividades propostas devem ser problematizadoras, respeitar o conhecimento e a cultura e, o mais importante, ter significado para o educando.3,32 Isso faz com que os educandos sejam capazes de ir além da simples aquisição de conhecimento, passando a refletir sobre suas escolhas alimentares e cultivando a construção da cidadania.3,32 I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 229 Dois aspectos podem ser destacados quanto à seleção de estratégias a serem adotadas: é importante selecionar atividades que estimulem a participação dos educandos, enfatizando o aprender fazendo, um dos quatro pilares da educação propostos pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco), e, no caso de crianças, o lúdico tem um papel fundamental, pois permite explorar o aprender brincando. Entre as ferramentas que podem ser usadas, a alimentação escolar passa a ter papel pedagógico quando inserida no currículo, pois o momento da alimentação, consumida no ambiente escolar, fornece inúmeras oportunidades para que escolares coloquem em prática o que vem sendo desenvolvido nas diferentes áreas de conhecimento.4 Ao mesmo tempo, os alimentos servidos na própria escola devem estar no centro das atividades pedagógicas, sendo explorados a partir do conhecimento dos escolares sobre o planejamento e preparo das refeições, além do que vem sendo discutido sobre seus diversos aspectos em diferentes áreas.33,34 É importante olhar o alimento além de suas características nutricionais, explorando, por exemplo, sua origem, sua importância para o desenvolvimento do ser humano e seu significado social e econômico. Várias são as oportunidades de aprendizagem a partir da alimentação escolar: higiene pessoal e dos alimentos, relacionamento e interação, comportamento, autonomia, uso adequado de utensílios, desenvolvimento do paladar, controle do desperdício, autoestima e imagem corporal positiva.1,3 Horta escolar e oficinas culinárias A utilização de hortas escolares tem sido incentivada pelas regulamentações publicadas.5-7 Fruto de uma proposta conjunta da FAO, do FNDE e do MEC, o projeto (TCP/BRA/2003) “Horta escolar como eixo gerador de dinâmicas comunitárias, educação ambiental, alimentação saudável e sustentável” traz inúmeras oportunidades de aprendizagem, pois representa um ecossistema que permite a inclusão dos educandos, dos professores, da comunidade escolar e, ainda, a articulação com a família, 230 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 pois essas experiências práticas podem ser transmitidas. Prevê-se também o envolvimento de agricultores familiares e gestores de políticas públicas.35 Tal estratégia proporciona oportunidade para a prática educativa integrada, contínua e permanente, não só para as questões do alimento e da nutrição, mas também para o ambiente e a cidadania.35 No estudo de Moreira21, os professores relataram ter desenvolvido as seguintes atividades a partir da horta: plantio, observação do canteiro, colheita, contato com a terra, experimentação, atividades em sala de aula com músicas, pesquisa, desenhos, manuais, histórias e caça-palavra. A horta permite ainda mais: a valorização de produtos regionais e orgânicos, a redução do desperdício e a produção de hortaliças frescas, sem utilização de agrotóxicos, que podem ser incorporadas ao cardápio da escola, enriquecendo a qualidade da alimentação. A experiência da horta pode ser complementada com oficinas de culinária, que valorizam a cultura da comunidade e permitem a participação ativa no processo de aprendizagem.36 Além de aprender fazendo, a criança é exposta a novos alimentos, novas formas de preparo e sabores, bem como à experimentação – aprender a conhecer – junto ao grupo social, o que pode influenciar positivamente a ingestão dos alimentos.33 Aprender brinc and o No caso de crianças, a opção por atividades lúdicas, que incluem o brincar e o jogar, parece lógica, uma vez que a brincadeira é um ato natural desse período da vida. A brincadeira estimula o desenvolvimento infantil e facilita a aprendizagem, pois a própria motivação da criança é aproveitada, tornando a tarefa mais atrativa, enquanto o conhecimento vai sendo construído a partir do estímulo aos sentidos, da valorização de sua cultura, do desenvolvimento motor, da socialização e interação, do exercício da imaginação e criatividade e da sistematização das experiências.37,38 Como qualquer material didático de apoio, o jogo deve ter coerência com as premissas pedagógicas propostas.32 Pode ser considerado I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 231 como uma brincadeira que envolve regras. A partir das habilidades que permite desenvolver, é possível empregá-lo para uma variedade de propósitos – no contexto da educação alimentar e nutricional, pode ser usado para transmitir informações, ajudar a construir a autoconfiança, incrementar a motivação, fomentar a reflexão, possibilitar a prática significativa daquilo que está sendo aprendido, contribuir para o aprendizado de regras sociais e também como instrumento de avaliação da ação educativa. O uso de histórias também é um recurso interessante, pois podem ser trabalhadas de diversas formas – leitura, dramatização, contador de histórias, preparação de alimentos, músicas, fantoches – ou ser o ponto de partida para o desenvolvimento de outros conteúdos e atividades. Estudos sugerem que crianças podem ser influenciadas pelas situações mostradas nas histórias infantis e descobrir mecanismos de tomada de decisão e solução de problemas, e que pode haver melhora em sua autoestima.39 No acervo de histórias infantis tradicionais, podem ser encontradas várias situações relacionadas à alimentação possíveis de serem exploradas no ambiente escolar. Estudo norte-americano40 avaliou livros infantis premiados, voltados para o público pré-escolar, e identificou que 45 apresentavam pelo menos uma menção a alimentos. O grupo mais mencionado foi o de alimentos fonte de carboidratos complexos, seguido das frutas e açúcares simples/gorduras, em sua maioria (77) relacionada a mensagens positivas. Hortaliças foram significativamente menos mencionadas. Embora não esteja claro qual o impacto das mensagens sobre mudanças nos hábitos alimentares39, histórias infantis permitem o desenvolvimento de inúmeros conceitos sobre alimentos e nutrição.33 Para o sucesso da utilização/criação de jogos e histórias, é importante estabelecer objetivos claros do que se pretende alcançar e adequá-los às habilidades da criança, respeitando-se sua idade e seu desenvolvimento. O conhecimento dessas características é importante para a criação ou escolha de materiais adequados. Entre os diversos educadores que 232 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 trataram do brincar e da aprendizagem, destacam-se as teorias de Piaget e Vygotsky. Segundo a teoria construtivista proposta por Piaget, as crianças passam por quatro estágios associados às idades (mas não de forma rígida), nos quais interagem com a realidade de maneira diferente, construindo seu entendimento de mundo. Tais estágios representam uma sequência constante e evoluem de maneira que em cada um o esquema de assimilação anterior é englobado e ampliado, devendo ser conhecidos para que a escolha do material didático seja a mais adequada. Vygotsky, por sua vez, reforçou a importância da atuação dos outros membros do grupo social como essencial para o desenvolvimento da criança.17 Respeitando-se esses conceitos, todos os jogos podem ser empregados, seja o mais simples ou aquele desenvolvido especificamente para esse fim ou adaptado (memória, tabuleiro, lenço-atrás, etc.), desde o mais tradicional até os modernos games para computadores. Avaliaç ão Embora todas as etapas de elaboração de programas de Educação Alimentar e Nutricional sejam essenciais para seu sucesso, nem sempre sua avaliação está prevista no planejamento, sendo este um aspecto fundamental e que deve sempre ser realizado para que seja possível julgar a efetividade e a eficácia do programa e nortear novos caminhos a serem seguidos. Pérez-Rodrigo e Aranceta1 reforçam que não só a avaliação final é importante, mas também a avaliação do processo (avaliação formativa), que resulta na identificação de fatores que podem gerar maior eficácia das ações. A avaliação do processo foca em implementação do programa, controle de qualidade e monitoramento, que explicam seu resultado. Essa avaliação permite investigar qual é a extensão do programa, o grau de adesão, o alcance das ações, o uso de materiais, os mediadores ambientais (p.ex., formação de professores), o conteúdo trabalhado, o envolvimento da família, a disponibilidade de alimentos saudáveis em I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 233 casa, as modificações nas refeições oferecidas na escola, a presença de subgrupos com necessidades especiais, as dificuldades para sensibilização, o apoio externo, entre outros fatores importantes. Para cada intervenção, é necessário que indicadores de avaliação sejam determinados. Alguns dos instrumentos que podem ser adotados para essa avaliação incluem a observação das classes, o acompanhamento da alimentação escolar, os grupos focais e a análise de fatores que afetam a adesão.1 A avaliação final, que avalia o impacto do programa, é importante para identificar sua eficácia e deve incluir medidas qualitativas e quantitativas.1,29 A adoção de um processo de avaliação pleno e envolvendo toda a equipe norteia as decisões para novas intervenções; portanto, deve ser sempre considerado cuidadosamente no planejamento. C O N S I D E R AÇ Õ E S F I NA I S Este texto teve como objetivo pontuar fatores implicados no desenvolvimento da educação alimentar e nutricional na escola. Fica claro, mesmo com base em apenas alguns aspectos aqui tratados, que não são poucos os desafios envolvidos nesse amplo processo, que engloba uma gama tão variada de questões, que vão desde intersetorialidade até o desenvolvimento de materiais didáticos. Espera-se que a percepção da magnitude dessa complexidade provoque a reflexão sobre o papel que cada um pode exercer. O sucesso das ações depende de quanto o processo está integrado à realidade dos alunos – a alimentação servida, o currículo, as questões culturais – e dos esforços, os quais devem ser permanentes e envolver todos os setores e atores. Apenas o trabalho em conjunto com a finalidade de que os escolares alcancem muito além da aquisição de conhecimentos, atingindo competências que os permitam utilizar as informações e recursos 234 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 disponíveis de forma a adotar hábitos alimentares saudáveis, garantirá o êxito das ações de educação alimentar e nutricional na escola. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Pérez-Rodrigo C, Aranceta J. School based education: lessons learned and new perspectives. Publ Health Nutr 2001; 4(1A):131-9. 2. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. 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Na América Latina, em geral, apenas 1,1 do gasto social associado ao Produto Interno Bruto (PIB) tem sido direcionado aos programas de alimentação, dentro dos quais se insere a alimentação escolar.1 Na realidade, pode-se inferir que caso esses programas fossem estendidos e aplicados de forma universal, de modo a atender toda a população-alvo sem discriminação de renda, seus efeitos poderiam ir além do simples aporte alimentar, além de gerar efeitos no desenvolvimento das regiões. De fato, quando as políticas sociais são dirigidas de forma intensiva para o apoio a programas de alimentação escolar, podem provocar enormes ganhos vinculados a educação, saúde e desenvolvimento local, 240 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 além de ter impactos diretos sobre a segurança alimentar. Define-se a segurança alimentar a partir do acesso aos alimentos de qualidade em quantidade adequada e com regularidade. É importante destacar que os Programas de Alimentação Escolar (PAE), ao reforçarem os aspectos da produção e do consumo local, preservando hábitos alimentares, têm capacidade de ir além e promover o que se costuma denominar soberania alimentar das comunidades.2 Os programas de alimentação escolar são capazes de gerar meios para desenvolver a produção local, desvinculando-a de crises setoriais e mantendo regularidade nas rendas da comunidade, ao mesmo tempo em que se garante o abastecimento alimentar. No momento atual, considerando o cenário de irregularidade nos preço dos alimentos, a dinamização local criada a partir da agricultura familiar pode ser um caminho para evitar crises de abastecimento e falta de produtos essenciais à alimentação. Ademais, “(esses programas) podem cumprir um papel relevante na rede de proteção social devido à sua alta capacidade de responder em momentos de crise”.3 Este capítulo usa o caso do Brasil como exemplo bem-sucedido – mas não acabado – de um PAE que serve como referência para toda a região, já que possui um desenho mais avançado4,A, além de ter cobertura universal. Um total de quase 20 países da América Latina e do Caribe desenvolve programas de alimentação escolar, porém muitos programas não passam de pequenas ajudas que são transferidas a certas escolas de regiões carentes em algumas épocas do ano. Em outros casos, a quantidade de alimentos utilizada nas merendas é tão pequena que proporciona baixos resultados em termos nutricionais. O objetivo mais direto desse trabalho é indicar que os PAE podem ser mais bem utilizados como instrumento de promoção da segurança alimentar e nutricional. Argumenta-se que tal instrumento não tem sido bem aproveitado, em função de seu baixo alcance sobre a população mais necessitada e do valor relativamente reduzido de suas transferências aos municípios. Mesmo no Brasil, considerado um exemplo na I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 241 implementação de seu PAE, os resultados medidos em termos de impacto direto ou na percepção da segurança alimentar são reduzidos ou não foram avaliados.5 As constatações a respeito do impacto do PAE no Brasil são provenientes de levantamentos realizados com base na aplicação de questionários e segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), em pesquisa com amostras de domicílios em 2006.B De toda forma, o poder que esses programas podem ter caso sejam desenhados para dinamizar a renda dos produtores locais e outros elementos ligados à educação e à saúde nas comunidades enseja sua grande capacidade de atuar como política social. Este capítulo foi dividido em três seções: a primeira analisa a literatura acerca dos impactos locais dos PAE sobre a dinamização local; a segunda discute as correlações que podem ser estabelecidas entre educação e alimentação escolar; e a terceira traça um panorama geral dos programas de transferência de renda na América Latina, ressaltando que o exemplo do PAE brasileiro perpassará todo o texto, em razão de seus aspectos de universalidade na oferta do serviço e seu desenho orientado para a dinamização local, facultado por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Governo Federal, que facilita a compra de produtos da agricultura familiar por parte das prefeituras. A L I M E N TAÇ ÃO E S C O L A R E D E S E N V O LV I M E N TO L O C A L O fornecimento de alimentação nas escolas tende a ser um processo descentralizado por definição, pois a matéria-prima ou mesmo as refeições prontas precisam chegar até as escolas, sendo distribuídas em um amplo espaço geográfico. A alimentação acontece em um espaço de grande dispersão, procurando atender a seu público beneficiário e ao mesmo tempo resguardar aspectos ligados aos hábitos alimentares de cada grupo envolvido. São muitas as dificuldades presentes no processo de obtenção dos alimentos e sua posterior distribuição. Fica evidente que para países que dependem de doações da cooperação internacional para atender às necessidades diárias de alimentação 242 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 dos estudantes é dif ícil mencionar a importância de preservação de hábitos locais. O mesmo ocorre com as estruturas centralizadas de compra e gestão dos recursos públicos. Nos países mais burocratizados e com controles mais rígidos quanto aos poderes provinciais ou municipais, torna-se dif ícil promover a descentralização dessas compras. Como resultado, nesses casos, compras centralizadas costumam ocorrer, muitas vezes, concentradas em algumas poucas empresas fornecedoras sem promover qualquer geração de renda nas economias locais. Analisar o caso do Brasil permite entender como o sistema de alimentação escolar transitou de um formato focalizado em termos sociais e geográfico via compra centralizada para um formato universal, com a aquisição de alimentos por meio da compra descentralizada baseada em sistemas locais de fornecimento. No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sofreu grande evolução em seus mais de 50 anos de vida. Em seu início, era uma simples campanha voltada para algumas escolas durante alguns dias da semana. Seus suprimentos tinham relação direta com a disponibilidade proporcionada pelas doações de gêneros proveniente da ajuda alimentar internacional ou programas como o PL 480 norte-americano.C Em 1979, o programa assumiu caráter nacional e universal. Na década de 1990, o PNAE começou a se estruturar, estabelecendo algumas regras referentes às quantidades a serem fornecidas, aos valores nutricionais e ao sistema de compras envolvido no fornecimento. Finalmente, em 1994, adotou-se a descentralização na gestão do programa, promovendo seu controle por parte da sociedade civil e facilitando-se as compras por meio de sistemas locais de abastecimento. Em 1994, o mesmo Projeto de Lei que descentralizou e municipaliD zou a merenda escolar recomendava a preferência por produtos in natura na compra e a priorização da produção local para reduzir custos. Em 1996, uma nova portaria passou a definir critérios para a aquisição I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 243 de alimentos para a merenda escolar. Essa portaria acentuou a importância da comercialização de alimentos produzidos na região para incentivar a produção local, além de recomendar a aquisição de produtos que estivessem em período de safra na região. Também se indicava a necessidade de evitar a compra de alimentos de empresas monopolísticas, ou seja, dos grandes atacadistas do setor de alimentação. As ações vinculadas ao PNAE no modelo descentralizado (ou seja, após a municipalização da merenda escolar) centravam-se no estímulo ao associativismo e à profissionalização dos produtores agrícolas familiares. Nesse modelo de administração do PNAE, a prefeitura seria o agente promotor da associação entre alimentação escolar e desenvolvimento local. Entende-se que esse desenho descentralizado apresentado pelo PNAE é mais apropriado para promover o desenvolvimento local, especialmente para municípios pequenos. Parte-se do suposto que esse desenho de PAE tende a gerar maiores reflexos sobre os produtores de produtos hortifrutigranjeiros e carnes, situações nas quais os benef ícios derivados da logística, do preço/qualidade e do fortalecimento da economia local são evidentes. Nesse tipo de PAE, a exceção deve ser feita para a gestão da alimentação escolar nos grandes municípios e também para a compra de gêneros não perecíveis, para os quais as compras em grandes quantidades podem representar uma grande economia. Informações recolhidas nas quatro edições do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar organizado pela ONG Ação Fome ZeroE mostram que os municípios que promoveram a compra de alimentos junto à agricultura e à agroindústria familiar ou ao pequeno comércio tiveram vantagens em termos de renda e emprego para seu município, além de garantirem uma alimentação saudável e respeitar os hábitos alimentares regionais. Entretanto, essa opção, por privilegiar os fornecedores locais, implicou grande esforço, seja no campo administrativo ou de reorientação de prioridades nas decisões políticas municipais. 244 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Em alguns casos de municípios bem-sucedidos que foram avaliados pelo prêmio, já se contava com uma estrutura produtiva estabelecida e um sistema de distribuição constituído. Nesses casos, a gestão da merenda escolar era feita de forma rotineira e burocrática até que, por algum motivo de crise – por exemplo, uma baixa nos preços de mercado pagos aos produtores locais ou uma mudança nos fluxos dos mercados, ou mesmo por pressão exercida pelos produtores locais –, a opção pela utilização das compras locais passou a ser adotada. Esses foram os casos da adoção do suco de laranja na merenda escolar na região de Bebedouro (SP), do leite no oeste de Santa Catarina, do leite de cabra em Sergipe, da castanha-do-pará em alguns municípios da Amazônia, do doce de coco em Quissamã (RJ) e dos alimentos orgânicos em vários municípios analisados. Em outros casos, o avanço de programas de compra da agricultura familiar pode ser visto como mais difícil de ser implementado, pois envolve o que se chama de desenvolvimento de fornecedores. Nessa circunstância, torna-se necessário identificar produtores, capacitá-los para o atendimento aos requisitos de qualidade exigida, auxiliá-los na preparação de documentação e estabelecer rotinas de atendimento e entrega. Geralmente, esse trabalho tem início dentro da escola, com programas de educação alimentar e recuperação de tradições e hábitos locais apoiados ou incentivados pelo Conselho Municipal de Alimentação Escolar (CAE). Em momento posterior, há o envolvimento de agrônomos, assistentes sociais e o pessoal administrativo da prefeitura nas compras escolares. Pelo fato de a legislação brasileira para compras públicas ser muito rígida, criou-se uma dificuldade para que os pequenos produtores agropecuários ou pequenos processadores pudessem participar dos processos licitatórios. Em resposta a essas dificuldades, no ano de 2003, o governo brasileiro lançou o PAA, com uma modalidade para a compra da agricultura familiar (sem licitação em montante de até R 5.000,00/ano) e posterior doação desse alimento para a merenda escolar. Mais tarde, I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 245 essa modalidade foi subdividida em outras. Entretanto, pode-se resumir a atuação do governo nesse particular em dois tipos: a compra com doação simultânea e o programa de compra do leite. Em ambos os casos, as estatísticas não fazem diferenciação sobre o destino das compras, de modo que elas podem ser utilizadas para a merenda escolar, como também para a doação a instituições de assistência social. Levantamentos realizados por Turpin6 demonstram que foram gastos R 619 milhões nos estados e municípios, entre 2003 e 2008, com esses dois programasF, porém não se sabe ao certo quanto foi destinado à alimentação escolar, que deve ser predominante em comparação com outros itens cobertos pelas compras governamentais transferidos a instituições de caridade municipais. Contudo, há ainda outra modalidade de PAA que é operado diretamente pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que realiza as compras e que pode ter contribuído com um pequeno montante adicional para o abastecimento da merenda escolar. Em sua concepção original, ao consolidar a relação entre o consumo de alimentos para a merenda escolar e sua produção local, buscava-se manter as compras da merenda escolar sob o controle do município, ou da escola, e permitir o acesso de pequenos produtores cadastrados para o circuito de compras dos municípios. Com isso, era possível preservar os hábitos de consumo locais nas escolas e, ao mesmo tempo, gerar uma escala econômica de produção capaz de viabilizar esses pequenos agricultores. A conjugação do PNAE com o PAA é um exemplo do esforço nessa direção que acontece no Brasil. No entanto, para que essas propostas possam ser ampliadas, seria necessário também melhorar o aporte de alimentos destinados à merenda escolar. Atualmente, a legislação brasileira prevê que a merenda deve atender a 15 das necessidades calóricas diárias e prover 9 g de proteína para os alunos durante os 200 dias letivos do calendário escolar. Esses valores são muito reduzidos e não podem alterar significativamente o quadro nutricional grave de famílias em 246 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 extrema pobreza. Entretanto, com mais refeições e alimentação de melhor qualidade, as municipalidades poderiam mudar esse quadro. Poderiam, por exemplo, comprar mais dos produtores locais, gerando, dessa maneira, um fluxo significativo de alimentos adquiridos da agricultura familiar. Outra providência importante é o incentivo à criação de hortas escolares (administradas por famílias ou cooperativas de produtores) para oferta local. Para tanto, é fundamental que o Poder Público disponibilize áreas ociosas em terrenos municipais e áreas contíguas às escolas. Este é um elemento importante para o funcionamento de uma relação direta entre fornecedores e compradores, no que se refere à qualidade dos alimentos fornecidos. Ao mesmo tempo, a proximidade das áreas de produção permite o desenvolvimento de atividades escolares, tendo a merenda (produção, relações de trabalho, conteúdo nutricional e outros elementos) como ponto de destaque. Atualmente, o programa brasileiro atende a um total de 37 milhões de crianças (pré-escola, ensino infantil e fundamental) com gastos da União superiores a R 1,5 bilhão. Estima-se que, com a incorporação dos estudantes do Ensino Médio ao PNAE, o gasto do Governo Federal supere os R 2 bilhões, atendendo a cerca de 45 milhões de alunos. Essa foi outra inovação importante que foi introduzida em 2009 – uma diretriz estabelecendo percentuais para a compra local. A legislação atual prevê que 70 do valor repassado deve ser utilizado para a compra de produtos básicos, o que, por si só, não é uma garantia de compras junto aos agricultores locais, pois nem todos os municípios produzem todos os produtos necessários à merenda escolar, mesmo porque existem vários municípios urbanos, além do fato de muitos produtos básicos serem industrializados, como queijos, carnes, farinhas, óleo de soja, etc., e os produtores locais não serem capazes de fornecer esses bens em condições (qualidade e quantidade) adequadas. Finalmente, há um problema de preços praticados: muitas vezes, a compra de produtos (mesmo aqueles da produção local) é mais barata I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 247 quando feita por empresas fornecedoras. Isso sem contar custos de transação envolvidos na operação com pequenos produtores. Nesta sessão, procurou-se indicar os possíveis impactos da alimentação escolar sobre a dinamização local, com base no exemplo brasileiro, cuja importância em termos de PAE na América Latina ainda será explorada na sequência deste estudo. A próxima seção busca apreender as relações entre os programas de alimentação escolar e o aproveitamento educacional dos escolares beneficiados, entre outras informações que vinculam educação das crianças em situação de desvantagem com relação à alimentação escolar. PA E E E D U C AÇ ÃO A valorização do espaço escolar como elemento para a atração das comunidades e a participação democrática tende a provocar efeitos que extrapolam a simples necessidade de gestão e o acompanhamento das políticas públicas. Nas comunidades, a escola funciona como ponto de encontro, promovendo a educação, a boa nutrição e a integração dos grupos mais vulneráveis. Assim, vislumbrar a escola como um centro de referência em segurança alimentar e os PAE como seus condutores pode abrir um novo horizonte para as comunidades participarem em um novo desenho das políticas de alimentação escolar. A participação popular faculta o empoderamento dos atores e tem se tornado a nova política pública que, embora tenha raízes na preocupação neoliberal de reduzir a tutela do Estado, pode promover a cidadania e conter grande potencial para revitalizar a democracia.7 Portanto, não se pode identificar os PAE como estando unicamente voltados para a alimentação. Muitas pesquisas foram realizadas sobre a efetividade dos programas de alimentação escolar em termos nutricionais, e a pergunta que tem balizado tais pesquisas é: qual seria o impacto da alimentação escolar em termos nutricionais? Entretanto, segundo estudo de Kristjansson et al.8, não seria possível apontar dados conclusivos a respeito do 248 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 impacto da merenda escolar sobre a nutrição das crianças. Um mapeamento de 18 estudos realizados desde a década de 1920, em países industrializados e em desenvolvimento, mostra que os resultados variam dependendo do grupo que está sendo analisado, desde a qualidade e a frequência dos alimentos fornecidos até outras variáveis da conjuntura econômica envolvidas no processo. Pode-se concluir, entretanto, que, do ponto de vista da frequência escolar e da redução da repetência e do abandono escolar, os PAE representam um grande avanço. Conforme estudo de Kristjansson et al.8, no qual foram analisados os impactos da alimentação escolar tanto em países de baixa renda como em países de alta renda: Results for height from High Income countries were mixed, but generally positive. In low income countries, children who were fed at school attended school more frequently than those in control groups; this finding translated to an average increase of 4 to 6 days a year per child. For educational and cognitive outcomes, children who were fed at school gained more than controls on math achievement, and on some short-term cognitive tasks. School meals may have small physical and psychosocial benefits for disadvantaged children. (p.8) É comum a associação das dificuldades de aprendizagem com insuficiência de micronutrientes. No trabalho de Kristjansson et al.8, ficou clara a possibilidade de os programas de alimentação escolar ajudarem a minorar os impactos negativos da desnutrição sobre o processo de aprendizagem. Os autores consideram que os PAE podem ter como objetivos: • alívio da fome no curto prazo;9 • oferta de micronutrientes essenciais ao desenvolvimento saudável da criança; • facultar o crescimento das crianças;10 I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . • 249 promover o desenvolvimento cognitivo das crianças e melhorar seu desempenho acadêmico.10 O estudo de Kristjansson et al.8 também afirma que “nos países em desenvolvimento a alimentação escolar visa a melhorar a frequência escolar, a participação e encorajar os estudantes”. Essa conclusão pode ser corroborada nos estudos do programa norte-americano segundo evidências a partir do NSLP (National School Luch Program), em atividade desde 1946, quando foi transformado em um programa de alcance nacional. Atualmente, o NSLP atende crianças e jovens do ensino elementar e secundário cujas famílias possuam renda máxima entre 131 e 185 da linha da pobreza. As refeições para os alunos são subsidiadas de modo que o Estado cobre até US 1,14 do valor da refeição, dependendo do tipo de refeição e da família beneficiária.G,11 Segundo estudos realizados em diversas escolas norte-americanas nos anos 1980, há um claro aumento de frequência e pontualidade entre os alunos participantes do NSLP, porém esses estudos não foram conclusivos sobre a melhoria no rendimento desses estudantes em disciplinas como linguagem, matemática e leitura. Contudo, existem evidências de que os almoços dos estudantes beneficiários continham calorias e nutrientes em excesso, com evidentes implicações sobre a situação de obesidade dessas crianças e jovens.11 Um estudo mais abrangente foi realizado pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA). Segundo esse organismo das Nações Unidas, quando a alimentação foi oferecida nas escolas, além de a fome ter sido aliviada imediatamente, a frequência escolar praticamente dobrou durante um ano.12 Assim, no que se refere à frequência escolar, há indícios claros de sua correlação positiva com o programa de alimentação, embora seus efeitos objetivos na nutrição não tenham sido constatados. De acordo com os mesmos autores, pesquisas a respeito do impacto da alimentação escolar, apresentadas em encontro realizado no ano 2000, indicaram que existe baixa evidência dos benef ícios nutricionais da alimentação escolar, ainda que se possa apresentar fortes indícios de 250 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 melhorias no processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, é preciso ressaltar, tal como afirma Macintyre13, que a alimentação escolar se direciona muito mais aos sintomas da fome que às suas causas subjacentes; ou seja, embora o alimento possa dar uma satisfação imediata ao estudante, as raízes da desnutrição podem persistir. O mesmo estudo encontrou efeitos positivos da alimentação escolar sobre o crescimento da massa muscular da criança em algumas situações especiais. Em relação à capacidade cognitiva das crianças, por sua vez, os testes mostraram que existem efeitos de longo prazo, além de outros impactos de curto prazo, como mudanças metabólicas, que aumentam a oferta de energia para as crianças.8 Em termos de comportamento, a pesquisa dos autores referidos indica que houve melhoria na interação das crianças nas atividades da escola após a oferta da alimentação escolar. Para resumir, o estudo dos autores acima referidos indica que os impactos são pequenos nos quesitos antropométricos. Contudo, pode-se ressaltar, com base nas evidências apontadas, que a alimentação escolar trouxe melhoria nos indicadores relativos a inteligência, capacidade de compreensão e comportamento. Além disso, o estudo reforça que a potencialização dos benefícios depende do desenho do programa e conclui que afirmar que a alimentação escolar isoladamente é capaz de resolver todas as dificuldades inerentes à pobreza é uma falha grave, pois a pobreza demanda ações em diferentes frentes para ser erradicada. Greenhalgh, Kristjansson e Robinson14, em artigo publicado no British Medical Journal, corroboram essas afirmações e reforçam o fato de que [...] apesar de se verificar que os programas têm um efeito significativo no crescimento e no desempenho cognitivo, as pesquisas realizadas tiveram muitos desenhos diferentes e foram implementadas em contextos sociais e sistemas educacionais variados, por pessoas das I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 251 mais diferentes formações, culturas e crenças; e com uma ampla variação no ambiente econômico e contexto político. As autoras mostram que uma pesquisa realizada com o fornecimento de suplementos à base de leite para estudantes na Grã-Bretanha em 1920, período de recessão, mostrou um efeito evidente sobre o crescimento das crianças. A mesma pesquisa, com o mesmo suplemento a base de leite foi aplicada em crianças britânicas em 1970, quando não apresentou benefício significativo.14 Ainda que se reconheça a necessidade de avaliação mais detalhada a respeito dos impactos dos PAE sobre quesitos como peso, altura, desenvolvimento cognitivo e melhorias nutricionais em geral, é importante reconhecer que os impactos existem e que os desenhos das políticas devem ser suficientes para maximizar os efeitos positivos almejados pela alimentação escolar. Embora, existam evidências importantes de que a alimentação escolar promove impactos em termos de frequência e avanços nutricionais sobre o beneficiário, vale lembrar que, em muitos casos, uma boa alimentação escolar pode influenciar a mudança de hábitos alimentares da família, mas também pode acontecer de a alimentação na escola induzir uma redução das quantidades de alimentos servidos a essa criança em seu lar.14 O E S TA D O DA A R T E D O S PA E NA A M É R I C A L AT I NA Na América Latina, os PAE já existem há algumas décadas. O Uruguai possui o mais antigo, com o surgimento datado do começo do século XX, sendo que os demais pertencem aos anos de 1950 e 1960.15 Apesar do caráter pioneiro desses programas, a desnutrição ainda se apresenta com alta incidência na região, como um verdadeiro problema de saúde pública ainda não solucionado. Os eixos gerais perseguidos pelos PAE são o alívio da pobreza no curto prazo associado à melhoria nos níveis nutricionais e à manutenção das crianças na escola. Ao mesmo tempo, esses programas, para 252 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 terem efetividade, demandam fortemente investimentos em infraestrutura (saneamento básico, energia elétrica, meios de transporte, etc.), além de serem dependentes de uma coordenação institucional que pode estar nos âmbitos da sociedade civil, governo ou mesmo de organismos internacionais. Segundo a FAO16, os PAE são fundamentais para reduzir a pobreza, a desigualdade econômica e social, tendo em vista que: 1. Provêm alimento seguro e sustentável aos menores em idade escolar. Incentivam maior participação das crianças na escola e auxiliam na redução do abandono escolar e das dificuldades de aprendizagem. 2. Oferecem um percentual importante de calorias, proteínas e vitaminas que as crianças necessitam para obter melhor nutrição. 3. Auxiliam a integração social e comunitária, contribuindo com a formação de capital social via participação de pais, professores e autoridades locais no processo de distribuição, armazenamento, preparo e entrega de alimentos. 4. Oferecem oportunidade de aprendizagem e inovação pedagógica ao envolver diferentes atores no processo. 5. Contribuem para mobilização de recursos locais por meio da compra de alimentos de pequenos produtores e utilização de recursos originários da comunidade. 6. Promovem a inserção de crianças e indígenas na escola e na comunidade, integrando enfoques de gênero sem discriminação por raça. 7. Nos casos em que estão associados aos programas de saúde, contribuem para maior participação da comunidade em programas de saúde e nutrição. A respeito dessa lista, podem ser acrescentados mais dois aspectos de grande importância para o desenvolvimento regional. Do ponto de vista econômico, os programas de alimentação escolar, quando desenhados para dinamizar a agricultura local, podem permitir o fechamento do I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 253 circuito de geração de renda e distribuição dos benefícios, promovendo o desenvolvimento local e evitando transbordamentos dessa renda para outras localidades. Além disso, do ponto de vista do empoderamento, esses programas promovem a transparência nas relações de cidadania, aproximando o Poder Público dos pais de alunos e da sociedade civil organizada. Em resumo, a gestão local dos recursos da alimentação escolar reforça o sentimento de pertencimento comunitário. Na América Latina, os programas de alimentação escolar se generalizaram nos anos 1950, a partir de repasses de recursos e alimentos provenientes de programas da ajuda humanitária internacionais, como o programa PL 480 dos Estados Unidos. Segundo Levine17, a doação de alimentos tinha como objetivo reduzir o superávit de produção dos agricultores norte-americanos e já havia sido aplicada durante os anos 1930 naquele país para garantir a alimentação escolar. Nos anos 1950, no contexto da Guerra Fria, visando a alimentar o Terceiro Mundo, o Congresso norte-americano aprovou a doação de alimentos como forma de conter os movimentos revolucionários que começavam a emergir em vários países da região. Milhares de toneladas de trigo, milho e leite em pó foram enviadas aos países em desenvolvimento com nomes de sugestivos programas como Aliança para o Progresso e Alimentos para a Paz. Relatórios do governo Johnson, nos anos 1960, mencionados por Levine17, indicam que os doadores praticamente nada sabiam acerca dos hábitos alimentares das populações que receberiam os alimentos doados. Em 1962, as Nações Unidas criaram o PMA, organismo voltado para o desenvolvimento de programas emergenciais de doação. Em pouco tempo, o PMA passou a administrar uma parte importante dos excedentes norte-americanos, sendo que os Estados Unidos se transformaram no principal doador para a organização. Segundo Marchione18, aproximadamente metade do que o PMA faz como doação atualmente vem dos Estados Unidos. Embora o PL 480 tenha um orçamento anual aprovado pelo Congresso, a ajuda alimentar norte-americana pode extrapolar esse total sempre que houver excedentes agrícolas sem 254 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 colocação no mercado.18 Os programas de alimentação escolar em boa parte da América Central foram estruturados com base nos excedentes norte-americanos, à semelhança dos programas dos anos 1930 em território norte-americano. Mais tarde, em 1946, os países da América Central passaram a se orientar no programa nacional norte-americano, após a institucionalização do National School Lunch Program nos Estados Unidos.19 Posteriormente, esses programas foram transferidos para a administração do PMA. Atualmente, o PMA sustenta programas de alimentação escolar em 74 países, atendendo 21,7 milhões de estudantes em 2005.H Conforme o documento “Programas de Alimentación Escolar en América Latina y el Caribe”,I pôde-se apreender que, dentre os países analisados,J o Brasil é o único que apresenta um desenho de PAE de caráter puramente universal, em que todas as crianças que frequentam escolas da rede pública nos níveis da pré-escola e educação primária recebem refeições, cujo fornecimento tem frequência anual, embora a lei garanta a alimentação para apenas os 200 dias letivos. Os demais países apresentam programas focalizados, seja no quesito renda ou em termos geográficos. Dessa maneira, apenas os grupos mais pobres ou de regiões escolhidas recebem a merenda escolar. Por exemplo, a Bolívia focaliza seus programas em duas províncias, ao passo que a Colômbia focaliza o programa em áreas rurais e em localidades onde existe maior diversidade étnica. Outros países oferecem a merenda escolar por poucos dias durante um ano e, ao mesmo tempo, oferecem exclusivamente o café da manhã ou almoço (quase não oferecendo ambos ao mesmo tempo), como é possível verificar no caso do Equador. O Chile, por sua vez, apresenta um programa de caráter universal em termos espaciais, mas restrito a partir da renda das famílias dos estudantes. Esse país parte de um programa de alimentação escolar com uma proposta universal, porém focado para que os estudantes de renda mais baixa obtenham acesso à alimentação. Esse programa é administrado de forma centralizada pela Junta Nacional de Auxílio Escolar e I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 255 Becas (Junaeb), encarregada de fazer as compras da merenda e definir os beneficiários do programa. Conforme dados do inventário realizado pela rede de pesquisadores, empresas e gestores envolvidos na alimentação escolar com a América Latina, em dezembro de 2005, entre os países latino-americanos, somente o Peru (além do Brasil) deixou de ter ajuda internacional para seus programas de alimentação escolar. Ao mesmo tempo, esse levantamento aponta que apenas o Brasil possui um programa de atendimento universal que funciona com recursos integrais originários de orçamentos públicos. Os demais países têm estratégias diferenciadas de focalização, as quais priorizam um ou mais critérios, como municípios com alto índice de pobreza, presença de escolas, locais onde os níveis de frequência escolar são baixos, áreas rurais e regiões com populações indígenas. Nos países que optaram pela focalização, a seleção dos beneficiários é feita por indicadores de pobreza e carências materiais. De modo geral, comparando-se a situação dos países na América Latina, os PAE alcançam uma cobertura em torno de 40 para alunos da pré-escola e ensino básico6, o que pode ser considerado muito baixo. A respeito dos programas internos de cada país, Abreu20 apresentou uma classificação em três grupos de países da América Latina: aqueles com economias menos complexas, de baixa industrialização, onde não há tradição de intervenção do Estado na área social e a execução do programa de merenda escolar é focalizada e centralizada, existindo grande dependência externa, em que se enquadravam Bolívia, Equador, Peru, Nicarágua e Guatemala; os países com economia mais desenvolvida, cujos exemplos são a Colômbia e a Venezuela, além do Chile, onde a merenda ainda é administrada de forma altamente focalizada e centralizada, embora com maior flexibilidade de gestão que os primeiros; e os países que, assim como o Brasil, possuíam já no momento do estudo economias mais diversificadas, com significativa industrialização, em que as políticas de alimentação escolar decorriam 256 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 de uma longa história de atuação do Estado na área social, caracterizando-se por baixo financiamento externo. Na América Latina, tornou-se praticamente unânime o estabelecimento do objetivo principal dos programas como sendo a equidade no sistema educacional. O objetivo de equidade poderia ser alcançado a partir dos PAE, uma vez que estes contribuem para a melhoria no acesso, permanência e habilidades de aprendizagem dos escolares mais vulneráveis, bem como a garantia de suas necessidades nutricionais, particularmente de carências específicas (ferro, vitamina A, iodo e cálcio). Assim, esses alunos estariam em igualdade de condições com os outros escolares que se alimentam regularmente, desde que os programas se estabelecessem de forma regular e com um aporte alimentar significativo. Alguns países ainda dão ênfase à equidade de gênero; outros, como Bolívia e Colômbia, almejam o fortalecimento da pequena produção agrícola com a compra local; e outros, ainda, visam ao desenvolvimento de hortas escolares, como é o caso da Argentina. Em resumo, são poucos os países do mundo que possuem programas de merenda escolar de alcance verdadeiramente universal. Na América Latina, apenas três possuem programas de merenda escolar com expressão nacional e de grande cobertura: Brasil, Chile e Panamá. No Chile, entretanto, assim como nos Estados Unidos, a alimentação escolar não possui características universais, pois só está disponível para os alunos declarados ou considerados pobres. Nos demais países da América Latina, a merenda escolar não tem cobertura nacional – são programas localizados, não atendem todos os dias do ano letivo nem dispõem de fontes de financiamento fixas e constantes ao longo do tempo, baseadas em legislação. A seguir, encontra-se um quadro resumindo as características principais dos PAE em países da América Latina (Tabela 1). F F 1941 S.I. 1964 1987 1956 1970 1960 1994S Colômbia Costa Rica Chile Equador Guatemala Honduras México Nicarágua F F 938 18.351 1.826 2.706 2.189 2.835 UQ F 666 2.612 36.300 F F U 1.274 1954 Brasil (2007)N FM 1996 Bolívia 1.978 A LU N O S BENEFICIA D O S 1 0 3 F 1964 Argentina FO CALI ZAD O/UNI VERSAL ANO DE INÍCIO Pré-escolar e básica Básica Básica Pré-escolar e básica Básica Pré-escolar e básica Pré-escolar e básica Pré-escolar e básica Pré-escolar e básica Básica Básica COBERTURA 4,9 286,4 9,9 27,2 30,1 165,7 20,9 39,2 0,06 0,26 0,57 0,09 0,12 0,5 0,3 0,08 0,08 0,17 20,2 0,15 G A S TO / D I A P O R A LU NO US$ 1.232,2O 75 G A S TO A N UA L U S $ 1 0 6 1L Caracterização dos Programas de Alimentação Escolar na América LatinaK,21 PA Í S TA B E L A 1 Lanche Desjejum Desjejum Lanche Desjejum e almoço Desjejum e almoço Desjejum e almoço Desjejum, lanche e almoço Lanche ou almoço Desjejum Desjejum e almoço TIP O DE A LIME N TOS S.I. S.I. (continua) 200 dias S.I. Parte do ano escolarR 180 dias S.I. 142P 200 dias S.I. 200 dias DIAS/ANO I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 257 1910 S.I. Uruguai Venezuela Fonte: Infante23 e FAO.24 S.I.: sem informação. F 1950V,22 Peru F F F S.I. Paraguai U S.I. PanamáT (2007) (continuação) 5.427 405 4.508 1.384 473 Básica Básica Pré-escolar e básica Básica Básica 55,8 16,6 75,4 5 18,7U 0,38 0,39 0,13 0,05 0,26 Desjejum, lanche e almoço Desjejum, lanche e almoço Desjejum e almoço Desjejum e almoço Leite, bolachas e almoço S.I. S.I. S.I. S.I. 150 dias 258 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 259 Acompanhando a situação dos PAE na América Latina, observam-se alguns movimentos recentes que podem alterar o quadro apresentado na tabela anterior. Há informações de que, no caso da BolíviaW, o governo haveria encaminhado uma lei que garantiria a universalização do PAE, a partir de 2007. Os recursos para o financiamento dessa expansão viriam das rendas decorrentes do aumento dos preços do gás natural extraído do solo boliviano. Entretanto, não há informação sobre os desdobramentos dessa lei e sobre seus impactos no período recente. No caso da Nicarágua, no ano de 1994, foi iniciado o Programa Integral de Nutrición EscolarX, o qual deu um caráter permanente com temporalidade indefinida ao programa de alimentação escolar na Nicarágua. Este programa procura reunir os vários programas pulverizados existentes na Nicarágua, com objetivos que se assemelhavam a este, os quais tiveram seu surgimento datado de 25 a 30 anos atrás. Recentemente, no Uruguai, o governo anunciou uma diferenciação no tipo de alimentação servida por tipo de escola e região. A alimentação escolar teria oferta universal, mas, existiriam distinções.Y Em escolas rurais, todas as crianças receberiam almoço diário; nas escolas especiais, por sua vez, com jornada de oito horas diárias, todos os alunos receberiam desjejum, almoço e merenda; e nas escolas urbanas, o almoço seria servido de acordo com a demanda. No Chile, entende-se que o PAE possui características de universalidade, pois seu acesso pode ser estendido a todas as crianças; porém existe um critério de seletividade apenas para aquelas carentes, identificadas por levantamentos do governo, as quais poderiam acessar a alimentação escolar, algo que não apareceu nas experiências do Panamá e do Brasil. O objetivo da Tabela 1 foi criar um breve panorama das ações para alimentação escolar na América Latina, cujo objetivo maior foi descrever a situação de tais intervenções e corroborar com o objetivo deste capítulo, que foi apontar como as políticas de alimentação escolar existem 260 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 em praticamente todos os países da região, mas têm sido pouco utilizadas como ferramenta para promover tanto melhorias nutricionais às crianças latino-americanas como para dinamização das economias locais. C O N S I D E R AÇ Õ E S F I NA I S Este capítulo revisitou a literatura e as experiências latino-americanas sobre alimentação escolar, indicou que estas mostraram relações positivas entre os desenhos dos programas de alimentação escolar e seus possíveis resultados em termos de desenvolvimento cognitivo e frequência escolar dos beneficiários e apresentou resultados sobre dinamização das economias locais. Considera-se que, a depender dos desenhos adotados pelos PAE, pode-se promover o dinamismo local e a estabilidade na renda dos pequenos agricultores, uma vez vinculados com a compra de alimentos da agricultura familiar para a merenda escolar. O artigo mostrou que a alimentação escolar é parte integrante dos programas de segurança alimentar desenvolvidos pelos países na América Latina, embora nem sempre as refeições sejam em número e quantidade suficientes. Existem muitos modelos de programas adaptados às realidades locais e restritos à capacidade financeira dos governos. Entretanto, para enfrentamento da questão da pobreza e da fome na América Latina, é essencial que haja uma complementação de esforços entre as comunidades, entidades governamentais e agências multilaterais, de modo a avançar no sentido de melhorar os sistemas de educação, incluindo o apoio à saúde e à infraestrutura. Esse tipo de programa não pode depender de ajudas humanitárias ou doações de excedentes agrícolas de países desenvolvidos, como tem sido a prática nos últimos anos. Outro aspecto essencial dos PAE refere-se à sua gestão. A observação dos casos latino-americanos – que são majoritariamente focalizados – indicou que, nas situações nas quais esses programas foram implantados, de forma descentralizada no âmbito da região e geridos I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . 261 democraticamente, foi possível atender de forma diferenciada aos diversos grupos sociais. Essas ações conseguiram promover a capacitação e a educação nutricional incorporando programas de saúde e nutrição e mantendo o respeito às tradições locais. O caso do PAE brasileiro tem sido usado como referência, especialmente na América Latina e Caribe, graças a seu desenho universal e descentralizado no âmbito do município, com aportes de recursos totalmente definidos por orçamento do Governo Federal, com perenidade garantida por lei. Outros países, como Panamá e Chile, também possuem programas de abrangência nacional, embora no caso do Chile sua ação seja direcionada para públicos específicos, ou seja, há um processo de seletividade na oferta do PAE. Neste momento, em que a alta dos preços dos alimentos se coloca como uma preocupação de todos os países, a alimentação escolar como uma política de atenção à alimentação aparece para a América Latina como crucial em diversos sentidos, seja para garantir um acesso mínimo das crianças à alimentação, melhorando sua nutrição, seja para dinamizar localmente os pequenos produtores. Ainda que não existam dados consolidados – apenas indicações – dos impactos da alimentação escolar sobre nutrição e rendimento escolar das crianças, é indicada a importância de se utilizar a alimentação escolar para aumentar os efeitos positivos sobre os três eixos que a política pode afetar: desenvolvimento local, frequência escolar e ampliação da segurança alimentar da população. REFERÊNCIAS BIBLIO GR ÁFICAS 1. Comissão Econômica para a América Latina. Social panorama of Latin America, 2007. Disponível: http://www.cepal.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones /xml/9/30309/P30309.xml&xsl=/dds/tpl-i/p9f.xsl&base=/tpl-i/top-bottom.xsl. 2. Chonchol J. Soberania Alimentar. Rev Estudos Avançados 2005; 19(55):33-48. 3. Duke Center for International Development Sanford Institute of Public Policy Duke University. Review of WFP School Feeding Programs. 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(mimeo). 264 JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 N O TA S A Entende-se como um desenho mais avançado como PAE aquele que contempla a participação da comunidade nas decisões sobre a compra dos alimentos e sobre os cardápios definidos nas escolas. Em algumas localidades, esses programas de merenda incluem as hortas escolares, o consumo de produtos orgânicos, os programas de educação alimentar nas escolas, etc. B A Ebia foi adotada na Pesquisa sobre Amostra de Domicílios (PNAD) aplicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006. Essa escala está baseada nos estudos de K. Radimer da Universidade de Cornell nos Estados Unidos dos anos 1990. A escala de Radimer foi utilizada em diversos estudos patrocinados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (conhecida como Household Food Security Survey Module – HFSSM), tendo sido aplicada, com adaptações e após validação, em várias comunidades na Venezuela, Colômbia, República Dominicana, México, Bolívia, Guatemala, Brasil, Burkina Fasso, Gana, Malásia e Filipinas.5 C A Public Law 480 foi aprovada em 1954 nos Estados Unidos e visava à compra de excedentes alimentares dos produtores para doação a países pobres. Internamente, a PL 480 representava um subsídio ao agricultor e uma forma de estabilizar os preços de mercado. D Essa lei tornou os municípios unidades responsáveis pela oferta da alimentação escolar. Esse fato foi um divisor de águas, pois foi por meio dessa medida que se descentralizou a gestão da alimentação escolar no Brasil, colocando seus mais de 5.000 municípios como responsáveis pela gestão e oferta da alimentação escolar. E As informações sobre o Prêmio podem ser verificadas no site: www.premiomerenda.org.br. F Compra com doação simultânea e programa de compra do leite, ambos participam do PAA. G Dados de 1997-1998. H Disponível em: http://www.wfp.org/food_aid/school_feeding/Docs/WFP20 SFfactsheet20SP06.pdf. I Preparado para a o Escritório Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, com participação dos autores durante o ano de 2007. I J O R NA DA D E A L I ME N TAÇ ÃO NA E S C O L A . . . J 265 Os países analisados pelo documento foram: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guatemala, Honduras e México. K Essa tabela baseou-se em estudo desenvolvido por Zepeda21 e no material fornecido pela FAO: Programas de Alimentación Escolar en América Latina y el Caribe, documento da FAO.16 L Do Governo Central, exceto Brasil, com estimativa de contribuição dos estados e municípios. M Em artigo retirado do site http://www.oei.es/noticias/spip.php?article1303, tem-se que a Bolívia promoverá a universalização do PAE. O artigo é datado de 5 de novembro 2007. N Fonte PNAE – FNDE/MEC. O Considerando-se o gasto de R 1,6 bilhão do Governo Federal com uma complementação integral desse valor, segundo a Lei, cumprida por apenas 50 dos municípios. Transformado em dólares ao câmbio médio de 2007 de R 1,9475/US. P Dados para 2006, informação retirada do documento: Programas de Alimentación Escolar en América Latina y el Caribe, documento da FAO.16 Q O programa é considerado universal porque qualquer aluno da rede de ensino do Chile tem direito de pedir a alimentação escolar. Entretanto, existe um critério de seletividade segundo o qual apenas os alunos carentes, com renda abaixo de determinado patamar, terão acesso à alimentação escolar. Portanto, o programa pode ser classificado como universal com critério de seletividade. R O dado mais recente coloca a oferta de 88 dias de desjejum e 54 dias de almoço. Esse dado foi coletado para o ano de 2004, conforme documento da FAO: Programas de Alimentación Escolar en América Latina y el Caribe, documento da FAO.16 S De acordo com o documento disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index. php/emaberto/article/viewFile/1010/912. T Fonte: Meduca – Ministério de Educação do Panamá. U Média dos anos 2005 a 2007. V Nasceu com ajuda da Usaid, via programa Alimentos para o Desenvolvimento, conforme documento de Martinez.22 W Disponível em: http://www.oei.es/noticias/spip.php?article1303. 266 X JORNADAS CIENTÍFICAS DO NISAN 2008/2009 Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view File/1010/912. Y Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile /1003/906.
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